Sim, a candidatura de Bolsonaro foi subestimada pelo PT. A figura de um parlamentar medíocre, com 3 décadas de vida pública inexpressiva, grosseiro, preconceituoso, intelectualmente limitado, incapaz de debater qualquer assunto com um mínimo de profundidade, politicamente isolado e em um partido inexpressivo nunca pareceu capaz de liderar um grande movimento nacional com potencial hegemônico. Para a esquerda, o golpe de 2016 encerraria o seu ciclo desembocando no grande arco político aglutinado pelo tucanato. Este seria o polo antipovo da disputa de 2018.
Correndo o risco do simplismo: desde 2013, a dinâmica de criminalização do sistema político, o espalhafato arbitrário da Lava Jato e a perseguição ao PT, combinados com a crise econômica, o desemprego e a carestia, semearam uma insatisfação difusa ao sistema político que tornou-se um terreno fértil para o surgimento de um movimento de viés fascista. O PT foi alvejado com gravidade: o “antipetismo” tornou-se uma epidemia.
Isto posto, é preciso dar nome aos bois: se o potencial do movimento de caráter fascista foi menosprezado por todos, a responsabilidade pelo seu crescimento é das forças historicamente ligadas ao campo neoliberal. Atribuir esta responsabilidade ao PT é um equívoco – ou pior, uma falsificação grosseira, um embuste. Ouso afirmar o contrário: o PT é a última trincheira de resistência ao fascismo, a força política capaz de oferecer uma alternativa para a maioria da população, o partido que sobreviveu ao linchamento diário dos últimos anos conservando a referência de quase 30% do eleitorado brasileiro.
Portanto, manter-se distante da disputa projetando cenários eleitorais em 2022 é um exercício de futurologia estranho à política. Cabe lembrar que Carlos Lacerda apoiou o golpe de 1964 visando uma candidatura nas eleições seguintes. Acabou com os direitos políticos cassados e preso pelos militares. Ou, para citar um exemplo mais recente: Marina Silva, após tentativa fracassada de surfar no antipetismo, incluindo um trágico apoio ao candidato derrotado Aécio Neves em 2014 e declarações favoráveis ao golpe que destituiu Dilma, derreteu completamente nas eleições de 2018, figurando atrás de figuras como Amoêdo e Cabo Daciolo.
Faltando 10 dias para o encerramento da campanha, abandonar a luta, dando de barato a vitória para Bolsonaro, é uma covardia que seguramente terá um preço no futuro próximo. Cobrar do PT concessões programáticas, “acenos ao mercado e à democracia” para “aglutinar o centro” é uma tentativa infame de capturar a agenda do país em qualquer cenário, interditar o debate programático e conservar os lucros da banca; é uma irresponsabilidade de quem, mesmo assistindo ao crescimento da ameaça fascista, insiste em estabelecer falsas simetrias e conservar ilusões de autopreservação; e uma capitulação de quem fetichiza a vitória de 2002 como uma receita sagrada para a vitória, fechando os olhos para a selvageria plutocrata e para a corrosão do sistema, incluindo a radicalização à direita do antigo “centrão”.
O terreno a ser semeado nos próximos dias precisa, no sentido contrário, expressar radicalidade democrática, enfrentar a armadilha da segurança pública – um dos pilares de sustentação do discurso bolsonarista – e explicitar que a pacificação tão desejada do país não será possível com um governo de reacionários ineptos, inimigos da reflexão e da cultura, ávidos por canibalizar os direitos do povo, “acabar com o ativismo” – palavras do próprio Bolsonaro – e a fiscalizar condutas com a régua do moralismo hipócrita e preconceituoso como medida, ancorados no aumento brutal da violência do Estado e no completo descontrole do Judiciário tupiniquim. Toda e qualquer aspiração política futura terá esta batalha como balizador: quem virar as costas agora para a defesa da democracia será cúmplice de qualquer tragédia que possa ocorrer.
Bernardo Cotrim é jornalista.
Artigo publicado originalmente em Revista Fórum.
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