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Mais uma vitória do lulismo

446154Publicada originalmente na Teoria e Debate

André Singer, cientista político, professor na Universidade de São Paulo e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo, faz nesta entrevista a Teoria e Debate uma primeira avaliação do processo eleitoral de 2012, tendo como foco a cidade de São Paulo, que pelas proporções e importância política se destaca no plano nacional. Para o autor de Os Sentidos do Lulismo, o mapa eleitoral da cidade mostra que houve realmente uma adesão dos eleitores de baixa renda ao que ele denominou lulismo. A entrevista foi concedida à editora da revista, Rose Spina.

O processo eleitoral de 2012 em São Paulo se caracterizou como um dos mais atípicos. Tivemos em noventa dias uma movimentação bastante intensa nas estimativas de intenções de voto. Qual sua avaliação desse processo eleitoral?

O caso de São Paulo se tornou atípico porque o fenômeno Russomano pegou todo mundo de surpresa. Tenho a impressão de que nem mesmo as campanhas estavam esperando que um candidato de um partido muito pequeno, como é o PRB, chegasse a passar um período longo, com o horário eleitoral já iniciado, à frente nas pesquisas de intenção de voto sem sofrer nenhum abalo. Ao contrário, Celso Russomano até cresceu, com cerca de 2 minutos de horário eleitoral gratuito contra dois candidatos com cerca de 7 minutos cada um.

Era esperado que ele tivesse alguma vantagem no começo, pois é muito conhecido, elegeu-se ao cargo de deputado federal muito bem votado em São Paulo, foi candidato a governador na última eleição e, obviamente, porque tinha um quadro na televisão, Patrulha do Consumidor, bem popular. Então, existe um fenômeno de recall, as pessoas lembram o nome.

De um lado, um candidato com muita rejeição, José Serra; de outro, um candidato pouco conhecido, Fernando Haddad, e Russomano como uma espécie de efeito memória, ou seja, o eleitor não estava tão inclinado a votar nele, mas o conhecia mais.

O fato não foi surpreendente. A surpresa foi ele ter ficado quase um mês, já iniciado o horário eleitoral, em primeiro lugar, ainda crescendo. E depois, uma vez que todos já tinham se acostumado com a ideia de que ele iria para o segundo turno, foi uma enorme surpresa ele ter caído tanto em pouquíssimos dias, a ponto de ficar em terceiro lugar. O que tornou o processo eleitoral de São Paulo atípico foram essas duas surpresas, as duas relacionadas à candidatura Russomano.

Não sendo isso, o quadro era razoavelmente previsível: o candidato do PSDB com dificuldades, tendo em vista a forte rejeição à gestão que estava terminando, de Kassab, um prefeito ligado a Serra; por outro lado, um candidato do PT pouco conhecido, que precisaria de um tempo longo de exposição, sobretudo no horário eleitoral, para se tornar conhecido.

E a queda de Russomano se deu porque ele não tinha tempo de televisão?

É difícil afirmar categoricamente porque seriam necessários mais dados e pesquisas mais aprofundadas. Mas a hipótese que parece mais plausível nesse momento é que ele tenha caído em função da proposta de mudança na cobrança do transporte público – as pessoas que viajassem mais tempo pagariam proporcionalmente mais do que as que fizessem percursos mais curtos. Aparentemente esse foi o dado que o derrubou a ponto de não ir para o segundo turno.

É preciso dizer que, não obstante essa queda abrupta, ele acabou tendo 22% dos votos no primeiro turno, o que não é pouco. Em uma cidade como São Paulo, com um colégio eleitoral praticamente do tamanho de Portugal, foi um resultado que faz dele um personagem que provavelmente continuará com alguma relevância na política paulistana e, talvez, paulista.

O que explica o fato de uma eleição municipal em São Paulo extrapolar para o plano nacional?

Uma cidade com um colégio eleitoral excepcionalmente grande, com um orçamento também muito grande, tem um peso político desproporcional. No caso das eleições municipais no Brasil, eu diria que há todas e a de São Paulo. Evidentemente, São Paulo não é a capital administrativa do país, mas é hoje a capital que tem maior peso político.

Assim, as questões políticas acabam tendo grande peso na eleição?

Curiosamente, sim e não. A cidade tem muito peso político e a eleição local tem repercussão nacional e até internacional, mas a eleição propriamente não é completamente nacionalizada. O eleitor sabe que está votando em alguém que vai cuidar das questões da cidade. Não é, por exemplo, um voto contra ou a favor do governo federal, como se pode pensar.

Há algum tempo, as eleições municipais no Brasil têm sido tratadas da seguinte forma: se o candidato do governo federal ganha em São Paulo diz-se que o governo federal ganhou e, se perde, quem perde é o governo federal. Isso é um erro, porque o eleitor não está votando desse modo. A eleição, embora tenha repercussão nacional, não é nacionalizada. Em 2012, o eleitor paulistano votou, assim como ocorreu na grande maioria das capitais, em boa medida contra a gestão do prefeito que está terminando o mandato.

Prefeitos bem avaliados se reelegem e elegem sucessores?

Isso. E foram poucos os casos claros de sucesso da gestão atual, praticamente apenas três: Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Isso no primeiro turno?

Quando vai para o segundo turno, mostra que o candidato já tem certa dificuldade. Também Belo Horizonte não foi fácil para o candidato do Aécio ganhar, pois o Patrus Ananias (PT) foi muito bem. Porto Alegre e Rio de Janeiro foram casos de nítido sucesso do prefeito atual, mas foram exceções à regra. De modo geral, os prefeitos tiveram muita dificuldade nesta eleição, tanto os que estavam se candidatando à reeleição quanto os que tentaram apoiar algum candidato.

Em algumas capitais nem sequer quiseram disputar, optaram por não se candidatar, como em Natal e Manaus.

Quando há um quadro generalizado de insatisfação, má avaliação, significa que não é por característica específica de uma ou outra gestão. Eu acredito que uma explicação possível é a mudança da conjuntura econômica. Em 2008 foi uma eleição mais de situação local. Ou seja, houve maior facilidade para os que estavam no cargo se reeleger ou eleger o sucessor. Em 2008, vínhamos de uma sequência de crescimento econômico muito forte, 7% em 2006, 5% em 2007. Caminhávamos para quase 8%, em 2008, o que não se concretizou porque a crise econômica mundial bateu justamente em setembro. Então acabou o ano e o aumento do PIB fechou em 5%, mas no momento da eleição a economia ainda estava girando muito forte. Foi caindo mais para o final do ano e terminou dando naquela recessão em 2009, em que o PIB caiu 0,6%.

Os prefeitos que tomaram posse em janeiro de 2009 enfrentaram uma situação de retração econômica. Depois houve uma retomada forte em 2010. No gráfico, desenha-se um V, queda abrupta e subida abrupta. Depois, dois anos de crescimento muito baixo, 2011 e 2012. Vamos fechar com menos de 2%, provavelmente, esse primeiro biênio do governo Dilma. Isso significa baixa da arrecadação e prefeitos com pouco dinheiro.

Nas cidades maiores havia certa insatisfação com relação a diversos serviços. A questão do transporte urbano, por exemplo. A própria maneira pela qual se combateu a crise econômica em parte foi ativando a indústria automobilística. Aumentou o financiamento para compra de carro próprio, houve redução do IPI para os automóveis e, portanto, acelerou-se a venda de carros. O que do ponto de vista econômico foi correto, do ponto de vista urbano travou as cidades. São Paulo é um caso conhecido de trânsito muito difícil, mas eu ouço falar de outras capitais também.

As cidades pararam, e isso causa transtornos significativos porque, se já havia pessoas que levavam três horas na ida e volta para o trabalho, por exemplo, imagino que agora possam estar levando cinco. É uma perda em termos materiais, de qualidade de vida e de tempo para outras coisas muito significativa.

Também há novas exigências na área da saúde. Há uma pressão para que os serviços de saúde tenham exames mais sofisticados, mais rápidos e um atendimento a altura do avanço da própria medicina. Isso talvez seja, em parte, resultado da própria ascensão econômica de certas camadas da população, que melhoraram sua condição de vida e buscam atendimento compatível com a nova situação.

Exemplo disso é o caso da mamografia. Campanhas de combate ao câncer de mama estimulam a mulher a fazer o exame todo ano.

Esse é um ótimo exemplo também… As pessoas buscam e, em não tendo, reclamam. Uma terceira coisa também é a piora da questão da segurança pública. Os índices de criminalidade parecem estar aumentando e há uma sensação de insegurança urbana.

Qual sua análise do mapa de votação em São Paulo?

Para mim, o mapa eleitoral de São Paulo é a confirmação de que o realinhamento está funcionando conforme eu previa. Ou seja, houve realmente uma adesão dos eleitores de baixa renda ao que eu chamo delulismo. Fernando Haddad se apresentou na campanha como candidato do lulismo, até pela própria importância do apoio do ex-presidente Lula a ele, e Serra, junto com o PSDB, se mantém como um candidato da classe média.

Isso para mim é uma demonstração de uma polarização social forte que estamos vivendo desde 2006. No caso de São Paulo é interessante, cada partido tem sua base e tem um eleitorado que oscila, que decide a eleição, que tem decidido um pouco por aprovação ou reprovação da gestão anterior. Uma exceção à regra foi justamente o final da gestão Marta, porque ela estava bem avaliada. A campanha melhorou a avaliação dela em 2004 e, mesmo assim, ela perdeu por uma margem pequena.

Um dado novo importante para notar com relação à eleição de 2012 em São Paulo é que pela primeira vez o PT ganhou na cidade sem o apoio do PSDB. Em 2000, a vitória de Marta, apoiada por Mario Covas, foi contra Maluf. Em 1988, não havia segundo turno, então houve como uma espécie de percepção, até pelas pesquisas, de que Luiza Erundina tinha mais chances que Serra. Assim, o eleitorado mais próximo do PSDB decidiu votar nela, que venceu com 36%.

Então, agora é uma grande vitória do lulismo, porque é uma vitória sozinho. A vitória não dependeu do apoio do PSDB, ao contrário, derrotou o partido.

Volto a dizer: o eleitor não pensa assim, mas o efeito político é relevante. Foi uma importante vitória do lulismo contra seu principal adversário, que é o PSDB.

Em outras capitais, é possível avaliar a influência do lulismo?

Não conheço todas, mas das que tenho notícias todas confirmam o mesmo perfil. Mesmo, por exemplo, em Salvador, onde o PT perdeu, a votação de Nelson Pellegrino veio das periferias. Gustavo Fruet, em Curitiba, que fez uma aliança com o PT, com o lulismo, ganhou, em boa medida, porque o lulismo foi capaz de levar para ele o voto da periferia, que ele não tinha.

O caso de uma cidade que não é capital, mas é uma cidade grande. Em Campinas, a votação de Marcio Pochmann veio da periferia também. A polarização social em torno do lulismo, do PT contra os candidatos do PSDB, ou de outros partidos que estão, são, ou acabam sendo representantes do PSDB, parece ser regra. Em Belo Horizonte, Curitiba e Campinas, os candidatos do PSB são, na verdade, candidatos apoiados pelo PSDB.

O julgamento da Ação Penal 470 teve influência no processo eleitoral, onde e em que medida?

Eu acho que sim. Acompanhei mais o caso de São Paulo e, quando mais ou menos se configurou uma tendência de condenação dos que estavam sendo acusados, Fernando Haddad perdeu alguns pontos na pesquisa. Depois, recuperou, mas houve uma pequena queda antes da reta final do primeiro turno. Eu acredito que provavelmente teve impacto na classe média. É provável que também tenha ocorrido o mesmo em outros lugares.

Como justamente o lulismo não é uma corrente, o PT não é um partido mais de classe média, é um partido de eleitores mais pobres, então o impacto é menor, porque esse eleitorado não prioriza essa questão. O impacto acabou se diluindo, sobretudo, em situações de segundo turno, como em São Paulo, em que passado o primeiro turno ficou muito claro que os eleitores da periferia decidiram votar em Fernando Haddad e não mudaram mais de decisão até o fim da eleição. Parece indicar uma decisão firme de derrotar o candidato do PSDB.

Você acredita que a eleição de Fernando Haddad pode influenciar uma reorganização interna do PT? Ou suscitar um debate sobre renovação?

Independentemente do que o partido venha a discutir a respeito, sua vitória já é um fenômeno de renovação. E, curiosamente, isso se verificou também em outros setores. Três políticos de uma nova geração se destacaram nesta eleição. Fernando Haddad, Aécio Neves, que apesar das dificuldades conseguiu vencer a eleição em Belo Horizonte – e com a derrota de Serra passa a ser o mais provável candidato do PSDB à Presidência –, e Eduardo Campos, que se projetou porque o PSB teve um crescimento significativo, embora em muitos dos casos em aliança com o PSDB. Em Belo Horizonte, por exemplo, a vitória formal foi do PSB, mas deve ser contabilizada para o PSDB.

Mesmo levando em consideração que as vitórias do PSB foram em aliança, em muitos casos com o PSDB, o fato é que a legenda cresceu. Inclusive derrotou o PT em duas cidades importantes, Recife e Fortaleza, onde não acredito que tenha havido peso do PSDB.

Então, são três políticos jovens que se destacaram. Aécio e Campos já tinha alguma projeção e cresceram, Haddad, como prefeito de São Paulo, imediatamente ganha estatura nacional. É importante mencionar ainda a vitória de ACM Neto, em Salvador. Ele tem 33 anos e também é herdeiro de uma longa tradição política.

A renovação se dá não necessariamente pela faixa etária, mas esses nomes são jovens em relação aos que estão no poder.

Houve certa renovação do panorama político nacional, que provavelmente também terá impacto sobre o PT, obviamente, porque uma das figuras é do PT e porque também faz parte de um processo natural de mudança geracional.

Você mencionou a aliança de PSDB com PSB. O que aconteceu nesta eleição pode se repetir em 2014?

Eu acho que Eduardo Campos articulou uma estratégia para colocar sua candidatura. No que isso vai resultar ninguém sabe, nem ele. Muita coisa vai acontecer nesses dois anos, mas o fato é que ele está em situação que pode negociar várias coisas. Pode reivindicar, eventualmente, ser vice em uma candidatura liderada pelo PT, ou certamente será muito cortejado pelo PSDB. Em política, dois anos é muito tempo. No quadro atual, a situação é melhor para o PT e para o projeto lulista, a oposição está fragilizada para 2014.

Em que medida os resultados desta eleição têm influência no governo Dilma, ou na oposição ao governo Dilma?

Eleição municipal no Brasil não tem impacto direto sobre o nível nacional, normalmente não tem impacto imediato. Relativamente, o projeto do governo, sobretudo em função da vitória de São Paulo, que tem um peso que desequilibra todo o resto, saiu-se bem desta eleição, e portanto está fortalecido. A candidatura de Fernando Haddad colou muito no projeto do governo federal, propôs-se a trazer para São Paulo os benefícios que estão sendo levados para o Brasil.

Mesmo que não seja possível afirmar que o voto em Fernando Haddad tenha sido em apoio ao governo federal – não dá para fazer essa extrapolação –, o fato é que sua campanha foi muito colada no programa nacional, e portanto sua vitória fortalece o projeto do governo federal.

Esse projeto sai fortalecido e, se as condições econômicas melhorarem, e há sinais de que podem melhorar nos próximos dois anos, as possibilidades de continuidade desse projeto são boas.

Você chegou a fazer alguma análise sobre votos brancos e nulos e também as abstenções?

Há um aumento da abstenção e há um aumento de votos brancos e nulos, além do que houve problema com os cadastros, o que figura como abstenção.

Há uma tendência geral, lenta mas constante – e por isso é um ponto para prestar atenção –, de insatisfação com os partidos de modo geral, descrédito da política, de maneira ampla. Esse é um fenômeno generalizado nas democracias mais antigas. Ou seja, em todos os países, a tendência está sendo de esvaziamento dos partidos e de afastamento das instituições. Evidentemente, do ponto de vista democrático, isso não é bom. No caso brasileiro, não é uma crise absoluta de democracia, mas é uma situação na qual é necessário prestar atenção, porque é uma tendência contínua.

Os partidos deveriam fazer uma reciclagem, um reposicionamento, no sentido de reverter essa situação de desideologização. Todos estão visivelmente no caminho que começou em 1994 com Fernando Henrique, com a decisão de fazer aliança com o PFL, depois continuou com o PT, na aliança com o Partido Liberal, em 2002, e prossegue na linha de que todas as alianças são aceitáveis.

A política democrática é um jogo relacional, não é um jogo de solitário. Faz parte da essência da democracia competir com alguém, discutir com alguém. Portanto, criticar alguém e ser criticado por alguém. Se eu me alio a uma pessoa com a qual ontem eu estava divergindo, as críticas perdem a credibilidade, as afirmações que se fazem na política começam a perder substância. Isso contribui para esse movimento geral de esvaziamento dos partidos, da política e da própria política democrática.

Está em jogo o futuro da democracia brasileira. Cria-se uma espécie de círculo vicioso: à medida que setores crescentes da sociedade desacreditam, a política começa a girar em torno dela mesma; girando em torno dela mesma, maior é a tendência de desacreditá-la, porque de fato se afasta da sociedade, torna-se um jogo de profissionais.

Há espaço para retomar a discussão sobre a reforma política?

Não tenho capacidade de avaliar quanto o Parlamento seria sensível a isso, porque é aquela velha história: os parlamentares que lá estão foram eleitos por essas regras. Então, é possível que as chances sejam baixas, se eles pensarem apenas nos próprios interesses. Mas é indispensável que a sociedade se mobilize em torno de uma reforma política.

O julgamento da Ação Penal 470 demonstra com toda clareza a necessidade que temos de caminhar no sentido de financiamento público de campanha. É muito importante mudar a maneira de lidar com as eleições no Brasil e diminuir a influência do poder econômico. São elementos fundamentais para tentar reverter esse processo de esvaziamento da política.

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