Desde as eleições, Bolsonaro e sua coalizão ultraneoliberal e conservadora tinham como expressão política central das suas narrativas o esmagamento da esquerda, dos movimentos sociais e de qualquer espaço mínimo de construção e compartilhamento de pensamentos críticos.
A educação no Brasil sempre foi um espaço de disputa de hegemonia, que em sua dinâmica permite-se a construção de espaço de contradições, de incentivo ao questionamento e, a partir disso, de um processo de emancipação de sujeitos. O papel social – reafirmado pelo caráter público e de política de Estado – das universidades era o fundamento para que esse espaço tivesse essa expressão.
Bolsonaro e sua coalizão acharam, então, seu principal alvo de ataque político-ideológico e estrutural: as Universidades. A potência política de oposição, o papel social e o papel no desenvolvimento brasileiro das IFES é o que mais incomoda a agenda do governo. Elegem, assim, a Educação e, principalmente, o Ensino Superior Público como principais inimigos do projeto de País que pretendem tocar.
Ora, se querem construir um projeto de destruição econômica, de refundação do Estado aos moldes neoliberais e de aniquilação das resistências, a educação e universidades são centrais.
É por isso que, neste semestre, o Ministério da Educação de Bolsonaro apresentou para as Reitorias das Universidades Federais e, logo depois, para o conjunto da sociedade brasileira um projeto de reorganização das estruturas e dos programas de gestão das UFES de todo o País: o Future-se.
Partindo da falácia neoliberal esbravejada pelo governo de que o problema das Universidades brasileiras se dá no âmbito da gestão e não de recursos, o projeto é apresentado com o objetivo de reformular e “flexibilizar” as diretrizes das gestões das Universidades para incentivar a autonomia financeira das Universidades e Institutos Federais, principalmente a partir da parceria com o setor privado.
Depois da bagunça inicial de mais de 6 meses de governo sem nenhum planejamento de gestão para o MEC, o governo Bolsonaro agora apresenta para a sociedade brasileira um projeto profundo de destruição da educação pública superior no Brasil, desconstruindo radicalmente o papel social das universidades assim como as suas dinâmicas estruturais.
O objetivo que se desenha, em resumo, é acabar com o caráter público e o papel social das Universidades, além de construir um novo modelo de organização destas, dos sujeitos e corpos presentes nela. Será a grande cartada para, de uma vez por todas, construir o modelo privatista de Universidade e o modelo neoliberal de concepção de educação – de qual seu papel para a sociedade.
Tudo isso se desenha nos próprios eixos de objetivos colocados na apresentação do projeto feito pelo MEC.
O primeiro de todos se trata da tal busca pela “autonomia financeira” das Instituições federais de ensino superior (IFES). Com o título “gestão, governança e empreendedorismo”, o objetivo desse eixo do projeto tem centralidade no arrocho orçamentário, demissões em massa e, principalmente, parcerias com o setor privado, a partir da entrega da gestão de departamentos e setores centrais da universidade para as OSs (organizações sociais) e também da flexibilidade do patrimônio imobiliário – possibilitando cessão de uso para empresas privadas. Além disso, sem mencionar nada sobre qualidade do ensino, pesquisa e extensão, o eixo fala sobre a criação de rankings entre as gestões das Universidades Brasileiras, com premiações às reitorias que mais aplicarem bem o arrocho orçamentário, organizando com firmeza a concepção neoliberal e mercadológica nas Universidades.
Ainda nesse aspecto do financiamento, o projeto prevê a criação de um fundo para a aplicação do projeto nas IFES que uniria capital privado e investimento público. Esse fundo, segundo a proposta, teria um investimento do Estado Brasileiro de 50 bilhões, mas nem mesmo a explicação de onde sairá esse recurso o projeto dá conta de responder, já que não faz nenhuma menção sobre o fato de que grande parte das dificuldades orçamentárias na educação do país hoje se dá por conta da drástica EC 95 – de congelamento dos investimentos públicos em educação, saúde e seguridade social por 20 anos -, apoiada, na época de sua aprovação, pelos setores que compõem o governo Bolsonaro. Ainda, com os cortes de 30% anunciados não existem explicações reais do compromisso deste governo no investimento público. Pelo contrário, cortam cada vez mais.
Além de tudo isso, o projeto diz que a parte do capital privado do fundo – supostamente proveniente de empresas que investiriam em pesquisa e tecnologia – não iria diretamente para a Universidade, mas sim, para um comitê gestor do fundo (o MEC) que fará análises para organizar a distribuição orçamentária. Ou seja, mais uma medida de chantagem às gestões e de ameaça à autonomia universitária, onde só quem segue a risca a cartilha neoliberal e conservadora do MEC receberá recursos do fundo.
Nesse ponto é importante ressaltar também o que se tornará o ambiente da Universidade: não existirão limites sobre publicidades no ambiente universitário. Ora, a possibilidade de cessão e concessão de uso do patrimônio imobiliário das IFES transformará a universidade em quase shoppings centers, sem nenhum caráter público nos espaços.
O segundo eixo que o projeto traz é, falaciosamente, “pesquisa e inovação”, que nada têm concretamente de incentivo à pesquisa e tecnologia.
Antes de tudo, nesse ponto, é preciso ressaltar que as Universidades já possuem hoje parcerias pontuais com a iniciativa privada no desenvolvimento de pesquisas, além também de que já existe a relação de startups nas universidades, em sua maioria públicas. Apesar disso, esses recursos não chegam nem perto de serem suficientes para manutenção das universidades, pelo contrário, são recursos exclusivamente complementares.
É importante lembrar o quão falho é o debate de que recursos privados são suficientes para manutenção das IFES. Primeiro porque são poucas as empresas que investem em pesquisa nas universidades e, as que investem, são megas empresas com altas taxas de lucro. Segundo porque a extensão dos investimentos é pequena, ou seja, só investem de forma pesada em universidades de grandes centros. Não existem bons investimentos em IFES dos interiores e até mesmo capitais de menor porte, muito menos suficientes para manter a universidade.
Ainda nesse eixo do programa, é grave a inversão de lógica e papel social do conhecimento, ciência, pesquisa e tecnologia construídos nas IFES. É aqui uma das maiores ofensivas rasteiras do projeto: transformar as Universidades em terrenos da hegemonia de pensamento e sociabilidade neoliberal. Primeiro pelo fato de que esse eixo fixa a submissão da função social de tudo que é desenvolvido no ambiente acadêmico aos interesses privados. Ora, se para sobreviver a regra é angariar recursos de empresas para pesquisas, precisa-se dar resultados às mesmas a partir das pesquisas, ficando tudo sujeito ao que as empresas quiserem que seja produzido. É o produtivismo privatista do projeto neoliberal para a educação superior pública.
Segundo por, nesse sentido, o papel social fundamental das universidades ser esvaziado completamente: a expansão. O modelo de IFES que o projeto se inspira, como Havard – que tem cerca de apenas 6,9 mil estudantes na graduação -, tem outra lógica de funcionamento diferente do que prevê a constituição federal do Brasil para a educação superior pública no País – a de acesso Universal por meio da expansão, já que a prioridade é o produtivismo e quanto menor e mais “seletiva” for a Universidade melhor para o capital privado.
Terceiro, o projeto transformará professores em empreendedores, visto que possibilitará que registrem as patentes de forma individual, ganhando “royaltes” sob as pesquisas desenvolvidas. O conhecimento será completamente enviesado e o caráter social da ciência desenvolvida será transformado em formas de enriquecimento próprio. Na mesma medida que fazem isso, em conjunto com a destruição da reforma trabalhista, começarão regimes generalizados de contratação dos professores, diminuindo o papel do concurso público e desregulamentando o exercício da profissão e suas garantias. Além de tudo, estabelecem uma chuva de “alternativas de incentivo” – prêmios para pesquisas “mais inovadoras” e prêmios para publicações – que mais parecem a instauração de uma lógica competitiva para reforçar o produtivismo no conhecimento.
O future-se apresenta-se, então, como um projeto falho, fanfarrão e objetivamente organizado para uma profunda agenda neoliberal de medidas de rumo à privatização do Ensino Superior Público brasileiro. Suas diretrizes, mesmo confusas e pouco técnicas, são ameaças fatais a sobrevivência das Universidades e armas do governo Bolsonaro para destruir a área que ele escolheu como inimiga número 1: a educação.
Não é à toa que, somado a apresentação do future-se, os ataques são constantes à autonomia universitária e à gestão democrática das IFES. A nomeação de interventores – como na UFC, UFRB, UFTM, UFFS e UFVJM – estão crescendo cada vez mais sem nenhum pudor do governo e do MEC em mostrar seu autoritarismo.
Agora, perseguem mais fortemente a UNE e as entidades estudantis que demonstram capacidade real de organização das resistências e das indignações dos Estudantes e da juventude brasileira contra o projeto de destruição de Bolsonaro. Temos protagonizado as lutas mais fundamentais de enfrentamento nesta conjuntura e sabem disso.
Lutar pelo Direito a educação, nesse cenário, é lutar pela derrota deste governo que tem uma única agenda inegociável para a educação: a privatização. Para isso, é necessária a unidade do movimento estudantil e da esquerda brasileira em um plano de ações comuns construído por uma grande frente de esquerda.
É hora de construir e reforçar um estágio de permanentes mobilizações e seguir os trilhos potentes da história para derrotar de uma vez por todas o projeto neoliberal conservador no Brasil.
Guilherme Barbosa é 2º Diretor de Políticas Educacionais da UNE e membro titular do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE).
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