As manifestações da direita, embaladas pela operação midiático-judicial da última semana e por um investimento político e financeiro estrondoso, superaram a explosão reacionária de março de 2015.
Por Bernardo Cotrim
Apesar da exaustiva narrativa de criminalização do PT, do governo Dilma e de Lula, a adesão de novos segmentos sociais não aconteceu. Permanecem envolvidos os mesmos setores, fortemente escorados na classe média, e que atingiram provavelmente o máximo da sua capacidade de mobilização.
Em várias capitais, houve apoio logístico de governos de direita aos atos – catraca livre no metrô de São Paulo, aumento da frota de ônibus em Maceió. Não me parece que o mesmo tratamento será dispensado aos manifestantes anti-golpe do dia 18 de março – tampouco me parece exagero imaginar que, caso governos de esquerda tomassem medidas semelhantes, seriam acusados de aparelhamento e a ação seria tratada como mais um escândalo.
A criminalização da política e o discurso anti-corrupção geraram efeitos negativos pra direita também. O PSDB, inclusive Aécio, e golpistas recém-convertidos como Marta Suplicy foram hostilizados na manifestação, em parte pela demora em aderir explicitamente ao golpe, em parte por também serem identificados com o “pântano da política”. Rejeitados pela base mais identificada com posições fascistas e pela indignação difusa, colheram um desgaste surpreendente.
Moro ocupa no atual momento o mesmo lugar no imaginário golpista que já foi de Joaquim Barbosa: o destemido justiceiro, alheio ao mundo político, em uma cruzada solitária em defesa da moralidade. Blindado pela mídia, incensado pela direita – até agora protegida da sua espada – sua alta popularidade representa um momento de desgaste da democracia e das instituições, uma combinação sempre perigosa.
A analogia escolhida pela imprensa – comparar as manifestações de hoje com as “Diretas Já” – é a cereja do bolo da farsa narrativa. Não só porque o tamanho de hoje, apesar de expressivo, não se iguala ao movimento das Diretas, mas principalmente porque a luta contra a ditadura e por eleições diretas, com forte participação popular, não pode nunca ser comparada ao processo autoritário de tentativa de derrubada de um governo legítima e democraticamente eleito, onde não há uma única acusação de conduta ilegal da presidenta Dilma.
Cabe ressaltar, como ponto mais dramático, que as manifestações de hoje foram precedidas de um aumento de ações violentas por parte da direita: se a bomba no Instituto Lula, as pichações em sedes do PT, os panfletos lançados no funeral do ex-presidente do PT José Eduardo Dutra e as cenas de hostilidade que atingiram até o compositor Chico Buarque já serviam de alerta, dessa vez, em menos de 24 horas, tivemos a invasão de uma plenária de petistas por policiais fortemente armados, a depredação da sede nacional do PCdoB e da subsede Campinas da CUT e a pichação e tentativa de invasão da sede da UNE, além das viaturas que viraram a noite na entrada das sedes da APEOESP e do SindBancários.
A distância com que as camadas populares observa a marcha reacionária está diretamente ligada à desconfiança com que encaram a direita política, derrotada em 4 eleições presidenciais seguidas, e ao espetáculo de ódio e defesa de retrocessos que preenchem os cartazes do carnaval verde e amarelo. Se essa base social do lulismo tem hoje suas relações com o governo apresentando sinais avançados de corrosão, graças ao crescimento galopante do desemprego e o encarecimento do custo de vida, permanecem sem perceber no demotucanismo a vocalização das suas demandas.
Reside aí uma questão-chave para o desenlace e superação da crise: a mudança da agenda do governo é fundamental para reatar os laços com a maioria da população. A adoção de políticas neoliberais, longe de amansar o mercado, não trouxe, até agora, a mínima estabilidade política para o governo. Seguem o boicote anti-investimento, a maioria parlamentar oposicionista, o cerco midiático. A retomada da governabilidade não acontecerá sem que o governo dialogue diretamente com os segmentos organizados da sociedade que ainda o sustentam e com propostas claras para reconstruir as pontes com a base da pirâmide social brasileira, responsável direta pelas 4 vitorias eleitorais consecutivas da coalizão liderada pelo PT.
Na contramão, o expressivo ato da esquerda realizado em Porto Alegre mostrou que existe uma ampla base social que quer disputar as ruas. Se o campo político em torno da Frente Brasil Popular conseguir ampliar o diálogo, construir uma agenda unitária com a Frente Povo Sem Medo e coordenar sem hesitação este processo, a militância não nos faltará.
Por último, as manifestações democráticas marcadas para o dia 18 adquiriram um peso ainda maior. Precisamos dar uma clara demonstração de força e organização, mobilizando amplos setores contra o golpe e furando o cerco de invisibilidade que a mídia nos dispensará. Temos tradição de luta, organização e capacidade política para ocuparmos as ruas e praças. E, como combustível, a defesa da democracia, da liberdade e da superação das desigualdades sociais. O desfecho deste capítulo da nossa história está em aberto, e cabe à resistência popular impedir que a direita o escreva. Vamos a luta!
*Bernardo Cotrim é secretário de formação política do PT-RJ e membro da coordenação nacional da DS.
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