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Dilma concede entrevista à revista Veja

197771A revista Veja desta semana traz uma longa entrevista com a presidenta Dilma Roussef. Boa parte das dez páginas que a entrevista ocupa na revista é dedicada a um extenso texto introdutório, onde Veja deixa bem claro seu caráter oposicionista ao afirmar, por exemplo, que “a maior parte das atividades do governo brasileiro hoje em dia poderia ser descrita como ficção”. Para a revista o país vive um verdadeiro caos e o Palácio do Planalto está atolado em uma crise política sem precedentes com a base aliada.

A revista deixa bem clara também sua posição contra a autonomia do Brasil em relação aos países ricos. Veja parece ter saudade da época que o país se curvava às ordens vindas do norte. Nas perguntas feitas a presidenta a revista não esconde suas críticas às medidas econômicas que o governo tem tomado para contrabalancear o “tsunami de liquidez” (palavras de Dilma) vindo dos países ricos. Um dos entrevistados chega a fazer inclusive a seguinte pergunta: “Mas atrair dinheiro de fora não é bom em qualquer circunstância?”

Reproduzimos abaixo a íntegra da entrevista.


Pôr a culpa das reais distorções do Bra­sil em pressões produzidas no exterior não é uma maneira de fugir dos proble­mas?

Primeiro, não é verdade que este­jamos agindo dessa maneira. É uma simplificação grosseira supor que o governo brasileiro considere as pres­sões externas a única causa de nossos problemas. Segundo, ignorar que exis­tem fortes externalidades agindo sobre a economia brasileira é um erro que não podemos cometer, sob pena de ar­riscar a prosperidade nacional, a saúde de nossa base industrial e os empregos de milhões de brasileiros. Terceiro, os fatores exógenos são reais e não po­dem ser subestimados.

A senhora se refere ao que chegou a ser chamado de “guerra cambial”?

Não acho adequado ver o fenômeno do tsunami de liquidez que foi criado pelos países ricos em crise como uma agressão pro­posital às demais nações. Mas a saída que eles encontraram para enfrentar seus problemas é uma maneira clássica, conhecida, de exportar a crise, Quando o companheiro Mario Draghi (econo­mista italiano presidente do Banco Central Europeu) diz “vamos botar a maquininha que faz dinheiro para ro­dar”, ele está inundando os mercados com dinheiro. E o que fazem os investi­dores? Ora, eles tomam empréstimos a juros baixíssimos – em alguns casos até negativos – nos países europeus e correm para o Brasil para aproveitar o que os especialistas chamam de arbitragem, que, grosso modo, é a diferença entre as taxas de juros praticadas lá e aqui. Eles ganham à nossa custa. Então, o Brasil não pode ficar paralisado diante disso. Temos de agir. Temos de agir nos defendendo — o que é algo bastante di­ferente de protecionismo.

Quais as diferenças entre se defender e recorrer ao protecionismo?

O protecio­nismo é uma maneira permanente de ver o mundo exterior como hostil, o que leva ao fechamento da economia. Isso não faremos. Já foi tentado no passado, no Brasil, com conseqüências desastro­sas para o nosso desenvolvimento. Cito aqui o caso da reserva de mercado para computadores, que, nos anos 80, atra­sou a modernização do parque indus­tria brasileiro e nos privou de tecnolo­gias essenciais. Não vamos repetir esse erro. Não vamos fechar o país. Ao con­trário, queremos investimentos estran­geiros produtivos. Mas vamos, sim, de­fender as nossas empresas, os nossos empregos. O que estamos fazendo – e vamos continuar fazendo – é contraba­lançar com medidas defensivas as pres­sões desestabilizadoras externas que estão carregando para o Brasil quantida­des excessivas de capital especulativo. Quando o panorama externo mudar pa­ra melhor, nós saberemos que chegou a hora de revogar as barreiras momentâ­neas que foram criadas.

Mas atrair dinheiro de fora não é bom em qualquer circunstância?

Não. O Brasil está em uma situação agora em que po­demos dizer aos países ricos que não queremos o dinheiro deles. Não quere­mos pagar os juros de 13% por emprés­timos que eles nos oferecem. Obrigada, mas não queremos pagar as exorbitan­tes taxas de permanência desses em­préstimos, quantia que eles cobram mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos estejam disponíveis a qualquer momento. Eu disse isso com toda clareza à chance­ler Angela Merkel durante minha visita à Alemanha. Aqui se noticiou que eu estava querendo dar lições à Alemanha. Não foi nada disso. Eu quis deixar claro que o Brasil não quer mais ser visto co­mo destinação de capital especulativo ou apenas como mercado consumidor dos produtos que eles exportam. Tam­bém, deixei bem claro que, quando o Banco Central Europeu joga de repente 1 trilhão de euros no mercado, ele não pode esperar que os países fiquem de braços cruzados enquanto parte desses recursos vem somente passear no Brasil e voltar mais gordo para a Europa, sem ter deixado aqui nenhum benefício.

Como Angela Merkel reagiu?

Ela disse que entendia meu ponto de vista perfei­tamente, mas que os países emergentes não podiam esquecer que nós temos responsabilidades globais como consumidores ávidos e, portanto, como parte da solução das economias estagnadas da Europa. Eu, então, respondi que nós devemos ser parceiros no ataque aos problemas globais, mas que nossa cola­boração não podia ser mais apenas co­mo mercados consumidores e foco de atração de capitais especulativos. Disse a ela que o Brasil quer muito atrair em­presas alemãs de tecnologia de ponta. Disse que essas empresas são bem-vin­das ao Brasil e, uma vez instaladas aqui, com transferência de tecnologia e cria­ção de empregos, serão tratadas como empresas nacionais, com acesso ao cré­dito e outras facilidades concedidas às empresas nacionais. As pessoas preci­sam entender que o Brasil não está re­correndo ao protecionismo, nem arreganhando os dentes para quem quer que seja. Não é disso que se trata.

Ainda assim, tem muita coisa errada no Brasil que precisa ser consertada e inde­pende do que vem de fora…

Sem dúvida. Hoje mesmo (quinta-feira passada, 22) eu me reuni com alguns dos maiores empresários brasileiros e tivemos uma troca franca de idéias sobre como atacar nossas distorções mais paralisantes. Eu disse a eles que nossa maior defesa é aumentar a taxa de investimento privado. Eles reclamaram que os impostos cobra­dos no Brasil inviabilizam as melhores iniciativas e impedem que eles possam competir em igualdade de condições no mundo. Eu concordo. Temos de baixar nossa carga de impostos. E vamos bai­xá-la. Vamos nos defender atacando — ou seja, exportando e ganhando merca­dos. Para isso, temos de aumentar nossa taxa de investimento real para pelo me­nos 24%. O governo vai investir e gerar o ambiente de negócios para que isso ocorra. Os empresários terão de fazer a parte deles, aproveitar as oportunidades, assumir riscos e deixar aflorar aquilo que o Keynes chama de “instinto ani­mal” da livre iniciativa.

Como diria o Garrincha, é preciso combi­nar com os russos — e os indianos, e os chineses. Eles já estão atacando os mer­cados bem antes do que o Brasil, a se­nhora concorda?

Sim. Mas a China está dando sinais evidentes de fadiga do modelo focado fortemente na exporta­ção. Tenho acompanhado os debates sobre a China e seus líderes não escondem que não podem mais negligen­ciar o mercado consumidor interno. Eles estão mudando seu foco acelera­damente para atender às demandas do mercado interno chinês. Isso significa que a China em breve vai importar mais do que commodities. Os chineses vão importar bens de consumo — ge­ladeiras, fogões, forno de micro-ondas — e a parte da indústria brasileira que via a China como ameaça poderá pas­sar a vê-la como oportunidade de mer­cado também para nossas exportações de manufaturados.

A senhora consumiu boa parte do pri­meiro ano de seu governo resolvendo crises provocadas por denúncias de cor­rupção. Agiu com presteza e demitiu quem estava comprometido. É difícil en­contrar auxiliares honestos?

A questão não deve ser colocada dessa forma. Os processos no governo é que precisam ser de tal forma claros e os resultados de avaliação tão lógicos que não sobre espaço para as fraquezas dos indiví­duos. Montesquieu ensinou que as ins­tituições é que devem ser virtuosas. Nenhuma pessoa que é chamada para o governo pode achar que haverá algum tipo de complacência. Nós temos de ser o mais avessos possível aos malfei­tos. Não vou transigir. É bom ficar cla­ro que isso não quer dizer que todos os ministros que deixaram o governo esti­vessem envolvidos com alguma irregu­laridade. Alguns pediram para sair pa­ra evitar a superexposição ou para se defender das acusações que sofreram.

Por que a senhora não gostou da expres­são “faxina ética”?

Parece preconceituoso. Se o presidente fosse um homem, vocês falariam em faxina? Isso é boba­gem. A questão não é essa palavra, a questão é que o governo tem uma obriga­ção de oferecer serviço público de quali­dade à população. E para isso é necessá­rio que os processos no governo sejam eficientes, meritocráticos e transparentes. Eu sempre mudei para tentar melhorar.

Essas mudanças, porém, agora estão ge­rando uma crise no Congresso…

Não há crise nenhuma. Perder ou ganhar vota­ções faz parte do processo democrático e deve ser respeitado. Crise existe quan­do se perde a legitimidade. Você não tem de ganhar todas. O Parlamento não pode ser visto assim. Em alguma cir­cunstância sempre vai emergir uma po­sição de consenso do Congresso que não necessariamente será o do Executi­vo. Isso faz parte do processo. A tensão é inerente ao presidencialismo de coali­zão com base partidária. No governo passado perdemos a votação da CPMF, e o céu não caiu sobre a nossa cabeça.

0 que a senhora achou do discurso do ex-presidente Fernando Collor alertando-a de que ele perdeu o cargo por falta de sus­tentação no Congresso?

Não li o discur­so. Mas vocês souberam do discurso do Miro? (Miro Teixeira, no dia seguinte ao discurso de Collor, recolocou a questão nos eixos lembrando que não existe comparação possível entre os governos Collor e Dilma.) O que é preciso ter em mente é que as grandes crises institucio­nais no Brasil ocorreram não por questiúnculas, pequenas discordâncias entre o Executivo e o Legislativo. As grandes crises institucionais se originaram da perda de legitimidade do governante.

Mas essas derrotas, coincidentemente, co­meçam quando o governo decide trocar suas lideranças no Congresso e rever sua relação com alguns aliados.

Não gosto desse negócio de toma lá dá cá. Não gosto e não vou deixar que isso aconte­ça no meu governo. Mas isso nada tem a ver com a troca dos líderes. Eles não saíram por essa razão. Devemos consi­derar que os parlamentares vivem um momento tenso, natural em um ano de eleições municipais. Mas repito: não há crise nenhuma.

É difícil suceder na Presidência a um po­lítico popular e amado como Lula?

Não. É facílimo para começo de conversa. Eu fui ministra da Casa Civil do gover­no Lula durante cinco anos e despacha­va com ele dezenas de vezes por dia. Aprendi muito. Alguns setores menos­prezam o Lula por causa de suas ori­gens, mas eu sou testemunha de que ele tem momentos de gênio na política e um carisma que nunca vi em outra pes­soa. Esse metalúrgico, que muita gente menospreza, mudou o Brasil e ajudou a criar uma nova ordem mundial com o G20, por exemplo, do qual ele foi o grande incentivador.

A senhora tem dificuldade em discordar do ex-presidente Lula?

Nem um pouco. Nós já divergimos muito no passado e conti­nuamos não concordando em algumas coisas. Eu tenho uma profunda admiração por ele. Uma profunda amizade nos une. Ele é uma pessoa divertidíssima com uma capacidade de afeto descomunal. Mas dis­cordamos, sim. Isso é normal. Mas, no que é essencial, nós sempre concordamos.

Em que momentos a senhora percebe que faz diferença ser uma mulher na Presidên­cia?

Quando eu acordo de manhã e me vejo no espelho. Estou brincando. Eu acho que a diferença mesmo eu vejo quando as mulheres simples desse Bra­sil param para conversar comigo, ace­nam para mim, em quem enxergam um símbolo de emergência e de ascensão. A cada dia eu me convenço de que o século XXI é o século das mulheres.

A senhora se dá o direito de ter uma opi­nião como mulher sobre determinado assunto, o aborto, por exemplo, e outra como presidente?

De maneira alguma. Ser presidente não me dá o direito de expressar opinião pessoal, particular ou subjetiva sobre qualquer tema. Aos 64 anos, tenho de ter a sabedoria de guardar essas opiniões para mim mesma.

O que a senhora descobriu como presiden­te que não sabia como ministra?

O povo se identifica com você. Vê em você uma igual na Presidência. E, por isso, o brasi­leiro se entrega, mostra como é caloroso. Ele te identifica na rua, grita seu nome, te abraça, te pega. Você sente que está fazendo aquilo de que ele precisa. Isso é maravilhoso!

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