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Drogas e Juventude: menos segurança pública e criminalização, mais saúde pública e promoção de direitos

Drogas e Juventude  menos segurança pública e criminalização, mais saúde pública e promoção de direitosPor Gabriel Medina *

O tema da juventude é recente na agenda pública do país, foi apenas nos anos 1990 que o Brasil começou a construir algumas experiências municipais e estaduais voltadas especificamente para essa questão. No âmbito do Governo Federal essa experiência ainda é mais recente, a Política Nacional de Juventude foi constituída em 2005, com a criação da Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude e o Projovem.

Embora haja avanços nas formulações e ações realizadas no âmbito das universidades, das ONG´s e do próprio Estado, o desconhecimento e o senso comum ainda predominam quando o tema em foco é a juventude. É bastante comum a associação do tema à adolescência, percepção mais consolidado por conta da constituição do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ainda que com algumas interfaces, principalmente no que tange a questão etária, a noção de juventude carrega sentidos bastante distintos e caminha para a construção de um arcabouço conceitual próprio.

A ideia de juventude compreende uma fase da vida que se estende dos 15 aos 29 anos, esse período não deve ser entendido apenas como um momento transitório da infância para a fase adulta ou como uma etapa que carrega comportamentos de risco. Trata-se de um momento específico marcado por muitas mudanças na formação e na trajetória dos indivíduos.

Nesse sentido, a juventude deve ser entendida como um período importante do desenvolvimento humano, um momento no qual se criam e compartilham experiências geracionais que, apesar de serem bastante diversas, conformam um conjunto comum de experiências cujas especificidades precisam ser reconhecidas. O reconhecimento desses “elementos em comum” é fundamental para a formulação de políticas públicas que sejam capazes de atender a esse grupo.

Na maior parte das vezes, o desconhecimento do tema e a construção conceitual equivocada da ideia de juventude – reduzida à concepção de grupo que promove e/ou está sujeito a risco social – contribuiu para que fossem construídas políticas equivocadas destinadas ao controle e à repressão do tempo livre dos jovens. É neste espaço que tem se constituído a política antidrogas no Brasil. Conjunturalmente, essa concepção foi realimentada pela campanha eleitoral de 2010, quando a maior parte dos partidos, a despeito das distintas colorações ideológicas, estabeleceu uma conexão direta e simplista entre crack e juventude.

Esta visão de Guerra às Drogas difundida por décadas pela ONU, e reproduzida à exaustão pelas políticas americanas, já mostrou sua total ineficácia. Nos últimos anos, o consumo de drogas aumentou, a capacidade de entorpecimento foi ampliada, os preços dos entorpecentes foram reduzidos e o combate empreendido contra as drogas ilícitas provocou o aumento da violência por todo o mundo. Todo esse processo tem impactado com vigor os jovens brasileiros.

O Brasil possui a 6ª pior posição no ranking de mortalidade de jovens no mundo, tendo como causas principais, em primeiro lugar, os homicídios e, em segundo lugar, os acidentes de carro. De certa maneira, esses dois fatores possuem forte ligação com o consumo de drogas. É evidente que parte desses homicídios está vinculada às iniciativas de promoção ou às tentativas de repressão ao tráfico de drogas, afetando em grande maioria os jovens negros das periferias do país; de modo análogo, é claro que parte dos acidentes de carro está associada ao consumo exagerado de bebidas alcoólicas, atingindo principalmente, ainda que não só, os jovens de classe média.

A concepção dominante sobre a relação entre drogas e juventude, sustentada em termos de combate, enfrentamento e extermínio precisa ser repensada com urgência e a Psicologia possui aparato teórico e prático capaz de ajudar, junto a outras áreas do saber, a dar respostas efetivas para essa questão. É preciso que mudemos o enfoque, compreendendo que a descriminalização das drogas é o ponto de partida para uma abordagem que trate o usuário não pela ótica da segurança pública, mas sim da saúde pública.

A criminalização do uso de drogas, além de não oferecer uma solução eficaz para o problema, pode contribuir indiretamente para a intensificação da criminalização da pobreza e pode justificar inadequadamente medidas de higienização social, processos que, em última análise, acabam patrocinando o aprisionamento de jovens negros e pobres. Vale destacar: a população carcerária brasileira é uma das maiores do mundo e é composta por cerca de 70% de jovens.

Ao trazer o tema para a saúde e não mais deixá-lo a cargo das forças policiais, o Estado deve fortalecer a rede de saúde mental baseando-se nos preceitos da Reforma Psiquiátrica, caso contrário, trocamos a cadeia por clínicas de internação, muitas vezes dirigidas por instituições religiosas que em nada colaboram para a promoção da reflexão do sujeito sobre o uso de drogas e a necessária promoção da autonomia e liberdade.

A política de drogas deve ser orientada pela concepção da redução de danos, estruturada pelas CAPS AD, pelos ambulatórios de saúde mental e internação quando necessária em hospitais gerais. Como um exemplo, é importante destacar que a luta necessária contra o crack, não pode servir como um mote para a desconstrução do legado da luta antimanicomial e da saúde mental. Novas estratégias podem ser incorporadas, como a experiência dos ambulatórios de rua e de equipes de redução de danos direcionadas para regiões como a cracolância.

É preciso combater as práticas do Estado que tem se sustentado na política do medo, através de ações como as políticas de internação compulsória de crianças e adolescentes. Ao transformar em política a abordagem violenta e compulsória contra famílias pobres, o Estado apenas demonstra sua ausência e ineficácia na promoção de direitos básicos, tais como aqueles garantidos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Além disso, é fundamental que as políticas antidrogas sejam pensadas no interior do quadro mais amplo das políticas para a juventude. Sendo assim, é importante considerar que as políticas públicas de juventude devem caminhar na perspectiva de ampliar as possibilidades de socialização e vivência dos jovens, rompendo com o modelo atual presente nas periferias, marcadas pela presença de bares como únicos espaços de encontro. Para isso é necessário desmercantilizar a vida social, com o a oferta de programas e equipamentos públicos, de cultura, esporte, lazer e inclusão digital, geridos por jovens e com estrutura necessária para o seu funcionamento.

O Estado precisa desenvolver políticas de mobilidade urbana, permitindo o acesso do jovem a sua cidade e constituindo novos programas de transporte público noturno, principalmente aos fins de semana, de modo a permitir a circulação dos jovens pela cidade de modo mais seguro, sem que tenham que se deslocar de carro e sobre o uso de bebidas alcóolicas.

Para que a política de drogas seja efetiva no campo da juventude, será necessária uma mudança profunda na maneira de entender o tema e de reconhecer suas especifidades, para isso a participação da juventude é essencial. A política de drogas não deve ser tratada como uma questão de segurança pública, é preciso ter clareza de que a criminalização dos usuários de droga é apenas mais uma manifestação da ineficiência de um Estado privatizado e da ineficácia de uma vida social marcada pela mercantilização. A política de drogas deve sim ser tratada como uma questão de saúde pública, conectada à uma atuação pública mais ampliada que dê conta de dialogar com as políticas públicas para a juventude e para a saúde. Afinal, a juventude deve ser compreendida como sujeito de direitos, capaz de incidir nas políticas públicas direcionadas a ela que devem ter como horizonte a promoção da emancipação e da autonomia.

 

* Gabriel Medina é psicólogo e Presidente do Conselho Nacional de Juventude

 

Referência Bibliográfica:

http://www.sangari.com/mapadaviolencia/

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