Por Rosane Silva, no site da CUT.
Aproveitamos o mês de março para aprofundar nossas reflexões e luta diante das desigualdades que nos atingem no dia a dia. Questionar o capitalismo a partir do feminismo tem como uma de seus elementos centrais a compreensão de que a opressão e mercantilização da vida das mulheres estruturam o modelo atual. As relações sociais são marcadas pela lógica de que tudo é mercadoria, as relações entre as pessoas tornam-se uma relação entre coisas. E nós mulheres percebemos que esse modelo nos coloca numa posição de maior vulnerabilidade, não ganhamos com o capitalismo, tampouco com a globalização.
Poucas vezes refletimos sobre os padrões que nos são impostos e que acabamos adotando em nosso dia-a–dia, sem nos dar conta de que ele está conectado com aquilo que o capitalismo espera de nós.
Assistimos a reprodução do que é a opressão machista que nos torna mais vulneráveis, permitindo ao capitalismo explorar a mão de obra das mulheres em empregos precários e informais. Nesse aspecto, queremos questionar e desconstruir os mecanismos do mercado e as pressões da mídia para controlar nossos corpos e nossas vidas. Reforçamos nossa crítica ao livre mercado, pois ele reduz ao terreno das coisas o que é central para nossas vidas: a autonomia das mulheres.
Nesse cenário muitas vezes nos vemos acreditando que ter boa aparência seria algo importante para se conseguir um emprego. Significa que os critérios do que é ser uma boa trabalhadora está sendo ditado pelo mercado, pela indústria da beleza. Poucas vezes refletimos sobre os padrões que nos são impostos e que acabamos adotando em nosso dia- a – dia, sem nos dar conta de que ele está conectado com aquilo que o capitalismo espera de nós. O mercado se apropria da construção social sobre o que é ser mulher e reforça este estereótipo: discreta, silenciosa, bonita, maquiada e multifuncional.
De acordo com essa ideia as mulheres devem se manter em seu lugar de submissão e inferioridade, um objeto que não age de acordo com sua vontade. Nas diversas propagandas percebemos em qual lugar o sistema capitalista coloca as mulheres. Temos que ser bonitas dentro de um padrão estabelecido pelo mercado, logo é necessário consumir todos os produtos que garantam que atenderemos a esse perfil: para o cabelo ficar liso, ou crespo, ou loiro (de acordo com a tendência), para sermos sempre jovens, então devemos usar cremes, para o rosto, mãos, corpo e pés! Só sendo bela e esbelta seremos felizes, e para tanto, temos que consumir os produtos que nos oferecem.
O mercado também se apropria da separação entre os espaços público e privado e reforça o local onde as mulheres devem permanecer: no lar, ao lado dos filhos e da família. Por isso, tantas propagandas de produtos de limpeza destinados a facilitar nossa vida, para cumprirmos com o ideal de mulher eficiente, mãe zelosa e esposa submissa, com o intuito de conseguirmos deixar nossa família mais feliz. E se algum dia estamos cansadas com o trânsito, preocupadas com as pressões do trabalho ou com as notas escolares dos filhos, a indústria farmacêutica oferece a solução instantânea para esses problemas: basta uma pílula para a dor de cabeça, para dormir ou para relaxar.
O capitalismo nos coloca numa condição de permanente insegurança em relação ao nosso corpo, pois sempre precisamos de algum item a mais para sermos desejadas, queridas e felizes: silhueta fina, seios redondos, pele lisa, etc. Além disso, devemos atingir tal padrão de feminilidade a fim de estarmos sempre disponíveis, agradáveis e atraentes, cumprindo o papel de atender o que se supõe serem as expectativas masculinas (reais ou imaginadas). O capitalismo explora essa dependência e oferece produtos e serviços que naturalizam tal condição.
Dentro dessa imposição de um padrão de sexualidade e feminilidade a fim de atender aos desejos dos homens é que o mercado forja uma naturalização de fenômenos em nossa sociedade como a prostituição e a pornografia. Devemos estar atentas aos projetos que propõem a legalização da prostituição sob o falso argumento da garantia de mais direitos à mulheres. Esses projetos até o momento não trazem nenhuma proposta que rompa com o ciclo de submissão das mulheres aos desejos masculinos, ao contrário mantém a lógica de transformar nossos corpos e sexualidade em mercadoria.
No neoliberalismo, a mercantilização da vida passa por diversos setores e sua expansão atinge o espaço que antes era regulado pelo Estado, como a educação, saúde, seguridade social, energia, água, alimentação e a criatividade das pessoas.
A privatização dos serviços públicos tem seus efeitos nefastos especialmente sobre as mulheres. Na ausência desses serviços são as mulheres as principais responsáveis em garantir o bem- estar de todos: a socialização das crianças, o cuidado com os doentes, a busca por alimentos. A preocupação e garantia com o bem – estar das pessoas é abandonado pelo Estado e o capital repassa para o espaço privado essas tarefas.
Diante do desemprego e da responsabilidade assumida com a família, são oferecidas às mulheres saídas individuais e privadas como a procura por trabalhos precários, sem garantias, informais e em domicílio.
É no caminho oposto que nós, cutistas e feministas, devemos reivindicar um mundo melhor para as mulheres: com serviços públicos de qualidade na saúde, educação, por moradia digna e trabalho decente. Seja na forma de cooperativas, sindicatos e movimentos sociais, devemos incluir mais mulheres para atuarem de forma participativa e coletiva. Nossos corpos não são uma mercadoria e nós exigimos sermos tratadas como sujeitos com autonomia, que por meio de nossas práticas e ocupando o espaço público seguiremos em nossa luta cotidiana dizendo “Não” ao livre mercado.
* Rosane Silva é secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT e membro da Coordenação Nacional da DS.
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