A prefeita eleita de Fortaleza fala das dificuldades e alegrias da campanha, das prioridades para o governo e de como pretende trazer a sociedade para participar da administração.
Fale um pouco sobre sua campanha.
A vitória no primeiro turno teve um fator preponderante: o povo de Fortaleza resolveu assumir a campanha. Escolhemos fazer uma aliança de esquerda com o PSB, que indicou o vice. Eu digo que a força propulsora da campanha foi o povo de Fortaleza, os setores de renda mais baixa, porque a classe média estava dividida entre a nossa candidatura e a do PCdoB.
Como no primeiro turno não tínhamos recursos nem apoio do Partido em nível nacional, apostamos na militância, que vibrava da mesma forma com 3% nas pesquisas ou quando fomos para o segundo turno.
Do ponto de vista do marketing eleitoral, escolhemos falar de amor. Aí me perguntavam se falar de amor não era despolitizar o debate. Eu respondia que não pode haver sentimento mais forte e capaz de ser mais revolucionário e transformador que o amor. Nosso slogan foi “Por Amor a Fortaleza”.
No segundo turno recebemos o apoio de sete partidos (PHS, PV, PPS, PRP, PCdoB, PCB e PDT), mas recusamos o de outros. De antemão, colocamos que não teríamos interesse no apoio de PMDB, PSDB e PL. Houve adesões individuais dentro desses partidos e nós não as recusamos.
Foi uma campanha difícil. Homofóbica, por exemplo, da parte da oposição, que dizia que eu defendia os direitos dos homossexuais, e com muitos panfletos apócrifos.
E o fato de você ser mulher? Também foi explorado pelos adversários?
Sempre. Me disseram que eu fui a única mulher eleita prefeita de capital pelo PT. Isso não é coincidência. Já existe dificuldade da participação da mulher em várias esferas da sociedade, a política é mais uma. Por outro lado, todos os outros 10 candidatos eram homens e fui eu, uma mulher, que se elegeu.
Que outros aspectos pesaram?
Também é importante dizer que o PT se reunificou. O presidente Lula me chamou para uma audiência para manifestar que, como militante, torcia pela minha vitória. Foi um gesto de grandeza política que outros dirigentes não tiveram. Acredito que tenha sido uma lição importante para o PT e para o País. Uma lição de acreditar no povo e combinar com a sociedade o que se decide na cúpula.
No primeiro turno, as camisas eram vendidas porque não tínhamos dinheiro. No segundo turno, recebemos os materiais do PT, mas optamos por não fazer mega-showmícios. Primeiro porque no primeiro turno eles foram todos para o candidato do PCdoB e depois porque consideramos despolitizador. A única coisa que nós tivemos durante toda a campanha foi uma banda cover do Legião Urbana. Da música Monte Castelo, que diz: Ainda que eu falasse a língua dos anjos / Ainda que eu falasse a língua dos homens / sem amor, eu nada seria, puxava o discurso do amor transformador, revolucionário e socialista.
Que outras lições o PT pode tirar desse processo?
Que se deve apostar na militância e numa forma de fazer política diferente da burguesia. Nossa eleição foi uma marca clara disso. Nós não tivemos militância paga, tudo foi feito por gente lutando por seus ideais, da maneira como o PT sempre soube fazer.
Você vê essa situação como oposição à valorização excessiva do marketing?
Objetivamente, o marketing e a publicidade não ganharam a eleição. Onde isso foi mais valorizado, não se ganhou a eleição. A sociedade tem uma capacidade de discernimento para além do marketing político. Ele é um suporte, instrumento de uma idéia, de um projeto. A política não é estética. Essa eleição foi importante para as pessoas não confiarem apenas no marketing.
Falando de governo, quais os mecanismos para a construção da democracia participativa?
Nós temos projeto de construir em todos os bairros organizações populares, que não são os conselhos institucionais temáticos. É a organização popular lá na ponta, onde a pessoa poderá discutir a prefeitura junto com a prefeita.
O Orçamento Participativo vai ser um princípio da administração. Mas a idéia é ampliar a democracia participativa para além do OP. É preciso radicalizar a democracia e isso está faltando para o PT em nível nacional.
A participação popular vai ser algo muito novo para Fortaleza. Hoje existe uma apartação da prefeitura com qualquer mecanismo de democracia participativa. Não é nem o novo, que eu não gosto dessa palavra, é o outro. É outra forma de fazer política.
Quais serão as prioridades?
Vamos apostar muito na a infância e na juventude. Cerca de 40% da população de Fortaleza é composta por pessoas até 18 anos. Esses setores precisam ser priorizados. Além disso, Fortaleza tem uma chaga terrível, que denunciei como vereadora e deputada, que é o turismo sexual. São questões para chamar a sociedade para debater.
Temos problemas graves, como em todo canto, na educação. Temos uma razoável universalização do ensino básico, mas isso não quer dizer que os alunos permaneçam na escola. O grande desafio é melhorar a qualidade da educação municipal.
Saúde. Fortaleza tem só 15,4% de implantação do programa saúde da família. Isso é um absurdo porque acontece uma superlotação dos postos de saúde e hospitais. A universalização do programa de saúde da família, inclusive com o atendimento à saúde bucal, é uma prioridade. Também a questão da habitação é importante. Nós temos 92 áreas de risco e 75 mil pessoas vivendo nesses locais. Todo ano morrem pessoas vítimas das chuvas.
Qual a linha de relação com o legislativo e de composição do governo?
Nossa luta é conseguir a maioria na Câmara Municipal sem fazer a mesma coisa que a direita: comprar voto, trocar voto por cargo e outros processos fisiologistas. Sei que não é fácil. Por isso queremos estabelecer um processo no qual a sociedade participe. Essa instituição tem que ter um outro tipo de relação com a prefeitura.
Fui vereadora e sei como esse parlamentar tem importância na vida do povo. É uma caixa de ressonância da sociedade. Mas não quero viver quatro anos administrando conflito com a Câmara.
Quantos vereadores a coligação elegeu?
O PT elegeu três e o PSB, um. A bancada de esquerda é muito pequena. No máximo, chega a 10 vereadores num total de 41 na Câmara. Daí, a necessidade de jogo de cintura sem abrir mão dos princípios.
Para a composição do governo, temos feito o seguinte: montamos uma equipe de transição, que teve indicações dos partidos. Mas primeiro definimos os critérios: capacidade técnica, compromisso político-partidário e disponibilidade de tempo integral. PT e PSB indicaram 13 nomes e os outros vieram dos partidos que nos apoiaram.
Paralelamente, montamos um conselho político-partidário e vamos avançar para o conselho político da gestão, que vai envolver os partidos, mas também setores da sociedade. Todas as forças sociais que traduzem a luta dos mais humildes e dos mais explorados estarão representadas na gestão. Isso existiu desde o meu primeiro mandato como vereadora e sempre foi muito importante. Não pode ser apenas o Partido que define os rumos da gestão.
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