Faleceu Manoel da Conceição. Foi dirigente e organizador do movimento sindical nos anos 60, no Maranhão. Anos mais tarde ajudou a fundar o PT e a CUT. Na ata de fundação do PT é o terceiro a assiná-la. Preso e torturado várias vezes pelos órgãos da ditadura, ainda nos anos 60, sob o governo de José Sarney no Maranhão pela UDN, foi baleado na perna. Sem cuidados por seis dias, gangrenou. O governo tentou comprar seu silêncio pelo ocorrido, ao que ele respondeu: – Minha perna é minha classe.
Um grande movimento de solidariedade levou Manoel da Conceição a São Paulo. Implantou uma prótese mecânica e participou da organização de comitês de fábrica e da oposição sindical. Visitou a China e voltou ao Maranhão em 1970. Foi preso novamente, em 1972, e transferido para o Rio, onde foi torturado no quartel da Polícia do Exército na Tijuca e no Centro de Informações da Marinha, sofrendo graves sequelas.
Acolhido pelo então presidente da CNBB, dom Aloisio Lorscheider, retornou a São Paulo, sob a proteção de dom Paulo Arns e do pastor James Wright, mas foi novamente preso e torturado no DOI-Codi de São Paulo em 1975. Foi necessária a intervenção direta do papa Paulo VI junto a Ernesto Geisel para que Manoel da Conceição fosse exilado em Genebra, na Suíça, onde participou da resistência à ditadura brasileira. Manoel foi um dos primeiros exilados a retornar com a Anistia em 1979.
Manoel da Conceição nos deixa hoje, 18 de agosto de 2021, no mesmo dia em que o ex-presidente Lula chega ao Maranhão, na atual viagem ao nordeste e diz: “Manoel da Conceição foi um militante histórico do Partido dos Trabalhadores. Um dos primeiros signatários do nosso partido. Combatente da ditadura, teve um papel fundamental na luta pela democracia do nosso país. Mas foi, além de tudo, um grande amigo. Chego hoje ao Maranhão com grande pesar por não poder encontrá-lo, mas com a certeza de que seguiremos honrando sua luta e seu legado em defesa do Brasil que sonhamos construir juntos”.
Em 2010, a editora da UFMG, publicou o livro – Chão da Minha Utopia – com três objetivos. O primeiro: resgatar a memória da luta dos camponeses maranhenses pela posse da terra, através do depoimento de um de seus principais líderes, Manoel da Conceição. O segundo: mostrar como essa luta continua, agora impregnada da fundamental relação entre sustentabilidade e sobrevivência. O terceiro: homenagear um homem que um dia foi considerado um subversivo indomável e que mesmo tendo conhecido de perto a dureza da prisão, da tortura e do exílio continua firme em sua utopia de que um mundo melhor ainda é possível.
Na apresentação do livro, que contou com o apoio do MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário, escreveu o ministro Guilherme Cassel:
“Muitos foram os personagens da nossa história comum que enfrentaram diretamente os desafios da questão agrária. Alguns foram homens de ação, cuja iniciativa soube lidar com a fragilidade dos negócios humanos e com os riscos de uma aventura rumo às incertezas da história. Outros foram homens de palavra, que, com uma luz singular e poética, dotaram de sentido e preservaram do esquecimento iniciativas memoráveis. Por esses motivos, esta obra pretende relembrar essas ações e essas palavras, ao recuperar a trajetória do líder camponês Manoel da Conceição – um subversivo indomável, como definiu, em entrevista famosa, o jornal O Pasquim, esforçando-se para explicar a história de vida de um personagem que participou do Movimento de Educação de Base; animou a revolta do Pindaré-Mirim; militou na organização de esquerda Ação Popular; ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores; e, ainda hoje, atua politicamente em organizações e cooperativas de trabalhadores rurais no sul do estado do Maranhão. A história que Manoel da Conceição nos conta é de resistência à opressão, de vivências de expulsão de terras, de busca por justiça, pelo fim da ditadura militar no Brasil e pela conquista dos direitos humanos. Com o objetivo de garantir não só as terras, mas uma formação política permanente ao trabalhador rural, Manoel da Conceição ampliou sua luta – passou a incluir educação, crédito, uso de um agroextrativismo capaz de firmar a coexistência entre homem e natureza e a organização da produção dos agricultores familiares. Suas lutas são muitas. Contam a aventura da construção de um outro mundo possível.”
Do mesmo livro, trecho do depoimento de Manoel da Conceição, da luta desde muito jovem:
“Meu pai tinha essa terra de dois hectares em Buriti. Era propriedade de herança de bisavô, avô, até chegar no meu pai. (…) Encostado na nossa terra, tinham outras pequenas propriedades vindas também de herança de longa data. (…) Arrodiando essas terras existia uma grande propriedade do chamado Luís Soares, cujo apelido era Capitão Soares. Esse capitão tinha terra espalhada no Maranhão quase inteiro. Em 1952, 1953, esse cara morre. (…) Daí em diante, a viúva ficou com todo o poder de Luís Soares e se transformou numa peste. Começou a cobrar o aluguel das terras, dessas terras que eram de herança, de que a gente era dono. Os caras que tinham feito verbalmente compromisso com Luís Soares começaram a reagir: “A gente não paga. Essa terra é nossa, pra que é que vai pagar aluguel? Que tomar terra nossa coisa nenhuma!” Meu pai foi um dos que resistiram e, por fim, em 1955, a viúva invadiu essa propriedade e nos expulsou das terras. Invadiu com jagunços municipais. (…) Meu pai foi expulso da terra dele e com ele a gente também. Meu pai procurou a Justiça, levou a questão a juízo. Mas, como essa senhora viúva do Luís Soares tinha ficado com todo o prestígio do marido, o juiz deu ganho de causa pra ela. Perdemos a questão, perdemos todos os direitos. (…) Em outros povoados, como o de Santa Rosa, se deu a mesma coisa, mas não foi por causa do Luís Soares. (…) Lá tinha uma igreja católica e um comerciante chamado Raimundo João. (…) Raimundo João foi indo, foi ricando e começou uma compra de terra na aldeia de Bacabalzinho. Depois que Raimundo João estava com esse horror de terras compradas, começou a impor condições. Eu digo assim comprada, mas na verdade não é comprada. Eles vão lá no Departamento do Estado e dizem: “Olha, em tal região eu queria um requerimento de trinta, quarenta mil hectares. São terras que não têm dono, não têm morador, não têm benefício nenhum. Eu queria trabalhar nessas terras, legalizar e ficar com elas.” Os moradores não têm nenhum registro. O pessoal nasce lá, se cria, só tem um registrozinho de batizado que o padre dá e nada mais. Todo mundo casado no catolicismo.
Fica assim mesmo. (…) Nós, no começo, não aceitamos essa expulsão pacificamente. A gente organizou uma resistência armada, a única solução da época. No dia em que os jagunços municipais vieram com a polícia, caíram num cerco, mas não foi ninguém ferido. (…)Tomamos os rifles, os revólveres, as facas que eles traziam. Guardamos tudinho em casa.”
Hoje escreveu o companheiro Raul Pont:
“Bah! Só notícia ruim. Que pena. Mané era uma figura. Fala mansa, baixinha. Quantas vezes conversamos nas reuniões do DN dos primeiros anos do Partido, sobre suas lutas, sua trajetória e suas opiniões sempre firmes na defesa de um partido classista, nosso, sem conciliações. Uma grande perda pra todos nós. Me orgulho muito de ter convivido com ele no DN e ser um dos entrevistados no livro da FPA ” Muitos Caminhos. Uma Estrela” onde ele também deu seu depoimento. Manoel é mais uma estrela que continuará nos iluminando.”
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