Nos dias 6 e 7 de maio último, aconteceu em Beijin a Conferência “Rural Vitalization: Comparative Analysis of Rural Development Policies in Different Countries”, com a participação de autoridades governamentais e acadêmicas da China, Holanda, Inglaterra, Bélgica, Itália, Coreia do Sul, França, Japão e Brasil. A Conferência, sediada e organizada pelo College of Humannities Studies – China Agricultural University, teve como objetivo compartilhar conhecimentos sobre desenvolvimento rural para auxiliar o governo chinês a desenvolver o seu principal desafio na atualidade, qual seja, colocar em marcha uma Estratégia de Vitalização do Rural.
Para compreendermos a importância desta Conferência é bom termos em mente outros eventos oficiais que a antecederam:
1) Em 18/10/2017, no 19º Congresso do Partido Comunista Chinês, a Estratégia de Vitalização do Rural foi anunciada pela primeira vez;
2) Em 28-29/12/2017, o presidente Xi Jinpingi , durante a “Annual Meeting for Rural Affairs”, enfatizou a importância da nova Estratégia de Vitalização Rural;
3) Em 02/01/2018, é publicado “The Nº 1 Policy Doc 2018 – Opinions for the Implementation of Rural Vitalization Strategy”;
4) Em 20/09/2018, o Comitê Central para o Aprofundamento da Reforma avaliou o documento “ Opinions for Promoting the Organic Involvement of Peasants in Modern Agriculture” e o oficializou em 21/02/2019;
5) Em 26/09/2018 foi lançado oficialmente o “The Strategic Plan for Rural Vitalization”.
Mas o que é esta Estratégia de Vitalização do Rural na China? Em síntese, trata-se de um conjunto de políticas a serem desenvolvidas pelo governo chinês, até 2050, com vistas a qualificar as condições de vida no meio rural, manter as famílias no campo e, por fim, aumentar significativamente a produtividade e a produção de alimentos, de forma a garantir segurança alimentar e nutricional para toda a população. Tudo isso deverá ser perseguido com massivos investimentos em infraestrutura e tendo como princípios a valorização da agricultura familiar e camponesa, a produção diversificada de alimentos em bases agroecológicas e a preservação do meio ambiente.
O Brasil esteve representado na Conferência pelo professor Sérgio Schneider, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pós-doc em Sociologia Rural, e por mim, na condição de ex-ministro do Desenvolvimento Agrário (2006-2010), durante os dois governos do ex-presidente Lula.
Por certo é um exagero afirmar que a experiência brasileira de valorização da Agricultura Familiar e Camponesa desenvolvida durante os governos do PT serve de modelo para a China, mas é absolutamente verdadeiro o fato de que as políticas que foram desenvolvidas aqui, pelos resultados obtidos, se constituem em referência importante e atual para quem pensa e atua no campo do Desenvolvimento Rural em todo o mundo.
Quais as perguntas que tivemos que responder? A primeira delas: como foi possível, em oito anos, fazer que a renda média dos agricultores familiares crescesse quase três vezes mais (33%) do que a renda média da população brasileira (13%)? Mais perguntas: Quais as políticas desenvolvidas foram mais importantes para que a taxa de pobreza rural no Brasil, em oito anos caísse de 52% para 33%? Quais iniciativas foram fundamentais para que a taxa de segurança alimentar no Brasil crescesse de 56,5% para 64,9% durante os dois governos Lula? Como foram desenvolvidas as linhas especiais de crédito (Pronaf) para mulheres, jovens, pescadores, extrativistas, agroindustriais, cooperativas? Como funcionava o Seguro Agrícola de Clima e de Preços e qual era a fonte de recursos para seu financiamento? Qual o impacto do Programa Mais Alimentos na produção da Agricultura Familiar, na medida em que em apenas dois anos mais de quarenta mil tratores foram adquiridos pelos agricultores? Quais os impactos do Programa Territórios da Cidadania na qualidade de vida no meio rural? Como funcionaram os Programas de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar?
Muitas outras questões foram levantadas e é impressionante constatar como a experiência brasileira segue sendo uma referência mundial. Prova disso é que a sessão de abertura da Conferência teve como únicos participantes o atual vice-ministro da Agricultura da China, Chengjie Yin, e o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário do Brasil.
O que nem os chineses nem os maiores especialistas mundiais em Desenvolvimento Rural conseguem compreender é como toda essa muito bem sucedida experiência brasileira foi destruída tão rapidamente pelos governos de Temer e Bolsonaro. É praticamente impossível fazê-los compreender que a primeira medida de Temer depois do golpe foi, já no seu primeiro dia de governo, extinguir o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
A China é a segunda economia do mundo e não pára de crescer. Lá não existe propriedade privada da terra e a maioria da população ainda vive no meio rural. Impera o minifúndio e a agricultura familiar e camponesa. O governo chinês olha para frente, planeja o futuro e percebe que as duas principais agendas neste início do século 21, quando se trata desenvolvimento rural, são segurança alimentar e nutricional e preservação do meio ambiente. Por isso querem maior vitalidade para o meio rural. Escolheram para o futuro construir um meio rural com gente, sem latifúndio, povoado por milhões (bilhões?) de famílias que, ao longo dos séculos, vêm produzindo e transmitindo conhecimentos, experiências e uma extraordinária capacidade de produzir alimentos. Evitam a utilização de agrotóxicos e caminham na direção da produção orgânica. Olham para o nosso passado recente e dele tiram importantes lições para construir um meio rural com maior vitalidade, qualidade de vida e produção. E enquanto isso acontece lá, na segunda maior economia do mundo, aqui o governo faz o país caminhar em sentido contrário: o latifúndio e a monocultura avançam, cresce a utilização indiscriminada de agrotóxicos e minguam as políticas de valorização da agricultura familiar. Com toda a razão, quando se trata de pensar o desenvolvimento rural, os chineses olham com interesse para o passado recente do Brasil e evitam comentar o nosso triste presente.
Guilherme Cassel foi ministro do Desenvolvimento Agrário (2006-2010), durante os dois governos do ex-presidente Lula.
Originalmente publicado em Fundação Perseu Abramo.
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