*José Roberto Castro e Nivaldo Souza (Nexo Jornal) |
A Câmara dos Deputados negou, na quarta-feira (2), autorização para o Supremo Tribunal Federal avaliar a denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva. A acusação da Procuradoria-Geral da República contra o presidente precisava do aval de 342 deputados para seguir adiante, mas recebeu apenas 227 e foi arquivada. O governo trabalhou nos bastidores pelos votos necessários. Nos últimos dias, intensificou as negociações com a base aliada. Exonerado do cargo de ministro da Secretaria de Governo para ampliar o número de votos, o deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA) circulou pelo plenário distribuindo promessas de dinheiro para emendas de parlamentares horas antes da votação decisiva. Temer negociou apoios pessoalmente nos últimos dias. Ele fez corpo a corpo em almoços e jantares, editou uma medida provisória para fidelizar a bancada ruralista, ligou para deputados e recebeu governadores em seu gabinete.
O placar e o futuro do governo
Os números da votação são um indicativo da força ou da dificuldade do governo daqui para frente. Pelo menos mais uma denúncia deve ser oferecida contra Temer pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fruto da delação premiada dos donos da JBS. Janot não mencionou na primeira denúncia a suspeita de que Temer teria agido para comprar o silêncio do aliado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara preso e condenado por corrupção. Além da nova denúncia, Temer tem como principal desafio a aprovação da reforma da Previdência. Os 263 votos que o governo conseguiu no arquivamento da denúncia, por exemplo, não são suficientes para aprovar as mudanças nas aposentadorias na Câmara. Uma Proposta de Emenda à Constituição, como é o caso da reforma da Previdência, precisa de 308 votos entre os deputados e 49 entre os senadores. Sobre o futuro da relação do governo com o Legislativo, o Nexo conversou com dois cientistas políticos.
Carlos Pereira, professor da FGV-EBAPE (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas)
William Nozaki, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP).
O que o resultado diz sobre a força política de Temer?
CARLOS PEREIRA O governo mostrou vigor. Um presidente impopular, que está com uma agenda que impõe perdas a setores da sociedade, conseguiu barrar uma denúncia bem formulada pela Procuradoria-Geral da República, com mala de dinheiro e gravação do presidente. Isso, sem dúvida, mostra que o Legislativo deu suporte. Isso se deve, fundamentalmente, à sua capacidade de gerenciar a coalizão. A coalizão é um espelho do que a maioria do Congresso deseja e o resultado mostra que ela não quebrou. Mas o número ficou abaixo [do esperado]. Uma razão possível é que o governo fez maioria muito cedo, aí parlamentares com base eleitoral mais sensível a demandas de combate à corrupção se sentiram mais livres, a maioria já estava formada. Votou sincero porque não precisava votar estratégico. Agora a chance de o governo continuar sobrevivendo é perseguir a agenda de reformas, é ela que cria laços com a coalizão que o apoia. Não só no Congresso: empresários, banqueiros, setores da sociedade e da mídia se mantêm com o apoio a essa agenda.
WILLAM NOZAKI A votação que impediu o avanço do julgamento de Michel Temer consolida a marca da impunidade em um governo já caracterizado pela ilegitimidade e a impopularidade. O presidente governa de costas para a população e de cócoras para o Congresso. Diante da votação de hoje, o que se revela é uma dinâmica política caracterizada cada vez mais por um equilíbrio instável entre Executivo e Legislativo. O Executivo pratica suborno com recursos e cargos, nomeando isso de negociação política. Enquanto o Legislativo chantageia o governo com pedidos e exigências, chamando isso de apoio parlamentar. Por trás da vitória aparente, portanto, o que se explicita é um governo refém do Parlamento.
O que esperar da relação entre Temer e o Congresso agora?
CARLOS PEREIRA Quanto mais o presidente mostrar vulnerabilidade externa, maior será o poder de barganha dos partidos. Denúncia de corrupção e popularidade baixa encarecem o apoio. Por outro lado, ele mostrou vigor e ganhou o jogo, um jogo que é dinâmico. Mas que eu não acredito que vá alterar muito. Se não acontecerem os imponderáveis, as chances de governar até o final do mandato com essa agenda de reformas é enorme. Se a economia melhorar, não me surpreenderei se o PMDB tiver candidato à Presidência.
WILLIAM NOZAKI Nos próximos meses, é muito provável que o governo tenha que ceder a mais barganhas dos que votaram com Temer. Isso deve gerar ainda mais ônus para os cofres públicos, dificultando a saída da crise econômica. Além disso, o governo sofrerá mais reveses, sobretudo, entre a parcela da atual base aliada que votou contra Temer, o que deve prolongar a instabilidade política. É possível que haja algumas mudanças ministeriais a fim de se conformar esse novo cenário de correlação de forças políticas. Ou o governo tentará algum nível de renegociação com o PSDB em torno da agenda das reformas ou buscará conformar um “novo centro” com os partidos menores, vitaminando ainda mais interesses personalistas e paroquiais.
Como fica o governo com o PSDB, principal fiador político de Temer que votou rachado na denúncia?
CARLOS PEREIRA Temer se fragilizará muito em ficar sem o PSDB, mas não acredito que isso acontecerá no curto prazo. Existe um grupo forte que quer a permanência, outro que acha que é hora de se distanciar. Ainda é cedo para dizer quem vai ser capaz de ganhar a disputa. Mas para a aprovação das reformas, a situação é melhor para o governo [em relação ao PSDB]. As reformas estão no âmago do que o PSDB acredita e defende.
WILLIAM NOZAKI Nas próximas semanas, as movimentações do PSDB devem ser observadas com atenção. Os rachas da bancada do partido no processo de votação sinalizam mais turbulências no horizonte. O PMDB e o PSDB parecem viver papéis trocados diante daquilo com que estavam acostumados tradicionalmente. O PMDB tem dificuldade de implementar um projeto eficiente de Estado mínimo, pois depende do fisiologismo da máquina pública. O PSDB tem dificuldade de se comportar apenas como fiador da base governista diante das suas pretensões eleitorais. Com isso, a relação de desconfiança entre ambos é e será permanente. Devido ao impacto do “efeito Joesley” sobre o senador Aécio Neves (MG), o pêndulo tucano parece fortalecer a linha tática de Geraldo Alckmin (SP), com um afastamento relativo e paulatino entre PSDB e PMDB. Evidentemente, os próximos passos da Operação Lava Jato e novas delações podem alterar o cenário.
Publicado em Nexo Jornal
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