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Exumação de João Goulart: um passo importante para a verdade

1133797Da Carta Maior

Queriam eliminá-lo. Para a ditadura João Goulart era, devido a sua legitimidade democrática e a capacidade que tinha para somar opositores moderados e progressistas, uma ameaça realmente existente ao projeto de perpetuação no poder disfarçado pelos militares como uma “transição lenta e gradual à democracia”, segundo o marketing usual dos anos 70.

Ele queria voltar, sempre estava pensando em voltar, morreu com planos para o retorno e para como seria sua reinserção na política”, afirma João Vicente, o filho do ex-presidente falecido em uma estância da província argentina de Corrientes no dia 6 de dezembro de 1976, em circunstâncias confusas, o que alimenta suspeitas sobre um suposto envenenamento.

Essa interrogação começará a ser revelado a partir da próxima quarta-feira, quando seus restos serão exumados no estado do Rio Grande do Sul, na cidade de São Borja, a terra natal de Jango e seu criador, Getúlio Vargas.

Especialistas cubanos (em representação da família Goulart) que dirigiram a recuperação dos restos do Che Guevara na Bolívia nos anos 90, a Equipe Argentina de Antropologia Forense e representantes da Cruz Vermelha Internacional monitorarão o trabalho dos peritos da Polícia Federal no cemitério Jardim da Paz.

Como Jorge Rafael Videla e Augusto Pinochet, seus sócios na Operação Condor, o ditador Ernesto Geisel não consentia o “populismo” que imaginava encarnado em “Jango” Goulart, o mais notório dos líderes condenados ao desterro depois do golpe de março de 1964.

“Eles estavam decididos a fazer tudo, acho que até a eliminação física, para impedir o retorno de meu pai. Eles o viam como um risco à estabilidade de uma ditadura cada vez mais questionada internamente. Há papéis secretos, publicados pela imprensa há vários anos, ordenando a detenção imediata de meu pai se atravessasse a fronteira para ingressar no Brasil. Há pouco me fizeram chegar um documento de 1976, que tem a marca d´agua do Exército, onde se ordena que os serviços de inteligência reforcem sua perseguição na Argentina, ou seja: eles estavam permanentemente encima dele” afirma Goulart, entrevistado por Carta Maior.

“Um ex-agente de inteligência uruguaio que está preso há mais de 10 anos em Charqueadas (presídio de máxima segurança no Rio Grande do Sul), declarou diante da Polícia Federal que Jango foi envenenado, introduzindo comprimidos adulterados na medicina que tomava devido a um problema cardíaco e que isto se fez com o apoio da CIA, através de seu chefe em Montevideo em 1976, o agente Frederick Latrash e de Sergio Paranhos Fleury, o caçador de opositores e chefe do Dops (Direção de Ordem Política e Social). Além de sua autonomia, a verdade é que Fleury era um repressor subordinado a uma hierarquia da ditadura”.

“Acho que junto à figura de Geisel e também à possível influência de grupos ainda mais ultras na perseguição e morte de meu pai, também há uma responsabilidade alta da Operação Condor”, observa João Vicente.

E agrega: “Parece bastante claro que as ditaduras de Geisel e Videla atuaram em conluio para impedir a realização de uma autópsia como costuma suceder quando morre qualquer ex-presidente no exterior”.

Depois de repassar as circunstâncias que contornaram o falecimento de “Jango”, João Vicente desemboca em uma conclusão com forma de pergunta: “uma vez que temos todos estes indícios, por que teríamos de descartar a possibilidade de que, na verdade, ele foi vítima de um crime. Se é algo que até parece óbvio?”

“Lutamos durante anos para conseguir a exumação, no começo sozinhos, e consideramos que é um avanço importante o fato de que seja realizada com o respaldo da presidenta Dilma (Rousseff), a quem reconhecemos o apodo dado”.

“Depois de 37 anos de uma morte duvidosa, a exumação pode nos aproximar de uma parte da verdade, ainda que estejamos conscientes de que os exames podem fracassar. Para nós a exumação é um meio, não é um fim em si mesmo”.

“Sabemos que os crimes de estado – poderíamos dizer os envenenamentos de Estado – escondem tramas de poder que ocultam muito bem seus responsáveis por anos. Assim aconteceu com o ex-presidente chileno Eduardo Frei Montalva, que Pinochet mandou intoxicar há 3 décadas e agora, nestes dias, com a morte de Yasser Arafat. Nunca é fácil”.

De todas as formas, qualquer que seja o resultado dos laboratórios estrangeiros, onde serão analisadas as amostras tomadas do cadáver, a família Goulart não esmorecerá em sua demanda para que o caso seja tratado na justiça, e isto inclui a “nunca descartada apresentação diante dos estrados da Argentina”, diz João Vicente.

Ele repetiu sua demanda para que, ainda que seja a título indagatório, um agente judicial brasileiro possa viajar aos Estados Unidos para apresentar questionários aos ex-agentes da CIA Frederick Latrash e Michael Townley (ambos teriam estado juntos no Chile) e do próprio ex-secretário de Estado Henry Kissinger.

Está previsto que Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva e outros ex-presidentes democráticos recebam o féretro, nesta quinta-feira, com honras de Estado, na Base Aérea de Brasília.

Recuperar os restos do líder nacionalista que foi Goulart, cuja queda permitiu a ascensão do regime ao qual Washington confiou a tutela da região nos anos da Operação Condor, talvez seja a medida mais avançada implementada por um governo civil, o da ex-prisioneira Dilma, para superar a amnésia descomunal sob a qual o Brasil ainda se debate. Um gigante cuja transição continua inconclusa.

João Goulart e Juan Perón

“Um dia, estando em um hotel de Madri com meu pai, atendo o telefone e alguém me diz: ‘Quero falar com o Janguito, diga-lhe que sou o general Juan Perón’. Eu não podia acreditar, mas era verdade, Perón estava do outro lado da linha para convidá-lo para conversar em sua residência”, contou João Vicente.

O apelido de Janguito surgiu nos anos 50, quando o então jovem ministro do Trabalho Goulart viajava – as vezes incógnito – a Buenos Aires, levando mensagens de Getúlio Vargas para Perón.

Nos anos 70 a amizade recuperou brios no contexto do regresso de Perón ao seu país, onde foi eleito presidente pela terceira vez, e a possibilidade de que a Argentina se tornasse uma plataforma territorial e política de onde Goulart pudesse organizar sua volta ao Brasil.

Goulart era uma obsessão para os militares. Tanto que, um ano depois do golpe de 1964, os generais criaram o CIEX, um aparato de inteligência encravado na Chancelaria, com o qual seguiram Goulart por céu e terra, além de espionar outros opositores ao regime, especialmente na América do Sul.

O inspirador dessa estrutura clandestina a serviço da repressão internacional foi o diplomata Pio Correia, um suposto agente da CIA, que chegou a desempenar-se como embaixador no Uruguai e na Argentina, os dois países onde Goulart viveu seu exilio.

Um documento “secreto” do CIEX, obtido por Carta Maior, ilustra o seguimento ao que foi submetido Goulart, assim como o interesse da ditadura em conhecer detalhes sobre seus vínculos com Perón.

“A conversa (Perón-Goulart) girou em torno da situação brasileira e sobre as ideias de Juan Perón para a criação de um amplo movimento latino-americano de liberação cujo epicentro se localizaria na Argentina”, diz um memorando do CIEX datado em 1973.

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