Austeridade fiscal é o caminho para o Brasil sair da estagnação econômica?
O aumento de impostos e o corte de gastos públicos inerentes a qualquer proposição de maior austeridade fiscal imporia ônus às políticas sociais e aos elos mais vulneráveis da sociedade. Prejudicaria especialmente a população mais pobre, maior beneficiária do processo de crescimento com distribuição da renda dos últimos 12 anos.
Em vez da expansão da produção, haveria sua redução e o consequente enfraquecimento da economia brasileira: um resultado distinto do prometido pela ortodoxia liberal, que sempre imagina um paraíso no altar dos sacrifícios da população.
Ao contrário do que aventam economistas liberais, uma análise isenta da evolução fiscal recente indica uma boa governança das contas públicas do país. O exercício da austeridade fiscal com responsabilidade social pode ser observado em dois indicadores principais.
O primeiro relacionado à gerência das contas públicas. Com a média anual de 2% do Produto Interno Bruto de superavit fiscal obtido entre 2003 e 2013 (ante 1% do PIB entre 1995 e 2002), o país conseguiu reduzir consideravelmente o peso do endividamento público. Em 2013, por exemplo, a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) foi de 33,8% do PIB, enquanto em 2002 era de 60,4% do PIB. Já a dívida pública bruta manteve-se em relativa estabilidade no mesmo período.
Para 2014, o Brasil promove o segundo maior superavit primário entre os 20 países mais ricos do mundo, o que permitirá manter estável a relação dívida pública/PIB. Resumidamente, constata-se que entre 2003 e 2014, essa diferença decresceu 44%, ao passo que no período anterior (1995 e 2002) foi multiplicada por 2,1 vezes.
O segundo indicador refere-se à crescente responsabilidade social no uso dos recursos públicos, por meio do corte de despesas governamentais improdutivas e da elevação da qualidade do gasto público. Por um lado, a redução nas despesas com os juros do endividamento público é evidente (eram de 8,6% do PIB, em 2002, e caíram para 5,1% do PIB em 2013).
Com o corte nos gastos improdutivos foi possível, por outro lado, ampliar os investimentos públicos de 1,4% do PIB, em 2003, para 3,1%, em 2013. Dessa forma, o enorme deficit acumulado ao longo de décadas na infraestrutura começou a ser enfrentado, com a ampliação das matrizes energética, portuária, aeroportuária, entre outras. Ao mesmo tempo, cresceu o gasto social do governo federal de 13% do PIB, em 2003, para 16,7%, em 2013.
Simultaneamente à mudança do perfil da despesa pública ocorreu a melhora na qualidade do gasto governamental. Exemplo disso foi a elevação na produtividade do setor público decorrente do crescimento do gasto social e da queda nas despesas com pessoal de 4,5% para 4,2% do PIB entre 2003 e 2013.
Uma alteração liberal do atual regime de austeridade fiscal com responsabilidade social implicaria levar a economia brasileira à recessão já em 2015, com o retorno do desemprego e a ampliação da pobreza e da desigualdade.
Sobre isso, aliás, há farto registro pela literatura especializada, como o artigo do FMI, escrito por Jaime Guajardo, Daniel Leigh e Andrea Pescatori, intitulado “Expansionary Austerity: New International Evidence” (austeridade expansionista: novos resultados internacionais, em inglês), que demonstra como foram decepcionantes nas últimas três décadas os programas de austeridade fiscal adotados na Europa e em outras regiões do mundo.
Não à recessão no Brasil!
MARCIO POCHMANN, 52, é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp
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Artigo publicado em Folha de São Paulo.
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