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Meio milhão de mortos | Pedro Tierra

Não haverá reserva de pranto suficiente para lavar essa dor. E a que ainda nos espera. É necessário converter o sal das lágrimas na semente capaz de germinar em uma nova nação. A negação criminosa da pandemia destruiu a quimera de um destino comum. Que incluísse os pretos, os pardos, os pobres. A raça de cobre que nos precedeu e a conquista colonial exterminou. O que fazer com os sobreviventes? Todos nós que cumprimos a parcela de vida que nos cabe nesse território, falando a mesma língua que de algum modo organiza e exprime o que pensamos ou sentimos, devemos responder:

Que país seremos 

depois das valas comuns?

Ao fim do segundo verão da peste, 

se desata o tempo das valas comuns.

Cavadas por uma guerra surda 

contra os que, ao nascer, 

não trouxeram nome. 

Ou tiveram seus nomes 

cobertos pela cal viva 

dos nomes de santos: 

os que morrem de bala ou vírus 

nos morros, nas favelas, nos cortiços: 

os pretos, os pardos, os pobres, 

os que não deveriam ter nascido…

Para que deles não reste memória 

no coração dos filhos  

– ou das testemunhas – 

e dos que insistem em nascer 

durante e depois da pandemia.

E nenhuma voz se levante, 

                                                  tardia

e se atreva a cobrar do Poder 

o que foi fruto da fatalidade…

Para que só restem cinzas, 

varridas pelo vento e o olvido. 

Afinal, não é hora de apontar o dedo 

e buscar culpados… 

No país do esquecimento 

                                              nunca é hora de nomear culpados. 

Assim será mais uma vez… 

Para que deles não reste memória.

Que país seremos depois das valas comuns?

  • Pedro Tierra é um poeta brasileiro.

Brasília, 19 de junho de 2021 (Segundo dia do Levante contra o genocídio).  

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