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Herança maldita, man non troppo

Crítica à dependência desaparece ao justificar a política econômica.

No documento, a dependência e a subordinação ao capital internacional e aos movimentos deste, via os “mercados”, são reconhecidos quando da crítica ao governo FHC, no (bom) diagnóstico dos resultados do governo anterior. “Ao final de seus dois mandatos, o país tornou-se muito mais vulnerável e dependente do capital externo, com acentuada perda de autonomia na formulação e manejo de sua política econômica.”

A crítica aparece também ao avaliar o cenário em que o governo Lula encontrou o país: “no centro desse processo está a dependência e subordinação que se estabelece entre os mercados financeiros – daqui e de fora – e a estabilidade econômica, que é um conceito mais abrangente que a estabilidade dos preços internos, expressa nos índices de inflação. A capacidade dos agentes financeiros de desestabilizar a economia – dada sua vulnerabilidade e a liberdade irrestrita de movimentação do capital – pende permanentemente (…) sobre o país, condicionando as decisões de política econômica em suas diversas esferas.”

A descrição dos resultados do modelo de estabilização do período FHC até poderia induzir que o documento fosse propor uma política econômica distinta da anterior. Mas não é o que se verificará.

Isto é evidenciado quando, diante dos elementos centrais da política econômica, o texto afirma que “este conceito de solidez econômica supera os limites que aprisionaram o Brasil sob o governo anterior”, como se os resultados “positivos” da política econômica (em aspectos centrais, contínua ao último governo FHC) resolvessem o problema da subordinação brasileira aos capitais internacionais. Curioso é que aspectos de descontinuidade que poderiam ser articulados para contribuir na formulação de uma nova abordagem econômica sejam diluídos e “abafados” pela visão monetarista.  Enfim, a “dependência” é tratada pragmaticamente, fora de um contexto estrutural ou de longo prazo. Ao longo das formulações, este elemento vital perde relevância. O enfrentamento da “dependência” será reduzido às duas questões centrais do documento: estabilidade e equilíbrio fiscal. Ao fim, e com certa coerência, não há referências às ações em curso no governo que aumentam a dependência do capital financeiro e que aprofundam a desregulamentação e abertura ao exterior, como a maior abertura promovida na conta de capitais e a autonomia efetivamente conferida (mesmo que sem lei) ao Banco Central.


 

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