Esta semana será decisiva para os rumos que tomará a política européia. Após uma contundente vitória eleitoral, a coalizão de esquerda Syriza encabeça o primeiro governo grego (e o primeiro governo dentro da zona do euro) a questionar a política de austeridade que a burocracia neoliberal da União Européia impõe como receita para sair da crise, sem se importar com os custos sociais altíssimos, sobretudo e em primeiro lugar na Grécia, mas também em diversos outros países europeus. Segunda-feira 16 as negociações entre Grécia e a União Europeia chegaram a um impasse. O economista português Chico Louçã, ex-deputado pelo Bloco de Esquerda, explica no artigo abaixo a importância do que está em debate e negociação. Ao final desse texto, oferecemos os links do acordo que a Grécia estava disposta a assinar, mas que foi retirado, e o texto que UE tenta impor. Caso não se chegue a um acordo até o final da semana, a euroburocracia deflagraria o processo de expulsão da Grécia da UE com terríveis consequências para sua economia e a sociedade. O Syriza demonstra que, apesar da relação de forcas extremamente adversa na Europa, que há espaço politico de se opor ao neoliberalismo mesmo quando a alternativa implícita de saída do euro seja vista como catastrófica. Seu exemplo é fundamental para estimular novas resistências e vitórias políticas. É importante até mesmo para o PT e nosso governo para reforçarem sua capacidade de alternativa ao neoliberalismo.
O ultimato à Grécia e já nada será como dantes
por Francisco Louçã
Uma reunião relâmpago do Eurogrupo e um ultimato: a Grécia tem quatro dias para repor o programa de austeridade que foi recusado pelas urnas.
Deste modo, nestes dias vertiginosos, três traços ficam claros. Primeiro, todo o aparelho político europeu se uniu contra a Grécia: na conferência de imprensa que apresentou o ultimato juntaram-se, simbólica e excepcionalmente, dois socialistas, Moscovici e Dijsselbloem, e duas figuras da direita europeia, Lagarde e Tusk. A Grécia está isolada, todos os governos de direita e de centro querem a sua punição e só tem o apoio de quem recusa a destruição (o Financial Times dá conta da carta de 32 personalidades insistindo na mudança da posição do Estado português).
Segundo, a União Europeia não admite nenhuma alternativa à austeridade. A escolha é esta: ou a Grécia continua as privatizações e a compressão salarial ou é expulsa, não se sabe como ou com que legitimidade, mas fica de fora. A Europa é a austeridade. É uma prisão.
Terceiro, o governo alemão está disposto a tudo, mesmo a uma grotesca arrogância que pouca gente acharia plausível. Ao dizer hoje que “sinto muito pelos gregos, que elegeram um governo que se porta de forma irresponsável”, Schauble ultrapassou uma barreira de agressividade e impunidade que terá consequências. A Alemanha passou a ser isto.
Assim, ninguém – o Eurogrupo, o governo alemão, os outros governos – deixou qualquer dúvida: ou a Grécia se verga ou sai do euro. A Grécia nem teria o direito de divulgar a proposta que lhe foi feita, acrescentam as autoridades europeias, e se o fez, é uma “provocação”, persiste o Eurogrupo, porque nenhum governo pode dar a conhecer este segredo.
Do outro lado, o governo grego usou todas as armas que a democracia pode gerar. Obteve um mandato eleitoral claro. Procurou o apoio da opinião pública em todos os países. Conduziu uma disputa política que nunca ninguém tinha visto na Europa. Destapou a face de uma Alemanha imperialmente exibicionista. Usou o seu recurso mais importante: propôs negociações prudentes, esperando que o adversário não usasse a arma de destruição massiva. Mas encontrou um muro de “intimidação” (Tsipras) ou de imitação de “tortura” no estilo da CIA (Varoufakis) e, em todo o caso, a condição do ultimato: ou continua a austeridade ou rua.
As autoridades europeias colocaram-se por isso numa posição em que não admitem nada senão a cedência. Assim, o que se vai passar nos próximos dias, salvo mudança miraculosa, parece estar escrito. Pode haver ou não nova reunião do Eurogrupo, mas, segundo as autoridades europeias, a condição preliminar é que a Grécia reponha a política de Samaras e do PASOK. A partir daí, não havendo acordo, começa a contagem decrescente para o “Armagedeão”, nos termos de Varoufakis, e será o BCE o instrumento da cólera desta divindade: no dia em que cortar o crédito de liquidez aos bancos gregos, a Grécia tem de emitir moeda para salvar o país. E esse dia poderá vir em breve. A Grécia pode então reagir de muitas formas. Pode convocar uma sessão extraordinária do parlamento, pode pedir a opinião da população e organizar um referendo. Mas terá poucos horas para responder ao ataque, porque terá sido expulsa do euro, pela força ilegítima de um ultimato, seguido de uma retaliação.
As consequências de um desfecho deste tipo são imensas e voltarei ao tema em breve. Em todo o caso, não será menos do que mudar a vida da esquerda, que será forçada a reconhecer que nesta Europa o destino é a austeridade. E mostrar, o que também não é pouca coisa, que na União não se respeitam regras nem leis nem tratados, a Alemanha manda e é tudo.
O ultimato à Grécia é o culminar do desastre da austeridade. Mas é também o início de tempos muitos mais perigosos.
Artigo publicado originalmente em:
http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2015/02/16/o-ultimato-a-grecia-e-ja-nada-sera-como-dantes/
Ler também:
O acordo que a Grécia ia assinar, mas foi retirado
http://www.esquerda.net/artigo/o-acordo-que-grecia-ia-assinar-mas-foi-retirado/35838
Conheça o acordo que o Eurogrupo quis impor à Grécia
http://www.esquerda.net/artigo/conheca-o-acordo-que-o-eurogrupo-quis-impor-grecia/35831
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