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Mea Culpa? | Bernardo Cotrim

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Sim, a candidatura de Bolsonaro foi subestimada pelo PT. A figura de um parlamentar medíocre, com 3 décadas de vida pública inexpressiva, grosseiro, preconceituoso, intelectualmente limitado, incapaz de debater qualquer assunto com um mínimo de profundidade, politicamente isolado e em um partido inexpressivo nunca pareceu capaz de liderar um grande movimento nacional com potencial hegemônico. Para a esquerda, o golpe de 2016 encerraria o seu ciclo desembocando no grande arco político aglutinado pelo tucanato. Este seria o polo antipovo da disputa de 2018.

 Este erro, no entanto, não é um “privilégio” dos petistas: o PSDB, até outro dia a principal expressão política do campo neoliberal, desprezou a possibilidade de perder terreno, capital político e base eleitoral para a “nova direita” obscurantista; mais grave ainda: financiou estes novos “movimentos” durante a construção da eclética coalizão entre banqueiros, empresários, segmentos religiosos, parte do judiciário, PF e MP, partidos políticos, celebridades, empresas de comunicação e corruptos, mafiosos e fascistas de várias espécies com um objetivo central: usar a força para derrotar o PT e retomar a agenda neoliberal derrotada sucessivamente por 4 eleições.

Correndo o risco do simplismo: desde 2013, a dinâmica de criminalização do sistema político, o espalhafato arbitrário da Lava Jato e a perseguição ao PT, combinados com a crise econômica, o desemprego e a carestia, semearam uma insatisfação difusa ao sistema político que tornou-se um terreno fértil para o surgimento de um movimento de viés fascista. O PT foi alvejado com gravidade: o “antipetismo” tornou-se uma epidemia.

 No entanto, o “velho mundo” da política não saiu ganhando: a memória dos fracassos de outrora, combinada com o “mar de lama” que respingou em todos os partidos “tradicionais” e o protagonismo de tucanos e aliados no malfadado governo Temer, com suas reformas a destruir direitos do povo e amplificar os efeitos deletérios da crise, provocou um deslocamento acelerado da base eleitoral destes para as “novas expressões” da direita nacional, surfando numa onda antissistêmica que foi mal calculada por todas as forças políticas em disputa.

Isto posto, é preciso dar nome aos bois: se o potencial do movimento de caráter fascista foi menosprezado por todos, a responsabilidade pelo seu crescimento é das forças historicamente ligadas ao campo neoliberal. Atribuir esta responsabilidade ao PT é um equívoco – ou pior, uma falsificação grosseira, um embuste. Ouso afirmar o contrário: o PT é a última trincheira de resistência ao fascismo, a força política capaz de oferecer uma alternativa para a maioria da população, o partido que sobreviveu ao linchamento diário dos últimos anos conservando a referência de quase 30% do eleitorado brasileiro.

 Neste sentido, erra também quem lava as mãos para a disputa em curso no segundo turno. Não se trata apenas de um embate entre o petismo e o antipetismo: o que está em jogo nas eleições é a possibilidade de defesa da democracia versus a manutenção autoritária do sistema. Bolsonaro é, paradoxalmente, a derrocada do sistema para que tudo permaneça como está: é a substituição da mediação democrática pela força, a combinação do controle direto do Estado pelas corporações empresariais com o uso desmedido da repressão para o sufocamento da resistência dos trabalhadores.

Portanto, manter-se distante da disputa projetando cenários eleitorais em 2022 é um exercício de futurologia estranho à política. Cabe lembrar que Carlos Lacerda apoiou o golpe de 1964 visando uma candidatura nas eleições seguintes. Acabou com os direitos políticos cassados e preso pelos militares. Ou, para citar um exemplo mais recente: Marina Silva, após tentativa fracassada de surfar no antipetismo, incluindo um trágico apoio ao candidato derrotado Aécio Neves em 2014 e declarações favoráveis ao golpe que destituiu Dilma, derreteu completamente nas eleições de 2018, figurando atrás de figuras como Amoêdo e Cabo Daciolo.

Faltando 10 dias para o encerramento da campanha, abandonar a luta, dando de barato a vitória para Bolsonaro, é uma covardia que seguramente terá um preço no futuro próximo. Cobrar do PT concessões programáticas, “acenos ao mercado e à democracia” para “aglutinar o centro” é uma tentativa infame de capturar a agenda do país em qualquer cenário, interditar o debate programático e conservar os lucros da banca; é uma irresponsabilidade de quem, mesmo assistindo ao crescimento da ameaça fascista, insiste em estabelecer falsas simetrias e conservar ilusões de autopreservação; e uma capitulação de quem fetichiza a vitória de 2002 como uma receita sagrada para a vitória, fechando os olhos para a selvageria plutocrata e para a corrosão do sistema, incluindo a radicalização à direita do antigo “centrão”.

O terreno a ser semeado nos próximos dias precisa, no sentido contrário, expressar radicalidade democrática, enfrentar a armadilha da segurança pública – um dos pilares de sustentação do discurso bolsonarista – e explicitar que a pacificação tão desejada do país não será possível com um governo de reacionários ineptos, inimigos da reflexão e da cultura, ávidos por canibalizar os direitos do povo, “acabar com o ativismo” – palavras do próprio Bolsonaro – e a fiscalizar condutas com a régua do moralismo hipócrita e preconceituoso como medida, ancorados no aumento brutal da violência do Estado e no completo descontrole do Judiciário tupiniquim. Toda e qualquer aspiração política futura terá esta batalha como balizador: quem virar as costas agora para a defesa da democracia será cúmplice de qualquer tragédia que possa ocorrer.

Bernardo Cotrim é jornalista.
Artigo publicado originalmente em Revista Fórum.

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