JEFERSON MIOLA
“Fora Dilma e Lula”; “Impugnação ou intervenção militar”; “Impeachment já!”
Dizeres dos cartazes da malta reacionária reunida na Avenida Paulista, em SP, no sábado 1º/11, véspera do dia dos mortos, e apenas seis dias depois da eleição.
“O STF não pode se converter em uma corte bolivariana”
Gilmar Mendes, ministro do STF, em entrevista à FSP em 03/11.
“Ela [Dilma] não terá trégua da nossa parte.”
Aloysio Ferreira Nunes, vice de Aécio, no dia seguinte à derrota eleitoral.
A história ensina que governos progressistas – em qualquer parte do mundo – devem se precaver da colérica resistência conservadora. Sentimentos odiosos substituem o embate político racional e a argumentação programática. Reações racistas, segregacionistas e de preconceito contra os pobres corrompem o ideal de nação plural e democrática. E a intolerância se converte no método de conduta em relação aos diferentes e às diferenças.
Na oposição a governos de esquerda, a direita combina uma espécie de extremismo ideológico talibã com terrorismo midiático e econômico. O fundamentalismo é proporcional à percepção de ameaça aos privilégios e poderes da classe dominante, que não abdica inclusive de políticas totalitárias, se essas forem indispensáveis para derrubar governos que tentam promover mudanças distributivas e a igualdade social. A história é farta de exemplos.
Nos anos 1950, a oposição udenista levou Getúlio ao suicídio para sabotar o projeto nacional-desenvolvimentista. Na continuidade, em 1964 deram o golpe civil-militar para derrubar Jango e bloquear as reformas de base.
No hemisfério americano se observa a tendência desestabilizadora e golpista da direita inconformada frente a governos progressistas. Sempre com o apoio, financiamento e, não raramente, com a implicação direta da potência estrangeira do Norte. Em alguns casos, ao custo de genocídios e terrorismos de Estado, como na Argentina e Chile nos anos 1970 e em vários países centro-americanos na década de 1980.
A direita evoluiu e sofisticou seus métodos. O chamado “golpe institucional, no marco da Lei” [sic] é o codinome do neogolpismo no século 21. No neogolpismo, a brutalidade das armas dá lugar ao terror midiático e econômico e ao extremismo ideológico para desestabilizar governos eleitos democraticamente. As experiências nesse século foram os “golpes constitucionais” desfechados com êxito no Paraguai e Honduras; e tentados, porém, frustrados, na Venezuela, Bolívia e Equador.
No Brasil os interesses contrariados pelas urnas no 26 de outubro começam a se aglutinar em torno do objetivo estratégico de derrubar a Presidenta Dilma, antes mesmo dela tomar posse para exercer o segundo mandato. Adotam a tática da confrontação permanente, do combate “sem trégua” em todas as frentes: nas ruas e nas instituições.
Apenas dois dias depois da eleição, para deslegitimar o resultado eleitoral, o PSDB pediu auditoria da totalização dos votos baseando-se não em indícios materiais, mas “em comentários nas redes sociais” [sic]. Estimulado por iniciativas como essa, o reacionarismo sai às ruas para expressar inconformidade [e raiva] com a vitória de Dilma e clamar por um golpe militar!
O deputado Eduardo Cunha, do mesmo partido que o vice-presidente da República, articula com a oposição uma aliança para a presidência da Câmara tendo como plataforma: [ i] encarnar o “Fora PT!”, [ii] colocar os interesses do Legislativo acima dos interesses do Executivo, e [iii] prover à oposição, mesmo em minoria, “a proteção dos escudos do regimento interno e da Constituição” [UOL]. O impeachment é um dispositivo da minoria amparado nos “escudos do regimento interno e da Constituição”.
A eleição foi extremamente acirrada e politizada. Nela, o povo escolheu Dilma e decidiu aprofundar e radicalizar as mudanças que modernizam e humanizam o país. A direita, inconformada, não aceita a eleição da Dilma e se insurge contra as mudanças decididas pelo povo brasileiro. A reação às mudanças é indisfarçável. A direita não quer permitir o surgimento do novo; luta para manter intactas as velhas estruturas, o velho regime e suas instituições arcaicas.
O STF, por exemplo, ao invés de se sintonizar com os tempos atuais e liderar um projeto de reforma para modernizar o Poder Judiciário acabando com a vitaliciedade do mandato dos ministros e mudando a forma de nomeação para a Suprema Corte, agora retoma a esdrúxula proposta da emenda constitucional da “bengala”, que aumenta para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória. Pela Constituição atual, “cinco excelências” do STF se aposentam aos 70 anos pela compulsória até 2016, e seus substitutos serão indicados pela Presidenta Dilma, o que configuraria um risco do “STF se converter em uma corte bolivariana”, nas palavras do ministro tucano Gilmar Mendes [FSP].
A vitória da Dilma não foi somente eleitoral, com 3.459.963 votos de vantagem. Foi, sobretudo, uma vitória política e programática dos critérios, agendas e perspectivas da esquerda. Na eleição mais politizada dos últimos tempos, o povo brasileiro escolheu radicalizar as mudanças que modernizam o país. Por isso, é fácil compreender o novo padrão da luta política imposto pela direita brasileira, que reage colericamente diante de qualquer esforço distributivo de renda.
A cólera conservadora contra o governo Dilma é um subproduto do ódio e do preconceito contra os pobres. E é uma escolha insensata e perigosa, que pode provocar a ira legítima da maioria do povo brasileiro que tem ânsia de mudanças, direitos e liberdade, e que não ficará passivo ante as ameaças à supremacia da vontade popular.
Artigo publicado originalmente em Carta Maior.
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