Emergiu o mar

Pedro Tierra

Emergiu o mar que sonhei.

Um mar espantado
que lava com seu sal
o asfalto deserto das nossas aflições.

Desatou este setembro,
uma primavera pública,
irreprimível,
nutrida por canções antigas,

​​​​​talvez eternas,
grávidas de memória,
grávidas de futuro.

Uma primavera que nos bombardeia
com a explosão
dos ipês, acácias, sapucaias
e os olhos iluminados dos delirantes
que fomos, um dia…

Canções compostas num tempo sombrio

– um passado que se recusa a ser passado –
contra a ferocidade do ódio

que ora nos persegue, ora se anuncia.

Irrompeu um rio subterrâneo de canções
como espelhos d’água recônditos,
protegidos pela sombra da memória,
onde guardamos esse rosto moreno,
meio terra, meio sonho
que ao mundo demonstramos.

Canções que não nos abandonam:
nutrem acordes impossíveis
impressos nas cordas roucas da geração

que sustenta dentro de nós
essa vontade invencível de viver e de amar.

E nos devolve numa manhã de domingo,
o sutil veneno da esperança.

Brasília, primavera de 2025.

Pedro Tierra é Poeta. Militante da resistência à ditadura de ontem e ao neofascismo contemporâneo.

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