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Democracia participativa e mandatos parlamentares participativos: uma parceria necessária | Afonso Florence

 

Desde os anos 80, durante o período da redemocratização do Brasil, se desenhou a tensão política e institucional entre a democracia representativa e a democracia participativa. De um lado, as classes dominantes impondo uma democracia representativa meramente formal, tutelada, a despeito da conquista democrática ter resultado, fundamentalmente, da luta dos “de baixo”; do outro, as experiências de democracia participativa em governos populares.

Apesar de pouco numerosas, e contra hegemônicas, as experiências de democracia participativa possuem dimensão estratégica. O Orçamento Participativo (OP), adotado em inúmeros municípios governados pela esquerda ganhou projeção a partir das experiências de Porto Alegre, Santos, tornando-se referência nacional. Na Bahia a experiência de Vitória da Conquista ganhou destaque. No âmbito municipal, outro modelo de participação popular, que merece destaque, é o da organização em rede, e a experiência da Rede Pintadas tornou-se referência.

Às experiências de democracia direta em governos municipais somam-se às experiências, no âmbito estadual. Na Bahia, foi construído o Plano Plurianual Participativo (PPA-Participativo), em 2007, que abriu debate e deliberação numa dimensão ampliada, desde a política fiscal, o orçamento e as políticas públicas. No âmbito nacional, a experiência dos governos Lula e Dilma com a realização das Conferências Nacionais e o funcionamento dos colegiados setoriais constituíram referência fundamental para criação de uma tradição de exercício da democracia participativa e, inspiração para a esquerda na formulação do programa de reconstrução e transformação do Brasil.

Entretanto, temos que refletir sobre três aspectos da experiência de democracia participativa: 1. Por que em muitas oportunidades, ainda no auge dos governos populares, ocorreu fortes sinais de fadiga na participação popular? 2. Por que após o golpe de 2016 as instâncias de participação foram tão rapidamente dizimadas, sem luta, nacional? 3. Finalmente, por que o recuo democrático foi tão extenso e duradouro no funcionamento de governos de esquerda em estados e municípios?

Quando houve experiências de Orçamento Participativo realizadas por governos dirigidos por partidos de centro, seu alcance era uma participação circunscrita ao aperfeiçoamento do sistema representativo liberal. De outra parte, durante as experiências lideradas por partidos de esquerda, em especial pelo PT, ocorria importante debate estratégico, e era corrente a tese de que a experiência de democracia participativa possuía valor estratégico na construção de uma hegemonia socialista.

Em todas as oportunidades em que governos de esquerda implementaram gestões com alguma dimensão de democracia participativa houve situações tensas com o poder legislativo, muitas vezes conflito aberto com as Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, ou com o Congresso Nacional. E, houve, invariavelmente, no mínimo indiferença da parte dos partidos aliados de centro, dos setores esquerdistas e, em muitas situações, também dos partidos aliados da esquerda.

Nessa quadra histórica, a esquerda brasileira não conseguiu construir experiências de funcionamento participativo das casas legislativas compatíveis, e combinadas, com o OP, com o PPA-Participativo, ou entre os colegiados de participação e controle social e o Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, existiram, e ainda há, inúmeros mandatos parlamentares populares com funcionamento participativo e, mais recentemente, surgiram os mandatos compartilhados.

Mandatos participativos
A DS construiu na Bahia uma trajetória intensa de construção de governos participativos, seja em executivos municipais onde camaradas foram eleitas gestoras, e gestores; seja em governos liderados por petistas, nos quais nos foi atribuída a responsabilidade de coordenar o OP. Tivemos responsabilidade central na coordenação do programa de governo da candidatura vitoriosa de Jaques Wagner (2006), que desembocou no PPA-Participativo e na criação do Conselho de Acompanhamento do PPA-Participativo. Também na coordenação do Programa de Governo Participativo (PGP) das candidaturas ao governo do estado da Bahia em 2014 e 2018. Finalmente, compartilhamos do centro das responsabilidades de condução do próprio PPA-Participativo.

Esse percurso teve como base uma formulação da estratégia da revolução democrática adequada à realidade concreta, suas características econômicas, políticas e a correlação de forças entre os projetos em disputa, de um lado, e as forças componentes do bloco político liderado pelo PT, em um movimento combinado com a realidade nacional.

Ao mesmo tempo, construímos mandatos parlamentares coletivos na Câmara de Salvador, em várias Câmaras de municípios baianos, na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal. Desde 2010 exerço mandato de deputado federal, oriundo da tradição política construída pela DS na Bania. Desde então renovamos a orientação, e o funcionamento da experiência política dos nossos mandatos populares participativos, na forma do “Mandato Coletivo Na Luta da Gente”.

Nosso mandato funciona através de quatro instâncias. A Plenária, com caráter deliberativo estratégico ou, para orientação de votações parlamentes muito polêmicas, que se reúne ao menos uma vez por ano. O Seminário, cujo objetivo é aprofundar debates estratégicos. O Conselho Político, constituído por dirigentes políticos representantes dos segmentos sociais organizados, dos territórios em que há implantação do nosso trabalho político, de vereadoras e vereadores, prefeitas e prefeitos, que constroem o mandato, que se reúne semestralmente. O Grupo de Trabalho do Conselho Político (GT-Conselho Político) que conduz a coordenação política do mandato, e se reúne no mínimo bimestralmente, em momentos de agudeza política, até diariamente.

Vale ressaltar que entre seus dirigentes há ativistas sem filiação partidária, petistas independentes, integrantes de outras tendências do PT, e uma maioria numérica e política de um mandato construído por ativistas que constroem a DS. Finalmente, os Coletivos Setoriais (CS) que debatem, formulam e articulam nossa intervenção setorial (educação, saúde, agricultura familiar, cooperativismo; antirracismo).

Nosso balanço é de acerto estratégico, e operacional, da construção do mandato coletivo. E, do desafio de construirmos experiências articuladas de democracia direta entre os governos populares e os legislativos.

Afonso Florence é professor, deputado federal (PT/BA) e líder da oposição no Congresso Nacional.

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