Isaac Akcelrud é um desses militantes que com sua história e exemplo moldaram a construção da Democracia Socialista como corrente marxista revolucionária. Militante comunista desde os anos 1930, aprendeu o oficio de jornalista servindo de escritor para as famílias dos ferroviários em Santa Maria. Rompeu com o stalinismo no final da década de 1950 e fez uma longa caminhada até o marxismo revolucionário e ingressou ao PT. Neste episódio lembramos sua trajetória militante e contribuição ao jornal Em Tempo.
Joaquim Soriano e Fernanda Estima foram responsáveis pela devida homenagem. Ele foi responsável por aproximá-lo da DS e ela era redatora júnior do Em Tempo quando o Isaac era o sênior. Os dois acompanharam de perto a esse militante incansável que foi também um jornalista dedicado à verdade e primoroso com as lutas democráticas e socialistas.
Para o Isaac – Joaquim Soriano
Eu morava no Rio de Janeiro quando da organização da DS e do PT, no início dos anos 80. Nesta época havia um jornalista que era correspondente da Folha de São Paulo para o Oriente Médio. Seu nome Isaac Akcelrud. Eu lia seus artigos.
Meu dentista era de esquerda. Seu nome Amaro. Num dia de 1981 me disse que um tio dele estava de volta ao Rio e queria conversar comigo para colaborar com o jornal Em Tempo. Foi “saído” de Israel porque o governo declarou que era “persona non grata”. Era um judeu que defendia a paz com os palestinos.
Marcamos e uma tarde me dirijo a uma simpática rua no bairro do Flamengo. Um enorme apartamento antigo com uma grande biblioteca, uma sala de música. E um Isaac e uma Dona Clara.
Conversamos muito. Na despedida perguntei como se escrevia o seu nome e ele respondeu:
– Como se pronuncia.
E muitas vezes estes encontros se repetiram. Uma larga e erudita visão de mundo. Muita experiência e história dele, da esquerda brasileira e da luta internacional dos trabalhadores e dos povos oprimidos. Começou a colaborar com o Em Tempo. Fazia matérias especiais, sobre a indústria aeronáutica no Brasil e no mundo. Sobre o patenteamento da vida – um dos primeiros artigos desde um ponto de vista de esquerda sobre transgênicos.
Um dia Isaac pediu para entrar para a DS. Éramos um grupo de militantes mais jovens e portanto menos experientes do que Isaac. Havia resistência à aceitação dele como quadro orgânico da organização. Especialmente de uma pessoa. Falei para o Isaac que então faríamos uma reunião formal com ele com a presença desta pessoa.
E marcamos o dia e a hora. Cumprimentos formais e logo Isaac toma a iniciativa e diz que antes de começar o debate ele gostaria de contar um pouco de sua vida. E falou.
Esta história posteriormente foi registrada numa longa entrevista que eu e Ricardo Azevedo, na época diretor da Teoria e Debate, fizemos para a revista (ver aqui).
Isaac se integrou plenamente na DS, na colaboração cada vez mais efetiva na edição do jornal. Muitas vezes acompanhei Michael Lowy e também Daniel Bensaid até a casa do Isaac para memoráveis conversas, debates. Muitas delas transformaram-se em matérias para Inprecor, à época revista da IV Internacional. De assuntos que variavam da luta do MST no Brasil à questão Palestina e aos conflitos no Oriente Médio e chegando na revolução centro-americana – Nicarágua e El Salvador – e voltando à construção do PT e à luta dos metalúrgicos de Volta Redonda contra a privatização da CSN.
Para a sua militância de rua, panfletando e colando cartazes nos postes noites adentro – pelas Diretas Já e outras lutas – Isaac contava com uma equipe de militantes que envolvia dentre outros, um dos seus netos, um músico de gafieira, estudantes universitários, latinoamericanos que deixaram seus países e aqui estavam para ajudar a construir o PT.
Isaac Akcelrud, judeu de olho azul, pulava a cerca do latifúndio com os sem terra, fazia greve com os metalúrgicos, lia muito em vários idiomas, falava outros tantos, escrevia como ninguém e foi o primeiro que nos disse:
– A revolução brasileira ou será negra ou não será.
Isaac, aquele bom velhinho, presente! – Fernanda Estima
O dia 16 de setembro de 1994 foi um momento triste para a militância da DS. Isaac Akcelrud nos abandonou meses antes de uma das eleições mais concorridas da história do Brasil.
“Jornalista, historiador, revolucionário e bem humorado militante”, quando colaborava com o jornal Em Tempo Isaac chegava sempre cedo. Atravessava a via Dutra durante toda noite vindo do Rio de Janeiro e logo na madrugada já estava a esperar quem fosse abrir a porta para ele. Lá estava, sempre usando alguma camiseta de campanha ou de algum movimento, para dentro da calça de tergal que ele fazia questão de usar acima da linha do umbigo. “Isso aqui é uma maravilha, minha filha”, comentava mostrando o tênis tipo iate. Bolsa tiracolo cruzada no peito e disposição juvenil.
Um tiozão cheio de histórias e experiências que vinha do Rio especialmente para fechar o jornal. Se a gráfica ajudasse já voltava carregando os exemplares para distribuir em terras fluminenses. Conviver e aprender com ele foi a maior experiência que a esquerda me proporcionou.
Questionador, crítico e cheio de argumentos, se autodefinia como gaúcho, carioca, judeu, palestino, negro, proletário, sem terra e feminista.
Para relembrar um pouco do que foi esse grande militante, trazemos o facsímil do texto publicado no jornal Em Tempo número 277-278, de novembro-dezembro de 1994.
Agradecemos a colaboração do Centro Sergio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo, na pessoa de Jaime Cabral.
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