Por Jeferson Miola
Gilmar Mendes tem tido uma trajetória política que é incompatível com a isenção e o equilíbrio requeridos de um juiz no Estado democrático de Direito.
No dia 16 de setembro passado, na retomada do julgamento da ADIN da OAB que proíbe o financiamento empresarial de eleições e partidos, o ministro do STF feriu o decoro do cargo. Ele deixou de lado a análise do mérito da questão e passou a atacar raivosamente o PT e acusar a OAB de participar duma “conspiração” [sic].
A OAB considerou “grosseira, arbitrária e incorreta” a postura dele que, além de acusar, abandonou a sessão para não ouvir o representante da Ordem dos Advogados rebater “os ataques grosseiros e gratuitos, desprovidos de qualquer prova, evidência ou base factual” que fez à entidade. Um gesto autoritário, de desapreço pela democracia. Para a OAB, uma “postura intolerante, símbolo de um Judiciário arcaico, que os ventos da democracia varreram”.
Na sexta-feira 18 de setembro o ministro fez novos ataques ao PT, acusando o Partido de instalar uma “cleptocracia” no Brasil.
Gilmar Mendes deixou de ser juiz para atuar como militante partidário: despiu-se da toga e vestiu a camiseta partidária – recordemo-nos que ele foi nomeado para a Suprema Corte do país pelo ex-presidente FHC, em 2002.
Ele tem uma trajetória política que é típica de agentes partidários, não de alguém que veste a toga do STF. A ordem democrática não pode ser abalada por servidores públicos que exorbitam do seu mandato e atribuição e comprometem a estabilidade institucional.
Com sua estridência e ativismo político, Gilmar Mendes ameaça a harmonia que deve reinar entre os Poderes da República, que são independentes entre si. Outro dia, como não conseguiu maioria numa decisão para atacar o governo, disparou que o STF corria “o risco de se converter numa corte bolivariana”.
Recentemente, atacou o chefe do Ministério Público Federal, acusando-o de produzir um parecer “ridículo e pueril” e de “atuar como advogado de Dilma”. O motivo do desatino: Rodrigo Janot disse que o judiciário não pode ser “protagonista exagerado do espetáculo da democracia, para os quais a Constituição trouxe, como atores principais, os candidatos e os eleitores”.
Gilmar Mendes está impedido de participar do julgamento da Lava Jato, porque já prejulgou publicamente a Operação. Mesmo sem conhecer os autos do processo, se posicionou sobre o mérito nos canais da mídia.
Pelo mesmo motivo, se incompatibilizou no julgamento das contas de campanha. No TSE, inclusive advoga uma tese estranha: as contribuições das empresas implicadas na Lava Jato, quando feitas para a campanha da Dilma, são propina; porém, quando destinadas à campanha do Aécio – mesmo que em quantias superiores –, são legais.
No artigo “Judicatura e dever do recato” publicado na FSP, o Presidente do STF, Ricardo Lewandowski, esclarece com clareza didática o que dispõe a Lei sobre o dever do magistrado. Nos parágrafos a seguir, repetimos alguns trechos desse brilhante artigo:
“O Código de Ética da Magistratura, consubstanciado na Resolução 60, de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, consigna, logo em seu artigo 1º, que os juízes devem portar-se com imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência e decoro. A incontinência verbal pode configurar desde uma simples falta disciplinar até um ilícito criminal, apenada, em casos extremos, com a perda do cargo, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”.
“A Lei Complementar nº 35, de 1979, estabelece, no artigo 36, inciso III, que não é licito aos juízes ‘manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas ou no exercício do magistério’. ”
“O prejulgamento de uma causa ou a manifestação extemporânea de inclinação subjetiva acerca de decisão futura, nos termos do artigo 135, V, do Código de Processo Civil, caracteriza a suspeição ou parcialidade do magistrado, que permitem afastá-lo da causa por demonstrar interesse no julgamento em favor de alguma das partes”.
“Por mais poder que detenham, os juízes não constituem agentes políticos, porquanto carecem do sopro legitimador do sufrágio popular. … Em países civilizados, dentre eles o Brasil, proíbe-se que exerçam atividades político-partidárias, as quais são reservadas àqueles eleitos pelo voto direto, secreto e universal e periódico”.
“O protagonismo extramuros, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais nefasto quando tem o potencial de cercear direitos fundamentais, favorecer correntes políticas, provocar abalos na economia ou desestabilizar as instituições, ainda que inspirado na melhor das intenções”.
O Presidente do STF afirma, por fim, que “posturas extravagantes ou ideologicamente matizadas são repudiadas pela comunidade jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um grave risco à democracia”.
Comente com o Facebook