Isolado internacionalmente, na espiral de uma pandemia descontrolada por ausência de política sanitária, sem unidade interna e sem apoio de massas, a extrema-direita não consegue governar. Em contraposição ao rápido apodrecimento da extrema-direita, em nenhum outro momento desde 2016 a situação se apresenta tão aberta para uma ação hegemônica da esquerda como agora. O retorno de Lula à cena política e a possível unidade da esquerda com um programa antineoliberal compõem nosso objetivo político central a ser trabalhado.
A crise do governo se amplia
A renúncia da cúpula militar é mais um episódio — e talvez o mais significativo — da marcha da extrema-direita rumo à completa incapacidade de governar o país. O comando das forças armadas alinhou-se ao golpe em 2015/16 e defendeu Bolsonaro como alternativa. As análises críticas e as “memórias” do general Villas Boas evidenciaram que a tutela militar sobre o regime político foi uma conquista central da direita no golpe e teve imenso papel no processo eleitoral de 2018, forçando a exclusão de Lula e sendo fiadora da extrema-direita. A queda da cúpula militar agora expressa uma fissura muito importante e novas contradições entre as forças que integram o governo da extrema-direita.
Ainda não temos todas as informações que cercaram esse desfecho mas a hipótese que baseia o recente pedido de impeachment da oposição é a mais plausível, que estivesse em curso uma tentativa mais ampla de Bolsonaro centralizar politicamente as forças armadas para golpear novamente a democracia face ao risco de uma derrota que cresce dia a dia.
Outro aspectos aspectos a considerar são a queda do ministro das relações internacionais e um pouco antes do ministro da saúde. O primeiro provavelmente é um efeito a derrota de Trump e o impacto negativo a todos os governos e forças de extrema-direita no mundo. O segundo é revelador do profundo desgaste sobre Bolsonaro da escalada exponencial de mortes pela COVID 19, elemento que também foi central na derrota de Trump. Há que se notar ainda o aspecto de comissário de polícia da república velha que vai assumindo o ministério da justiça.
Ainda que ocorrida há mais tempo, a ruptura de Sergio Moro com Bolsonaro — depois de ter sido um dos elementos centrais da sua eleição — também deve ser registrada com uma das fissuras importantes no esquema de dominação da extrema-direita.
A soma de todos esses elementos revela um quadro crescente de fragilidade e, não esqueçamos, de ilegitimidade do governo da extrema-direita no seu momento mais decisivo, na ante-sala da disputa aberta do novo mandato presidencial.
Se na “superestrutura” institucional o quadro é esse, no chão da sociedade, a coisa vai de mal a pior. Todos os cenários de futuro próximo foram rebaixados, afastando a economia brasileira cada vez mais da dinâmica média do mercado mundial. As expectativas são de postergação de retomada econômica para 2022 ou até 2023. Com a massa de desempregados e subempregados ultrapassando a metade da força de trabalho, com a falência em larga escala dos pequenos negócios, com a política econômica ultraliberal do teto de gastos, independência do banco central, sucateamento do aparato de serviços públicos, com a fome e o desespero se espraiando, a sociedade brasileira vai se convertendo num caldeirão prestes a explodir.
O governo da extrema-direita e do capital financeiro — combinação específica do Brasil no contexto da grande crise desatada em 2008 e que prossegue — aprofunda enormemente sua crise.
O desafio da esquerda é torná-la uma crise terminal, produzir a alternativa da sua superação.
A volta de Lula
As decisões no âmbito do STF que virtualmente permitem a candidatura presidencial de Lula trouxeram um duplo e combinado impacto na dinâmica política do país e da esquerda.
Por um lado, ocorre no pior momento de uma crise cumulativa do governo da extrema-direita. A nova presença de Lula pode funcionar como catalisador político de uma alternativa crível e mobilizadora.
Ela também tem um impacto na esquerda e abre, ao que tudo indica, espaço para o diálogo de unidade com vistas a um novo governo para o Brasil. No campo parlamentar, a construção de uma liderança compartilhada da oposição é um avanço nessa direção.
Um passo necessário é a construção de um programa comum para enfrentar os extertores do governo da extrema-direita, os riscos de novos golpes à democracia e a reconstrução e transformação do país. Esse processo se visto em escala ampla, institucional e social, partidos e movimentos e militância, pode se constituir na alternativa democrática mais radical de enfrentamento da extrema-direita até agora. É o fora Bolsonaro na prática. Isso implica em um plano combinado de ação política das forças de esquerda dispostas a realizar o que é preciso e o que é possível de ser alcançado.
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