Notícias
Home / Conteúdos / Artigos / Eleições em Porto Alegre: Grande Desafio nesta Conjuntura | Raul Pont

Eleições em Porto Alegre: Grande Desafio nesta Conjuntura | Raul Pont

Encerrado o prazo das Convenções Partidárias, definiu-se o quadro das candidaturas à Prefeitura de Porto Alegre. São treze os candidatos e candidatas a governarem a capital nos próximos quatro anos. O alto número pode ser justificado pelo sistema de dois turnos eleitorais e a mudança mais recente da lei eleitoral proibindo as coligações proporcionais. Expressa também, a crise ideológica e programática de várias organizações partidárias no país.

O regime democrático pressupõe a existência de partidos políticos, ideológicos, programáticos e que organizam e representam vontades coletivas da sociedade. É isso que permite o sistema representativo aferir maiorias e minorias, a representação proporcional nos órgãos legislativos e com o instituto dos dois turnos garantir maior legitimidade ao eleito(a) para os cargos executivos que dependem do voto majoritário do eleitorado. Aos partidos cabem as funções clássicas de identidade programática de filiação, de seleção e indicação dos candidatos e, algo esquecido no Brasil, o controle dos eleitos. Ou seja, o partido é o responsável pela execução coerente do programa e dos compromissos com os eleitores, pela idoneidade e lisura ética dos eleitos perante a sociedade.

Quando olhamos para o quadro eleitoral definido neste momento, fica difícil encontrar correspondência com a visão teórica do regime democrático representativo. Este pressupõe uma certa lógica, uma aproximação da identidade programática para a ação comum, uma esperada coerência entre o discurso político e a prática realizada, um mínimo de pudor entre ser governo e ser oposição.

No bloco conservador/neoliberal que apoiou Bolsonaro em 2018 é evidente a perda de nitidez programática de origem e as alianças pragmáticas e sem princípio. Nas presidenciais de 2018,  os grandes partidos nacionais MDB e PSDB já haviam abandonado seus candidatos – Meirelles fez 1% dos votos e Alckmin 4,5% dos votos, no país – e aderiram de forma discreta ou escancarada ao bolsonarismo para aproveitar a onda da falsa moralidade e do autoritarismo messiânico.

Ao longo dos últimos dois anos esses partidos junto com o DEM, o PP e agora, o PTB de Roberto Jefferson, novo converso ao bolsonarismo, podem, às vezes, parecerem incomodados ou constrangidos pelo autoritarismo, pelo grotesco e pelas tropelias do capitão, mas aderiram completamente ao ultra neoliberalismo de Paulo Guedes, dos banqueiros e do agro-negócio.

Estão todos alinhados com o Estado mínimo, a liquidação dos direitos sociais de 88 e as conquistas civilizatórias das leis trabalhistas, da previdência social e da saúde e educação públicas. Fazem coro com as políticas de destruição do patamar industrial alcançado pelo país graças aos investimentos e financiamentos públicos, com o entreguismo e a absoluta perda de soberania nacional e vergonhosa submissão ao Império norte-americano. Com a Globo, o Bradesco e a Ford repetem diariamente o “agro é pop, o agro é tudo” nos conduzindo a uma primarização exportadora neo-colonial. Guedes e o rentismo financeiro são seus faróis no horizonte.

Se não, vejamos, Marchezan (PSDB) elegeu-se com o apoio do PP, que ainda se reivindica da Arena, do PDS, mas hoje é comandado pelo senador bolsonarista Heinze e apesar de ser social-democrata moderno (Covas, FHC, Serra) agora busca a reeleição aliado ao PSL e ao PL, expressões recentes do bolsonarismo e do fundamentalismo religioso e obscurantista. Abandonado pelo PP por disputas pessoais não programáticas, tem o quê a oferecer para Porto Alegre? Um governo que destruiu e desmantelou os serviços públicos de planejar e gerir a capital. Uma política de liquidação dos serviços básicos de educação e saúde em suas estruturas públicas. Um governo que transformou sua maioria na Câmara Municipal em bloco que quer seu impedimento por malversação dos recursos públicos em propaganda mentirosa.

No campo conservador neoliberal, a candidatura Melo (MDB) é a própria contradição em termos. Simulacro do projeto democrático e nacional-desenvolvimentista dos anos 70 e do papel desempenhado na luta contra a ditadura, o MDB é essa contradição ambulante que terá como vice o DEM do bolsonarista Onyx e do presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia, fervorosos adeptos de Paulo Guedes e sua política econômica de liquidação nacional. Se não bastasse, traz de contrapeso o PRTB do general Mourão, vice do Bolsonaro, e de seu próprio partido que fornece líderes na Câmara e no Senado ao presidente capitão.

Que projeto, que programa tem a oferecer à Porto Alegre esta candidatura, cujo partido ainda é base do tucano Leite na Assembléia gaúcha. Certamente, não será o programa recente de Sartori no Estado, com atrasos de pagamentos de salários e aumentos de impostos, ou a participação como vice prefeito de José Fortunati há poucos anos atrás que o habilitará a sair das amarras do neoliberalismo e do autoritarismo dos que o cercam nessa campanha. Nem poderá negar que as maldades maiores contra as leis trabalhistas, contra a Previdência e o corte dos gastos orçamentários nas áreas sociais foram de responsabilidade de seu chefe, o golpista vice presidente Temer com os votos do MDB no Congresso.

Ainda neste campo neoliberal temos mais candidatos não menos incógnitos do ponto de vista programático. Fortunati (PTB) depois de uma dança partidária tornou-se agora candidato pelo PTB dirigido por Roberto Jeferson, inventor e delator do mensalão, sob nova versão. Agora orienta e impõe regras no PTB para defesas e alianças apenas com o bolsonarismo de quem se transformou adepto e novo converso. Nada mais incongruente para o trabalhismo do que a cooptação por esse oposto histórico ao getulismo trabalhista dirigido por Paulo Guedes e o ex- capitão. Para confirmar, Fortunati terá o reforço “patriótico” do vice Cecchini, outro partido surgido na esteira bolsonarista.Neste campo político resta ainda Paim (PP) e Nagelstein (PSD). O primeiro, ex-grande eleitor e fiel escudeiro de Marchezan, se reivindica do Partido ideológico programático com raízes da Arena da ditadura militar e seu projeto estatizante de Grande Potência. Repaginado agora como popular e progressista, a coerência deste partido contenta-se em ser coadjuvante dos governos do MDB e do PSDB como ocorre hoje em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul. Inclusive fornece a liderança de Leite na Assembléia Legislativa.

Quais as diferenças programáticas com Marchezan? Certamente não foram na defesa da democracia participativa, na não-privatização e liquidação dos serviços públicos, na ausência de diálogo com os funcionários, com a população e a Câmara Municipal.

Nagelstein (PSD), ou simplesmente Valter como se apresenta agora, ainda não explicou porque se elegeu pelo MDB e o abandonou. Participante do bloco governista na Câmara Municipal buscou nova sigla apenas para garantir candidatura. Deixou como lembrança na Câmara, o individualismo, a prepotência na relação com os funcionários, sindicatos e movimentos sociais que demandavam no Legislativo municipal.

Nesse individualismo, oposto ao que deve ser uma candidatura que expresse programa e uma vida dedicada a uma concepção de mundo que, coletivamente, se quer construir, está também a candidatura de João Derly (Republicanos). De laureada experiência esportiva passou por vários partidos e governos, inclusive Secretaria de governo tucano de Eduardo Leite (PSDB), agora convertido ao reino de Deus. Por mais simpática que seja a sigla, “coisa pública”, não consegue esconder o fisiologismo de participar em vários governos de distintos matizes com a mesma desenvoltura. A mudança do nome não consegue esconder a submissão ao culto religioso, seus interesses particulares e a adesão entusiasmada ao bolsonarismo.

Ou seja, dessas candidaturas só pode sair mais do mesmo. Subjugadas ao neoliberalismo econômico só encontram saídas do tipo “o mercado resolve”. Nem o mercado, nem o individualismo mesquinho, nem a negação do Estado,  nem a quimera do empreendedorismo, nem a submissão ao Império são políticas capazes de responder aos interesses e necessidades dos mais de 210 milhões de brasileiros.

Para reconstruirmos e transformarmos o Brasil, que permita ao país enfrentar a crise sanitária e a profunda crise econômica, que pense o desenvolvimento e nossas metas macro econômicas delineadas pela racionalidade do planejamento e de uma concepção de sustentabilidade ambiental, temos que buscar as alternativas políticas no campo da oposição democrática-popular e do socialismo.

Recuperar em Porto Alegre a capacidade indutora e mobilizadora do Estado, a restauração da democracia participativa em seus espaços regionais e temáticos, a prioridade do gasto público definido democraticamente pela soberania popular, a garantia do acesso aos serviços públicos definidos na Constituição de 1988 nas áreas da saúde, da educação, da assistência social e da moradia são direitos somente alcançáveis pelas forças políticas da oposição popular.

Esse é o grande desafio da conjuntura eleitoral. Apesar das várias siglas, todo o campo conservador e neoliberal está subordinado à lógica do governo federal e à defesa do status quo perpassa os Estados e municípios. Apesar das várias siglas, todas estão comprometidas pelo modelo Guedes/bolsonarista e são incapazes de romper a dinâmica nacional e internacional vigentes. Compactuam com a liquidação do Estado, de suas empresas e de serviços públicos básicos para uma mudança radical de rumos. Submetem-se a inaceitável desigualdade social, à regressividade dos tributos, à negação de direitos sociais históricos e ao abandono de um projeto social de nação soberana.

No campo democrático-popular e socialista, onde estão organizados os setores sociais capazes de construir e defender um projeto de soberania nacional com democracia participativa e de desenvolvimento econômico com igualdade social, há também várias candidaturas que separadas correm o risco de perderem a oportunidade histórica de construção de uma alternativa forte e com potencialidade de mobilização e atração deste campo majoritário disperso.

Não basta nos contentarmos com o sistema de dois turno deixando que a ação  espontânea do eleitor resolva o problema.

Apesar do discurso pela unidade nas mobilizações por direitos trabalhistas, pela defesa da educação pública, pela democracia plena para todos, não conseguimos unificar todo o campo democrático-popular. Denunciamos e votamos contra o golpe que destituiu a presidenta Dilma e votamos juntos contra algumas medidas neoliberais. Mas estamos separados em Porto Alegre, cidade tão simbólica da luta anti neoliberal com o Fórum Social Mundial.

Estamos juntos em Florianópolis, parcialmente no Rio de Janeiro, em Manaus, em Recife, em São Luís, em Rio Branco, em Belém e em várias outras grandes cidades. Não há, portanto, uma objeção de princípio partidário programático ou ideológico. Há o desafio sempre crucial da política diante da situação concreta que deve nos mover por identidades estratégicas e não por divergências secundárias ou menores.

É compromisso dos partidos e frentes com maior inserção e bases sociais, no nosso caso, a unidade PcdoB/PT, a frente PDT/PSB e a chapa PSOL/UP/PCB, darem exemplo pela unidade, manterem o diálogo entre si e com o PV, o PCO e o PSTU para uma campanha fraterna para enfrentar inimigos comuns. Reforçarmos ações conjuntas na defesa dos trabalhadores, da autonomia da universidade, da soberania nacional, da busca permanente do diálogo e da unidade. Se não avançarmos mais, nada impede que façamos desde agora a defesa do apoio mútuo a quem de nós alcançar o segundo turno. Há muitos pontos de unidade programática, quem sabe isso nos permita sair deste processo eleitoral com mais confiança e coesão política para a construção de uma frente de esquerda permanente, orgânica e que ajude a livrar o país o mais cedo possível do bolsonarismo. É a grande expectativa que os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros esperam dos nossos partidos de esquerda nesta conjuntura histórica.

Raul Pont,  Professor universitário, Ex-Prefeito Porto Alegre.                                                                         

P.S. Após o término deste artigo, recebemos a notícia de mais uma vitória da Frente Ampla no Uruguai, vencendo as eleições na Capital Montevideo. Importante resultado no Cone Sul e reflexão para todos nós.

Publicação original:  www.sul21.com.br/opiniaopublica/2020/10/eleicoes-em-porto-alegre-2020-grande-desafio-nesta-conjuntura-por-raul-pont/                                               

  

   

  

                                                         

Veja também

Eleições no Estados Unidos e a crise de hegemonia | Nara Roberta da Silva

O retorno de Trump marca uma derrota histórica – não apenas para os democratas, mas …

Comente com o Facebook