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Juarez Guimarães e Maria Inês Nassif: “esquerda não pode deixar luta contra a corrupção nas mãos da direita”

1005247Marco Weissheimer, no Sul 21

O cientista político Juarez Guimarães, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defendeu no seminário “Crise da Representação e Renovação da Democracia”, realizado entre os dias 5 e 6 de setembro, em Porto Alegre, a necessidade de desnaturalizar a ideia da crise da representação política no país. Admitindo que as manifestações de junho reivindicam da esquerda brasileira um novo ciclo de transformações, Guimarães observou, porém, que é preciso apontar com mais clareza o que define essa “crise da representação”. “Se temos uma crise da representação é porque há setores da sociedade que estão sub-representados e outros que estão super-representados”. Essa distorção estaria na base de boa parte dos impasses e desafios políticos vividos pelo Brasil hoje.

Juarez Guimarães defendeu também a necessidade de contextualizar historicamente a construção dessa crise: “Desde o final dos anos 1970, o princípio da soberania popular sofreu ataques sistemáticos. Uma das expressões desse ataque foi a privatização mercantil do processo de formação da opinião pública. Outra foi o processo de privatizações de empresas e serviços públicos e o ataque generalizado à própria ideia de Estado, com o surgimento de uma nova regulação de cunho anti-keynesiano”.

Em meio ao impasse geral deste período que ele chamou de pós-neoliberalismo, a esquerda defronta-se com um grande problema: “Os nossos déficits democráticos são vinculados a déficits teóricos das nossas tradições”, disse Guimarães, apontando como exemplo a tragédia política da dissolução do Partido Comunista Italiano, que chegou a ser o maior PC do mundo. No caso brasileiro, assinalou, esse déficit teórico expressou-se pela incapacidade de mudar as estruturas de regulação da economia neoliberal. Para enfrentar os problemas atuais, defendeu ainda, “não podemos ter uma consciência autocomplacente que não faz um exame rigoroso desses nossos limites”.

O cientista político criticou aqueles que acham que o atual governo não precisa se preocupar muito com o atual cenário político em função de ter uma maioria folgada no Congresso Nacional. “Temos de fato essa maioria?” – questionou. A pergunta foi retórica. Guimarães entende que a maioria governista no parlamento não é tão confiável assim e só uma Reforma Política pode dar o impulso necessário para a resposta exigida pelas ruas em junho. “E para fazer uma Reforma Política nós precisamos de uma Constituinte Exclusiva. Além disso, não podemos deixar o tema da luta contra a corrupção só para os liberais, pois aí ela será sempre uma luta udenista”.

Na mesma direção de Juarez Guimarães, a jornalista Maria Inês Nassif afirmou que a esquerda e os setores progressistas da política brasileira precisam ter claro que voto e hegemonia são coisas diferentes. Ela apontou alguns problemas que não teriam sido resolvidos pelas vitórias eleitorais do PT e de seus aliados nos últimos anos. “A Constituinte de 1988 foi pródiga em reconhecimento de direitos, mas quase não mudou o sistema político. E “nos últimos dez anos, o STF exerceu um poder anti-voto”, caminhando crescentemente na direção política contrária daquela expressa nas urnas.

Maria Inês Nassif classificou o julgamento do mensalão como “o mais vergonhoso da história da República”, envolvendo um debate que a chamada grande mídia “ou não pautou ou distorceu”. Na avaliação da jornalista, o STF é hoje “o maior aliado desta velha ordem” que pode ter sido derrotada no voto, mas que ainda detém a hegemonia do poder no país.

Por outro lado, ressaltou, fazendo eco às palavras de Juarez Guimarães, o problema da corrupção não foi suficientemente debatido pelo PT e pelas esquerdas de um modo geral. “Houve um recuo aí e esse tema acabou sendo capitalizado pela direita. Houve um otimismo exagerado no sentido de que bastaria fazer políticas para promover a ascensão social e que problemas relacionados à corrupção não pegariam nestes setores. “Mas não existe reserva de mercado de voto”, advertiu Maria Inês, mesmo com tudo o que foi feito em termos  de política social nos últimos anos. “Precisamos pensar nisso com mais vagar e ousadia e deixarmos de ser ingênuos e covardes”, concluiu.

As posições defendidas por Juarez Guimarães e Maria Inês Nassif no seminário promovido pelo governo do Rio Grande do Sul apontaram para um dos principais desafios colocados principalmente para o PT no próximo período. Após o fim do julgamento do mensalão com a possibilidade de prisão de ex-dirigente petistas, não se colocará apenas a necessidade de julgar imediatamente o “mensalão tucano”, mas também a de saber o que o PT fará com o que foi feito dele como partido neste processo. A capacidade de dialogar com as vozes expressas nas ruas do país nos últimos meses dependerá desse “pensar com mais vagar e ousadia, sem ingenuidade e covardia”, como disse a jornalista, e da recusa a uma postura autocomplacente, como falou Juarez Guimarães. Qualquer ideia de “renovação da democracia”, como propôs o seminário, passa, entre outras coisas, pela coragem de enfrentar esses temas.

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