Por Andréa Cristina Oliveira Gozetto, Marcus Ianoni e Wagner Pralon Mancuso, publicado originalmente na revista Teoria e Debate.
Na discussão sobre reforma política, um ponto importante tem ficado de fora: a regulamentação do lobby. O objetivo deste artigo é lançar alguma luz sobre essa atividade e o debate acerca de sua regulamentação.
A palavra lobby vem da língua inglesa e designa originalmente o salão de entrada de prédios. O uso do conceito passou da arquitetura à política, e o substantivo passou a indicar a atuação de representantes de interesses, que esperavam no salão de entrada de prédios a passagem dos tomadores de decisões públicas a fim de apresentar seus pleitos. Em termos gerais, portanto, lobby passou a significar a ação de defesa de interesses junto a membros do poder público que podem tomar decisões.
A atividade é exercida por vários atores, desde o indivíduo isolado até as espécies mais diversas de coletividade. No entanto, grande parte é patrocinada por dois tipos de entidade: aquelas voltadas para outras atividades econômicas ou sociais que eventualmente a praticam em defesa de seus interesses (empresas e igrejas, por exemplo) e aquelas voltadas, por natureza, para o trabalho de lobby em nome de seus públicos-alvo ou membros – sejam eles indivíduos, sejam outras organizações (como sindicatos, federações e confederações de empresários e de trabalhadores, ONGs etc.).
O alvo dos lobistas são as agências em que decisões públicas são tomadas, num leque muito diversificado. Algumas vezes, são organismos internacionais como a ONU, a União Europeia e o Mercosul. Outras vezes, agências da administração pública nacional (Presidência, ministérios, secretarias etc.) ou subnacional (governos estaduais e municipais e suas secretarias) – incluindo as reguladoras da prestação de serviços públicos pela iniciativa privada. A ação dos lobistas também é dirigida ao Poder Legislativo nas três esferas: Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. O Judiciário, por sua vez, se abre ao lobby por meio de institutos como as audiências públicas e o amicus curiae.
Os interesses organizados podem atuar em diferentes momentos do processo decisório. Antes do estágio deliberativo, na escolha dos próprios tomadores de decisão. Nas diversas etapas do processo deliberativo, que incluem a definição da agenda decisória, a formulação de propostas referentes aos itens da agenda, o debate e negociação em torno das propostas existentes e a tomada de decisão. E nas fases posteriores à deliberação, como a regulamentação e a revisão judicial das decisões.
A onipresença do lobby pode ser ilustrada com um caso específico: a atuação do empresariado durante o processo de produção legislativa de nível federal. Os empresários interferem na escolha dos candidatos que concorrerão às eleições para todos os níveis e cargos. O empresariado pode apoiar a candidatura de indivíduos oriundos de suas próprias fileiras e/ou candidatos afinados com as suas posições. Os empresários também financiam a campanha dos candidatos que apoiam e/ou que são apontados pelos institutos de pesquisa como os contendores principais. Os empresários podem ainda indicar ou vetar nomes para cargos relevantes na burocracia de ministérios, instituições públicas de financiamento da produção, agências reguladoras e vários outros organismos do Poder Executivo. Os ocupantes desses cargos podem tornar-se elementos-chave no processo de produção legislativa.
O empresariado também faz lobby ao longo de todo o processo deliberativo, que compreende, em nível federal, o período que vai da apresentação de propostas ao Congresso à votação parlamentar sobre eventuais vetos presidenciais às proposições aprovadas pelo Legislativo nacional.
Por fim, o empresariado estende seu lobby ao momento que sucede o estágio deliberativo. Focaliza a regulamentação das peças legislativas, feita por meio de atos, portarias, circulares, notas técnicas e outros instrumentos à disposição da burocracia do Executivo federal. Ainda nesse momento, pode solicitar a revisão judicial de decisões, por meio, por exemplo, de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) no STF, interpostas por confederações sindicais patronais ou entidades de classe de âmbito nacional.
O lobby não é lícito ou ilícito por definição. Pode ser realizado de forma ilícita, quando os lobistas barganham benefícios com membros do poder público, seja por meio de ameaças, seja em troca de recompensas ilegais. Lobby ilícito é sinônimo de crime contra a administração pública – corrupção ativa, tráfico de influência, fraude de concorrências públicas, entre outros delitos. Mas a Constituição faculta o lobby lícito, pois garante os direitos à liberdade de manifestação de pensamento; à expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; à liberdade de reunião e associação para fins lícitos; ao acesso à informação pública de interesse particular, coletivo ou geral; e à petição aos poderes públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. O lobby lícito integra, portanto, o conjunto de instrumentos à disposição dos segmentos sociais para a promoção de seus interesses. Além do lobby lícito, a Constituição proporciona aos cidadãos outros meios de promoção de interesses, como o voto em plebiscitos e referendos (dispositivos pouco utilizados no Brasil), a iniciativa popular de proposições legislativas e as eleições regulares para o preenchimento de cargos públicos.
Separando o joio do trigo
Diante desse cenário, o desafio que se impõe é separar o joio do trigo, banindo o lobby ilícito sem descartar as contribuições positivas que o lícito pode trazer para os tomadores de decisão (mais informações sobre os temas da pauta decisória); para a opinião pública (visão mais completa sobre os problemas coletivos); para os interesses representados (maior proximidade entre suas preferências e o resultado da decisão); e para o sistema político como um todo (maior legitimidade, em função da abertura do processo decisório à participação dos interesses legítimos).
O lobby ilícito, fonte de muitos escândalos políticos que dominam o noticiário, tem recebido maior destaque que o lícito. Os escândalos políticos, quando estouram, muitas vezes ensejam tentativas de regulação do lobby. No entanto, a onda de interesse por sua regulamentação geralmente reflui à medida que os escândalos paulatinamente perdem destaque. A regulação poderia contribuir para combater o lobby ilícito e tornar a atividade mais compatível com os valores democráticos?
Em 1989, o então senador Marco Maciel (DEM-PE) apresentou o primeiro projeto de lei para regulamentar o lobby (PLS nº 203/1989). Passados mais de vinte anos, o projeto ainda se encontra engavetado na Câmara dos Deputados (PL nº 6.132/1990), depois de ter sido aprovado pelo Senado. Em 2007, o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) propôs um novo projeto (PL nº 1.202/2007), posteriormente aprovado pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara. Entretanto, sua tramitação também não avançou.
Recentemente, o governo Lula mostrou interesse em regulamentar o lobby. Em novembro de 2008, realizou-se em Brasília o Seminário Internacional sobre Intermediação de Interesses: a Regulamentação do Lobby no Brasil, promovido pela Controladoria-Geral da União (CGU), pela Casa Civil, pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Diversos ministros, parlamentares, profissionais do lobby e acadêmicos participaram do encontro. Um dos resultados foi a elaboração de um anteprojeto de lei para a regulamentação, coordenada pela CGU, com a participação da Casa Civil, dos Ministérios do Planejamento e da Justiça, da Advocacia-Geral da União, do Ministério Público Federal, da Associação de Juízes Federais e da Associação Nacional dos Procuradores da República. Nenhuma proposição, no entanto, foi efetivamente enviada pelo Executivo para a apreciação do Congresso.
Os projetos determinam: credenciamento dos lobistas; declaração de seus gastos e atividades em defesa de interesses, bem como de quem os contratou; divulgação das declarações para o público; penalização para lobistas e agentes públicos que desrespeitarem as regras; medidas para garantir o contraditório, com vistas ao equilíbrio de poder; entre outras medidas. Façamos uma breve comparação, não exaustiva, sobre os dois projetos.
Credenciamento de lobistas: Voltado para o lobby no Congresso Nacional, o projeto de Maciel propõe o registro dos lobistas nas Mesas da Câmara e Senado, enquanto Zaratini, por sugerir uma regulamentação para toda a Administração Pública Federal (APF), indica o credenciamento pela Controladoria-Geral da União. Ambos consideram que devem se credenciar pessoas físicas e jurídicas, mas, para o primeiro, as que procurem influenciar o processo legislativo, e para o segundo, as que o fazem visando a tomada de decisão em qualquer instância da APF. Zaratini veda credenciamento de indivíduos que tenham, até um ano antes do requerimento, exercido cargo público ou em comissão em que tenham participado da produção de proposição legislativa objeto de intervenção profissional.
Prestação de contas pelos credenciados: a) periodicidade – duas vezes por ano, para as duas Mesas (Maciel); uma vez por ano para o TCU (Zaratini); b) conteúdo da declaração – discriminação de gastos, na atuação perante as Casas, superiores a 3 mil BTNs (Maciel); atividades, matérias de interesse e gastos da atuação que ultrapassem 1.000 Ufirs; identificação dos interessados nos serviços, projetos e matérias visadas (Maciel e Zaratini); dados sobre constituição ou associação, sócios/associados, capital social, empregados e listados na folha de pagamento (Maciel e Zaratini).
Divulgação das informações: Mesas da Câmara e do Senado divulgarão dois relatórios anuais com declarações dos lobistas registrados (Maciel). TCU divulgará relatório das declarações recebidas (Zaratini).
Penalidades: Ambos propõem inicialmente, advertência, se houver omissão nas declarações, tentativa de ocultar dados e de confundir fiscalização, em caso de reincidência, propõem a cassação de registro. Para o servidor público ou agente político, Zaratini prescreve demissão, se houver percepção de vantagem material dada por lobista, com valor superior a 500 Ufirs, que possa afetar isenção no seu julgamento, ou caracterize suborno ou aliciamento.
Garantia de contraditório: Mesas da Câmara e Senado devem convidar representantes de interesses antagônicos aos que tenham agendado presença no Congresso (Maciel); Órgão promotor de audiência pública deverá recepcionar diversas correntes de opinião e ouvir até seis expositores (Zaratini).
Outras previsões: Zaratini propõe um curso de formação obrigatório para os lobistas credenciados, às suas expensas.
Entendemos que a regulamentação do lobby pode trazer um avanço significativo para a vida política brasileira, ampliando a transparência dos processos decisórios. Por essa razão, é uma temática importante, embora ausente ausente no debate atual da reforma política.
A regulamentação provavelmente não será suficiente para banir o lobby ilícito, feito por definição ao arrepio da lei. Tende a ser mais eficaz se for concebida como uma medida que integre uma estratégia multifacetada de combate ao lobby ilícito, junto com iniciativas como o aperfeiçoamento e a aplicação efetiva dos mecanismos de controle internos e externos já existentes; a vigilância ativa da mídia, da oposição e da sociedade como um todo; o aumento da participação pública nos processos decisórios; e a autorregulamentação da atividade pelos próprios lobistas, com a criação de um código de conduta cujo cumprimento seja exigido pelos praticantes.
Andréa Cristina Oliveira Gozetto é professora da Uninove
Marcus Ianoni é professor do Departamento de Ciência Política da UFF
Wagner Pralon Mancuso é professor da EACH-USP
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