Há poucos dias, estive conversando com Miguel Rossetto, ex-ministro do Trabalho e da Previdência Social, sobre a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro e seu “super” ministro da economia, Paulo Guedes. Miguel Rossetto, de forma taxativa, me dizia: “essa reforma vai produzir enormes injustiças sociais porque vai criar uma classe de indigentes”.
O mesmo escutei do ex-governador, e também ex-ministro da Previdência, Jair Soares, em entrevista ao professor Juremir Machado da Silva e à jornalista Taline Oppitz, no programa diário Esfera Pública, da Rádio Guaíba – observem que ambos os citados são de partidos muito diferentes e com históricos políticos completamente diferentes. Em suma, Jair Soares afirmava que a proposta apresentada pelo governo acabava com a previdência pública e colocava os mais pobres diante de um futuro nebuloso, crítico.
Essas, são duas afirmações que preocupam quaisquer pessoas que sabem da histórica desigualdade socioeconômica do Brasil.
Vivemos em um país que, como canta Jorge Ben, até pode ser “abençoado por Deus e bonito por natureza”, no entanto, repleto de desigualdades. As condições de trabalho, nem de perto são parecidas. Enquanto, por um lado, existe uma categoria de trabalhadores executivos com bons salários e uma rotina diária de trabalho em ambientes climatizados, por outro, existe uma gama de trabalhadores que ocupam postos de trabalho precários onde mal podem ir ao banheiro. Além disso, existe uma multidão de trabalhadores na informalidade onde, sabemos bem, as condições são ainda piores, como, por exemplo, não ter sequer horário de início e fim das suas atividades, muito menos salário fixo e direito a férias, FGTS, décimo terceiro salário, etc. Também temos uma categoria de professores que chegam a exercer até 60 horas semanais em sala de aula (o equivalente a três turnos todos os dias da semana), mais os finais de semana de planejamento e correções de provas de inúmeras turmas em que cada uma tem mais de 30 alunos. Ainda existem as agricultoras e os agricultores que, em grande parte, começam a trabalhar muito cedo, debaixo de sol, no cabo da enxada. E mais um tanto de trabalhadores nas mais diversas funções buscando formas dignas de manter a si e suas famílias.
E então, o que essa reforma faz?
Inicialmente, desconsidera todas essas diferenças ao normatizar uma idade mínima para a aposentadoria. Quer dizer, a proposta do governo acaba com a aposentadoria por tempo de serviço (que hoje é de 35 anos de contribuição previdenciária) alterando a regra para um limite mínimo de idade. Sendo assim, só poderão ter acesso à aposentadoria as mulheres com mais de 62 anos e os homens com mais de 65 e que comprovem 20 anos ou mais de trabalho. Importante salientar: para ter acesso ao valor integral da aposentadoria, a pessoa precisa trabalhar exatos 40 anos.
A proposta também extingue as chamadas aposentadorias especiais para os professores. O que obrigaria uma professora ou professor a dar aula até os 62 e 65 anos, respectivamente.
Também prejudica a vida de quem vive da agricultura, pois será preciso trabalhar até muito tarde. E, sabemos bem, as condições de vida no campo são diferenciadas.
Além disso, o projeto altera as regras para a concessão de benefícios de pensão por morte do cônjuge. O governo propõe que o valor do benefício seja de 50% da aposentadoria do falecido, mais 10% por dependente. Quer dizer, uma viúva sem filhos receberá 60% da aposentadoria do seu companheiro. Se essa viúva tiver 1 filho, receberá 70% até chegar ao limite de 100%. E mais, a proposta priva a pessoa de acumular duas aposentadorias.
Mas ainda tem algo muito mais preocupante: a alteração dos valores do Benefício de Prestação Continuada – BPC. O BPC é a garantia constitucional de que o governo deva repassar o valor de 1 Salário Mínimo à pessoa com deficiência ou idosa que não tenha condições de subsistência. Ou seja, a Lei Orgânica da Assistência Social, em consonância com a Constituição Federal de 1988, garante que uma pessoa idosa ou com deficiência que não tenha condições econômicas de sobrevivência, receberá do Estado Brasileiro um benefício correspondente a 1 Salário Mínimo. A proposta do governo que está no Congresso Nacional é de que as pessoas com menos de 70 anos que recebam esse benefício passem a receber um valor de R$ 400, 00. E só a partir dos 70 anos é que esse valor seria corrigido para 1 Salário Mínimo.
Isso é muito grave tendo em vista os inúmeros idosos que deixariam de ser assistidos pelo Estado. A Política Nacional de Assistência Social – PNAS – buscou garantir dignidade a todas as pessoas. A ampliação dos programas e serviços ofertados nos CRAS e CREAS, como por exemplo a política de convivência e fortalecimento de vínculos para pessoa idosa, está intimamente ligada à política da seguridade social. E é exatamente essa política que está sendo desfeita com essa reforma da Previdência.
Aliás, se disséssemos que é o fim da Previdência Social pública, não estaríamos mentindo.
Para a compreensão desse argumento, é importante sabermos como funciona a política da seguridade social, afirmada na Constituição Federal de 1988, que está alicerçada no seguinte tripé: saúde, como direito de todos; previdência social, de forma contributiva e solidária; e assistência social, aos que dela necessitarem. Dessa forma, a própria política da seguridade social prevê a sua forma de manutenção econômica.
A arrecadação da previdência social é tripartite: empregador, trabalhador e contribuições sociais. A contribuição do trabalhador se dá direto na fonte (pode ser encontrada no holerite); as contribuições sociais compõem uma cesta de impostos e demais contribuições (cerca de 18% do valor total arrecado nos jogos da Mega Sena, por exemplo, vai para a seguridade social); e mais a contribuição do empregador. No entanto, como sabemos, a CPI da Previdência no Senado Federal apontou uma sonegação de R$ 450 bilhões por parte das grandes empresas (dentre as dez maiores devedoras estão a Varig, JBS e Associação Educacional Luterana do Brasil).
Além disso, o pagamento dos benefícios e aposentadorias se dá de forma solidária. Isto é, os atuais contribuintes pagam os atuais recebedores. No futuro, as próximas gerações pagarão a nossa aposentadoria e/ou benefícios da seguridade social, como o BPC.
Isso é importante compreender porque a proposta de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro prevê o fim da Previdência Social pública para a migração a um sistema de capitalização aos moldes do sistema chileno. Com esse sistema, os trabalhadores contribuirão para um Fundo de Pensão administrado por bancos privados. A aposentadoria deixará de ser solidária, sendo assim cada um contribuirá para si e o trabalhador só terá acesso ao valor contribuído após 40 anos. Aí vem duas perguntas importantes: quem garante que daqui 40 anos o banco administrador do Fundo não terá falido (no Chile, dos 22 bancos que administram os Fundos de Aposentadoria, 20 quebraram)? E se os bancos alegarem falência, o que acontecerá com o dinheiro depositado (no Chile, idosos têm cometido suicídio exatamente por não terem dinheiro para sobreviver)?
E mais, com a mudança de regime previdenciário, como se manterão as atuais aposentadorias, pensões e benefícios? Provavelmente, para não faltar dinheiro, o próprio aposentado, pensionista ou beneficiário terá que voltar a contribuir com o regime geral da previdência.
Ou seja, como vimos, não há como sustentar essa reforma proposta pelo governo. Ela, com toda certeza, aumentará e muito a desigualdade no Brasil, porque prejudicará, diretamente, os mais pobres, isto é, aqueles que precisam da seguridade social e do Estado Brasileiro para terem vida digna.
Paulo dos Santos é estudante do curso de bacharelado em Ciências Sociais pela UFRGS, militante da Democracia Socialista e ex-presidente do Conselho Municipal de Assistência Social de Sapucaia do Sul.
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