Esta tese ao 5º Congresso do PT apresenta a opinião de companheiras e companheiros da Mensagem ao Partido de diversos estados, identidades internas, formas de militância, que compreendendo a relevância e complexidade do momento histórico do PT e do Brasil, se somam nessa iniciativa coletiva e plural de defender o socialismo e a democracia, apontando para um novo ciclo de mudanças democráticas no país.
I. Mundo
A situação política internacional
Sete anos depois da eclosão da crise econômica do capitalismo desenvolvido, ainda persistem dúvidas sobre a superação dessa fase. Os resultados da crise do neoliberalismo têm sido desiguais nos países centrais. A recuperação da atividade econômica nos EUA não é suficiente para repor a globalização neoliberal em seus antigos patamares. Além disso, essa recuperação ainda limitada se faz sem recuperar o nível dos salários, ou seja, consolidando a desigualdade e uma nova zona de pobreza nos países centrais, incluídos os EUA.
A hegemonia neoliberal retrocedeu, abrindo novos espaços políticos de alternativas tanto no plano nacional como internacional. Ao mesmo tempo, novos debates vêm se colocando com relativa força: a questão do desenvolvimento e do Estado, da democracia, das classes sociais e da própria crítica ao capitalismo. É importante lembrar que essas discussões estavam soterradas no tempo do pensamento único. Quiçá, possamos em breve ter o socialismo como tema atual. É para isso que lutamos.
A vitória da coalizão de esquerda Syriza nas eleições gregas e a busca de uma negociação por fora da agenda da Troika europeia é o primeiro sinal de ruptura da ordem no Norte desenvolvido. É verdade que aconteceu num dos elos fracos, em um país periférico da economia da UE. Mas o rápido crescimento da plataforma eleitoral de oposição à esquerda Podemos na Espanha parece apontar que a Grécia não é exceção, mas um novo capítulo da disputa de rumos nesse continente. É a primeira vez, desde que na França o governo Miterrand abandonou seu programa econômico progressista para aderir ao outro neoliberal em meados da década de 1980, que um país europeu ensaia sair do consenso econômico conservador.
Este é um momento em que os principais países latino-americanos – pelo seu tamanho, economia, população, etc. – sob governos progressistas enfrentam dificuldades macroeconômicas, duras pressões do mercado financeiro internacional e a ingerência do governo dos EUA, como podemos ver no caso da Venezuela, pioneira política do ciclo e a que mais se atreveu no caminho da agenda pós-neoliberal.
O mundo encontra-se em um processo de reacomodação da geometria do poder depois de passado o momento mais duro da crise do capitalismo desenvolvido em 2007-9, que tem várias dimensões. Uma econômica, em que os EUA lutam contra a perda de sua hegemonia. Uma política, com a busca de consolidar novos polos de poder que sejam capazes de contrabalançar a tentativa norte-americana de impor um mundo unipolar. Uma militar, em que o imperialismo norte-americano e seus aliados da OTAN continuam tentando definir o mapa mundi de acordo a seus interesses sem se importar com os custos humanos nem com os desequilíbrios regionais agudos provocados (como o surgimento do “Estado Islâmico” em territórios de Iraque e Síria).
O Brasil é um ator importante nas dimensões política e econômica dessa disputa (já no terreno militar, apenas pode aspirar a criar melhores condições para sua defesa e tentar retirar a América do Sul da esfera de influência dos EUA). Iniciativas como a ampliação do Mercosul, a constituição da CELAC, a consolidação da UNASUL e a atuação do Brasil junto a outras economias e potências emergentes (China, Rússia, Índia, África do Sul, etc.) em diversos “tabuleiros” tem um potencial expressivo na disputa por redesenhar a geometria do poder mundial para além do “mundo unipolar” ideado pelo EUA no cenário do fim da URSS no começo dos anos 1990.
O projeto econômico-social da revolução democrática brasileira não será possível sem um cenário regional amigável – com fortes e decididas tendências à integração dos países da América do Sul – e sem um marco internacional de contenção dos apetites do imperialismo norte-americano.
Dez anos atrás, em 2005, na cidade de Mar del Plata, Argentina, os governos progressistas, com destacada atuação do governo brasileiro, e os movimentos sociais e sindicais combativos da região derrotaram a principal estratégia dos EUA na região, a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), iniciativa lançada pelo governo norte-americano em 1994 para manter sua hegemonia hemisférica. Durante os mandatos do presidente Lula o Brasil mostrou uma capacidade de liderança regional e internacional inéditas e que foi saudada por todas as forças democráticas, progressistas e de esquerda do mundo. Já no final do primeiro mandato da presidenta Dilma, a reunião dos BRICS e destes com UNASUL e Mercosul, no Brasil, puseram em evidência que há uma agenda potente no plano regional e internacional e muito importante para a própria estratégia do governo no Brasil: Uma nova arquitetura financeira internacional assomou dessas deliberações e uma aproximação de nossa região aos polos geopolíticos alternativos aos da hegemonia norte-americana.
O Mercosul de hoje, não estabelece apenas acordos comerciais, cria espaços institucionais para uma agenda social, de acordo e cooperação entre os países. A UNASUL foi repensada de acordo com esses mesmos parâmetros: respeito, pluralidade e cooperação. É preciso aprofundar essas conquistas. Implementar o estatuto de cidadania do Mercosul, regulamentar a unidade de participação social do Mercosul, fortalecer e ressignificar o Programa Mercosul Social e Participativo, fortalecer e construir o Fórum de Participação Social da UNASUL e elaborar uma estratégia articulada de intervenção na UNASUL e no Mercosul são importantes desafios para o próximo período.
Um mundo multipolar está em curso. Será resultado de uma árdua luta dos povos para consolidar essa perspectiva histórica. O Brasil tem um papel insubstituível a jogar nessa disputa. Somente um governo liderado pelo PT com as demais forças da esquerda brasileira poderá cumprir essa tarefa.
A atualidade do socialismo petista
As resoluções “O socialismo petista” e “Socialismo”, aprovadas respectivamente no 7º Encontro Nacional (1990) e no I Congresso do PT (1991), são marcos centrais da cultura petista e enriquecem a cultura do socialismo democrático com princípios e formulações alternativos às grandes linhas das experiências da socialdemocracia de adaptação ao capitalismo, do estalinismo, de negação do socialismo.
O valor histórico destes documentos está em, ao mesmo tempo, ter mantido a identidade socialista do PT e aprofundado a sua cultura democrática, projetando-as para as duras disputas que viriam na década de 1990. Se o PT teve nessa época capacidade para resistir à esmagadora onda liberal conservadora internacional que se seguiu ao fim da URSS e do Leste Europeu, ao contrário de tantas outras forças socialistas no mundo inteiro, isto se deve, em grande medida, aos méritos históricos destes dois documentos.
Estas resoluções apresentam três dimensões fundamentais. A primeira delas se refere à crítica da presença em sua própria cultura daqueles pensamentos que ainda mantinham alguma ambiguidade de posicionamento em relação aos regimes do Leste Europeu, em nome da visão da existência de um chamado “campo socialista” oposto às forças centrais do capitalismo.
A segunda grande dimensão está na radicalidade da defesa do pluralismo como princípio fundamental da democracia socialista. A noção de que o PT não possui uma filosofia oficial, que é uma síntese dinâmica e aberta de “culturas libertárias”, entre elas, do “cristianismo social, marxismos vários, democratismos radicais, doutrinas laicas de revolução comportamental etc.”, é afirmada.
A terceira importante dimensão reside na defesa da ideia de que a construção do socialismo requer “um renovado esforço crítico especulativo, capaz de relançar ética e historicamente a perspectiva da democracia socialista”. Mais adiante afirma: “Daí porque recuperar a dimensão ética da política é condição essencial para o restabelecimento da unidade entre socialismo e humanismo”.
Ao recusar o dilema Estado e mercado, as resoluções apontam para o potencial transformador das culturas participativas e da criação de espaços públicos em mútua configuração com novos princípios de regulação econômica e um pluralismo de formas de propriedade social.
Esse aprofundamento da sua identidade socialista democrática foi fundamental para o PT preservar a sua identidade, a sua unidade e ser capaz de traduzir o seu projeto de governar o Brasil na linguagem da consciência democrática em formação dos brasileiros.
Esta identidade lhe permitiu distinguir-se da chamada Terceira Via, personificada no Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso, e, ao mesmo tempo, ir construindo um campo de oposição a esse governo. O PT contrapõe o campo neoliberal, que se apresentava sob a forma de um cosmopolitismo moderno, afirmando-se como alternativa de mudanças frente à insatisfação crescente, decorrente da crescente desigualdade social que atinge proporções alarmantes no governo FHC.
Nesse contexto, o PT, com base nos princípios do socialismo democrático, foi capaz de dialogar com parcelas da sociedade que avançavam na formação da cultura democrática brasileira. É interessante, neste sentido, identificar as vitórias da “razão democrática” petista sobre o liberalismo do PSDB que precederam o triunfo eleitoral de outubro de 2002.
Estas conquistas devem inspirar o PT na atualização de sua visão de socialismo. O socialismo é um princípio de civilização alternativa ao capitalismo. Requer a construção de outro modo de produção e distribuição, de outro paradigma de Estado e a organização de outro modo de vida social. Neste sentido, importa indagar como se produzem as desigualdades sociais e quais as condições de enfrentamento que o Estado pode promover em sistema capitalista que se manifesta nas diferentes esferas da vida social.
A noção de uma revolução democrática visa exatamente estabelecer a coerência entre o programa histórico do PT e os valores do socialismo democrático que ele pretende construir. Isto é, o PT precisa se reinventar para liderar uma ampla e plural frente político-social capaz de refundar o Estado brasileiro, em uma dinâmica de aprofundamento e radicalização dos direitos democráticos dos trabalhadores e dos setores populares, do direito à igualdade, à diversidade, à inclusão e à sustentabilidade socioambiental.
Esta revolução democrática se organiza a partir da legitimidade das vontades das maiorias, em regime de soberania popular, de construção da opinião pública democrática, garantindo e ampliando as liberdades públicas, o pluralismo partidário, o respeito aos direitos das minorias, a autonomia e os direitos humanos dos cidadãos e das cidadãs.
II. Brasil: mudanças e perspectivas da esquerda
Conquistar a governabilidade programática
Chamamos de conquista da governabilidade programática a construção das condições de por em prática o programa de governo eleito em 2014 que alia a democratização do poder a um novo ciclo de desenvolvimento com distribuição de renda e democratização do acesso à propriedade (reformas agrária, urbana e regulação democrática dos meios de comunicação), ancorado no fortalecimento da esfera pública da economia frente aos mercados e na ampliação de direitos em uma pauta libertária e avançada em relação aos direitos humanos.
A resolução deste triplo desafio está na organização programática da base política e social do governo como protagonista ativa e permanente na conjuntura do país. É assim que será possível criar uma nova legitimidade para um novo ciclo macro-econômico desenvolvimentista e socialmente distributivo e inclusivo, fazer um contraponto ao conservadorismo e reverter a conjuntura imposta pelos planos de desestabilização antidemocrática.
Desde o fim das eleições, perdemos capacidade comunicativa (com o fim do horário eleitoral gratuito e com a dispersão abrupta e arbitrária da nova e poderosa rede virtual construída), estabelecemos uma cisão na narrativa e na unidade política de nossa própria base – em particular com as escolhas do Ministério da Fazenda e suas primeiras decisões –, sofremos uma derrota na Câmara Federal cujas proporções e simbolismos poderiam ser evitadas e nos expusemos, sem defesa pública articulada, a um incessante e crescente processo de desestabilização e de criminalização do PT através da ação da oposição política-midiática neoliberal-conservadora e da instrumentalização para fins partidários de setores do Judiciário e da Polícia Federal, agredindo os mínimos princípios republicanos. Nessa conjuntura, ao PT cabe atuar em favor de uma profunda reforma do sistema político a fim de responder aos anseios democráticos, que demonstram a fragilidade de consolidação do projeto democrático, em um modelo formal de democracia, que não enfrenta radicalmente as desigualdades de renda e de poder.
O centro do caminho hegemônico é disputar e ocupar a liderança da luta democrática, em um movimento articulado do governo Dilma, do PT e partidos de esquerda e dos movimentos sociais. É a partir desta centralidade que devem ser articulados programaticamente a defesa do avanço nos direitos sociais e a retomada de um novo ciclo econômico desenvolvimentista, distributivista e sustentável. Ele pressupõe uma disputa de valores, de agendas e de programas, forte e permanente na sociedade, para fazer frente à pressão midiaticamente rearticulada neoliberal e conservadora.
A experiência das eleições de 2014 reconfigurou a oposição, confirmou e sedimentou a identidade do PSDB e das forças conservadoras que se articulam em torno de seu projeto neoliberal como um partido golpista da democracia e disposto à criminalização da esquerda brasileira, em particular do PT. Estas dimensões que se mostraram salientes desde 2005, atingiram um novo patamar na disputa do segundo turno das eleições presidenciais de 2010 pela candidatura Serra e se configuraram estrategicamente através da candidatura de Aécio Neves à presidência em 2014. Na linguagem da revolução democrática, trata-se de uma estratégia clara de contrarrevolução democrática, isto é, o retorno de um programa neoliberal radicalizado se vincula a uma agressão aberta aos padrões democráticos e republicanos já conquistados pelo povo brasileiro.
Esta identidade e esta estratégia da contrarrevolução democrática combinam as seguintes dimensões:
· Um novo sentido orgânico das forças que lideram a resposta mundial à crise do capitalismo de 2008, com a perspectiva de reinserir o Estado brasileiro nesta dinâmica conservadora, inclusive no plano do continente latino-americano;
· A instrumentalização aberta de setores do Judiciário e do aparato policial do Estado brasileiro para gerar uma dinâmica permanente de desestabilização do governo;
· A adoção de uma política de “guerra de saturação” midiática que leva a todas as esferas da vida social (religião, esporte, entretenimento, vida familiar etc.) um discurso de intolerância em relação aos valores da esquerda e à sua própria legitimidade;
· A mobilização permanente de manifestações de rua, que procuram conferir legitimidade simbólica às campanhas de desestabilização;
· A adoção como tática permanente do impedimento judicial ou do impeachment pelo Congresso Nacional do governo democraticamente eleito.
. A mobilização de iniciativas reacionárias e regressivas em relação aos direitos da juventude, dos/as negros/as, das mulheres e dos/as LGBT, como a que foi colocada em movimento pelas bancadas neoconservadoras do Congresso Nacional: tentativa de reduzir a maioridade penal e de bloquear o fim dos autos de resistência, a legislação sobre a legalização do aborto, a legislação que criminaliza a homofobia (e, paralelamente, a proposta de Dia do Orgulho Hétero), etc.
Como vem afirmando a Mensagem ao Partido nos últimos dez anos, não se combate este liberalismo conservador com pragmatismo político nem com uma visão de esquerda que dissocia socialismo de republicanismo, que retira o sentido estratégico da luta democrática dos socialistas em nome de uma “utilização instrumental das instituições da democracia burguesa”. Estas duas identidades, em particular a cultura do pragmatismo muito corrente na experiência petista, abriu um flanco histórico para se desenvolver, através do discurso instrumental e ideológico dos neoliberais, um antipetismo na sociedade brasileira, para além de suas bases classistas originais, isto é, retirando o apoio ao PT e à esquerda em setores progressistas e até em setores populares.
Combater a corrupção sistêmica
O sentido público do programa transformador do PT, em sua perspectiva socialista democrática, exige que ele assuma a liderança no combate pelo fim da corrupção sistêmica no Estado brasileiro, relacionada ao conjunto de sua plataforma de democratização do poder. Não pode haver uma ética socialista do PT sem uma ética pública, isto é, a corrupção ou a convivência com a corrupção mina a própria identidade socialista do PT. O privatismo liberal, ao contrário, ao entender a corrupção como um fenômeno próprio do Estado e não como uma legitimação de interesses e privilégios privatistas para além daqueles formados democraticamente pelo interesse público, é incapaz de por fim às raízes da corrupção. As democracias liberais contemporâneas, nestes tempos de domínio neoliberal, estão profundamente marcadas pela corrupção sistêmica.
Contra a narrativa da criminalização do PT, reproduzida nos últimos anos, é preciso construir, no contexto da investigação da corrupção na Petrobrás, à luz do olhar crítico, outra narrativa que se compõe, fundamentalmente, de seis eixos:
1) A corrupção no Estado brasileiro é sistêmica e não eventual, tem origens históricas na formação antirrepublicana do Estado brasileiro e se renova com o financiamento empresarial bilionário das campanhas eleitorais, no quadro de um capitalismo fortemente rentista e patrimonialista;
2) Os governos Lula e Dilma, com o apoio do PT, construíram os instrumentos inéditos na história republicana brasileira de prevenção, investigação e punição da corrupção, ao contrário dos governos do PSDB e demais conservadores cuja marca central é a corrupção não investigada e impune;
3) As práticas antirrepublicanas vigentes no sistema político brasileiro afetaram também setores do PT e praticamente todos os partidos com maior expressão eleitoral na democracia brasileira.
4) O PT já decidiu expulsar sumariamente todo filiado que estiver comprovadamente envolvido com casos de corrupção, que é incompatível com os valores socialistas democráticos e republicanos por nós defendidos;
5) O PT não vê autoridade do PSDB e da mídia liberal-conservadora em sua disposição de acusar e criminalizar o PT exatamente porque são os maiores defensores do financiamento empresarial das campanhas, dos interesses rentistas e patrimonialistas e da impunidade.
6) A investigação da corrupção na Petrobrás, em um esquema iniciado já nos governos FHC, é mais uma prova irrefutável do compromisso do PT e do governo Dilma em combater a corrupção, que só pôde ocorrer a partir da nova lei apresentada pela presidenta Dilma de punir as empresas corruptoras.
É preciso aprofundar o programa democrático do PT para por fim àcorrupção sistêmica no Estado brasileiro. Este programa deve ser vinculado aos princípios anti-neoliberais e democráticos do programa histórico do partido em favor da democracia participativa, contra a privatização do Estado, em defesa do sentido público das empresas e instituições do Estado, de denúncia dos circuitos financeiros desregulados que são, por excelência, a matriz e o conduto da corrupção.
Este programa deve se afirmar nos seguintes campos de iniciativas:
· A luta pelo fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais e dos partidos, que renovam os circuitos da corrupção sistêmica no Estado brasileiro;
· A adoção de medidas para o controle das remessas financeiras para paraísos fiscais, que desde o período neoliberal se desenvolvem e crescem sem nenhum controle ou regulação eficaz;
· A execução das cinco propostas defendidas na campanha da presidenta Dilma Rousseff que incidem exatamente sobre a impunidade e penalização dos corruptos;
· A generalização para as empresas estatais, esferas estaduais e municipais de governo de uma política de combate sistêmico à corrupção que criaram um novo paradigma de prevenção no governo federal.
Por um novo ciclo participativo nacional
Um novo ciclo participativo deve ser pensado como um momento fundamental de construção da legitimidade programática do segundo governo Dilma, de diálogo com a sociedade brasileira.
É preciso retomar com centralidade a noção de que a participação e o diálogo cidadão, a criação de espaços públicos de deliberação e de discussão, são princípios de um Estado democrático e republicano, baseado na soberania popular.
Por esta razão, um novo ciclo de participação deve ser concebido como nacional (federal, estadual e municipal), abarcar os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e fundamentar todas as políticas de governo (na área econômica, social, ecológica, cultural e principalmente política).
Deve aprofundar a combinação entre democracia representativa eleitoral parlamentar, democracia de participação cidadã delegativa (conferências, conselhos, orçamentos participativos) e democracia cidadã direta (referendos, plebiscitos, consultas). Até agora, temos trabalhado, no fundamental, de forma desvinculada a democracia eletiva parlamentar (em processo de forte adaptação a um modelo de competição mercantil e elitista), a democracia cidadã delegativa (que, em alguma medida, no plano nacional se adaptou às dinâmicas corporativas de cada área temática) e feito pouco uso da democracia cidadã direta. A dimensão participativa no plano legislativo do Congresso Nacional ficou secundarizada ou tratada no plano de lobbies de interesses e tem havido um inequívoco processo de rotinização corporativa das conferências nacionais.
Este novo ciclo participativo nacional deve incorporar, portanto, com centralidade o tema da reforma política. A proibição do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, se conquistada, deveria ter exatamente como contrapartida a aproximação entre as dinâmicas partidárias, eleitorais e parlamentares à moldura mais ampla da participação cidadã.
A luta pela reforma política no segundo governo Dilma
A candidatura Dilma nas eleições presidenciais de 2014 iniciou um diálogo importante com o sentimento democrático e republicano do povo brasileiro e que foi decisivo nem sua vitória. Ele agora precisa ser aprofundado, ganhar conformação política nítida, identidade simbólica, força comunicativa e raiz social.
Nos últimos anos, em um nítido contraste com a melhoria geral das condições de vida da população e o crescente ativismo de segmentos antes excluídos da sociedade, no sistema político brasileiro são os setores de maior poder econômico que têm conseguido ampliar crescentemente o seu poder de influência sobre partidos, candidatos e, por essa via, sobre os próprios órgãos do Estado, em todas as esferas, federal, estadual e municipal.
Desde a redemocratização, e apesar da consolidação das nossas instituições democráticas, os principais problemas identificados no sistema político brasileiro são o personalismo e o abuso do poder econômico, responsáveis diretos pelas distorções da democracia brasileira e origem da maioria dos casos de corrupção no país.
A partir da identificação destes principais problemas do modelo atual é preciso construir propostas capazes de constituir uma maioria sólida na sociedade para sua aprovação no Congresso Nacional. Existem hoje dois grandes grupos em disputa na cena política nacional.
No primeiro, encontram-se aqueles segmentos que já dispõem de farto acesso aos recursos dos financiadores privados das campanhas eleitorais que elaboram a verdadeira “lista fechada” dos candidatos de sua preferência. Numeroso e discreto, esse grupo quer deixar tudo como está, contando, para isso, com a simpatia de parte importante da grande mídia e seu trabalho cotidiano de criminalização da política e desinformação sobre as verdadeiras causas dos casos de corrupção que se repetem nos noticiários, envolvendo políticos, empresários e agentes públicos. No segundo grupo, encontram-se aqueles que acreditam que nossa democracia está se tornando um sistema censitário disfarçado, que dificulta sobremaneira a representação dos setores mais pobres da sociedade, subrepresenta as mulheres, despolitiza o voto e vem mostrando sinais claros de esgotamento e distorções graves no processo eleitoral.
Quatro elementos são de grande importância para a qualificação da democracia e da política brasileira:
. O combate à influência do poder econômico, por intermédio do financiamento público exclusivo, ou a proibição da contribuição de empresas e teto de contribuição de pessoas físicas nas eleições e para partidos, que determinaria uma forte redução dos custos de campanha;
. O fortalecimento dos partidos;
. A manutenção do sistema proporcional
. A ampliação da participação da sociedade na política e gestão do Estado.
Além de um novo sistema de financiamento de campanhas e partidos, é urgente um novo modelo de eleição proporcional, com voto em lista fechada e alternada por gêneros. Hoje a proposta de que cada eleitor passe a ter direito a dois votos – no primeiro, ele vota numa lista de candidatos do partido de sua escolha; no segundo, ele vota no seu candidato da lista – é a que tem a maior preferência. No caso da lista, defendemos que os candidatos sejam definidos em votação secreta pelos filiados ou convencionais dos partidos. Com esta proposta metade das vagas conquistadas pelos partidos nas eleições será destinada aos candidatos ordenados na lista e a outra metade aos candidatos nominalmente mais votados, mantendo o sistema proporcional.
O voto uninominal, como é hoje no Brasil, personaliza a escolha e, portanto, não ajuda a consolidar a relação do eleitor com um programa e um partido. O voto em lista fortalece os partidos e a escolha de propostas, ideias e programas. Além das iniciativas que passam pelo Congresso, devemos ampliar a pressão sobre o STF para que julgue a Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada pela OAB, sobre o financiamento de candidaturas por Pessoa Jurídica nas eleições. Com placar de seis votos a um, de um total de 11, favoráveis à vedação das doações de empresas para campanhas eleitorais, o julgamento está paralisado, desde abril de 2014, em função do pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes.
Os movimentos que se organizaram na luta pela reforma política e realizaram em 2014 o plebiscito pela convocação de uma Assembléia Constituinte Extraordinária no dia 7 de setembro, com mais de 7 milhões de votos, e também, através do Movimento Eleições Limpas, coordenado pela OAB, CNBB, UNE, CUT e um conjunto de mais de 100 entidades, encaminharam projeto de reforma política ao Congresso Nacional – acumularam um patamar inicial importante de mobilização e organização. Mas precisam agora estabelecer, de forma mais nítida, uma relação com a luta contra a corrupção, que não foi alcançada durante o processo eleitoral de 2014 e é fundamental para dialogar com a consciência crítica dos brasileiros em relação à política.
A comunicação pública e a capacidade comunicativa do campo democrático-popular
Existe uma vantagem estrutural – isto é, não conjuntural ou parcial – das classes dominantes no plano da comunicação. Este caráter estrutural pode ser definido como resultante da convergência de uma tripla vantagem:
. O prevalecimento em regime de oligopólio das grandes empresas nos meios de comunicação em detrimento da propriedade pública;
. A ausência de uma regulação democrática e o impedimento prático dos elementos republicanos contidos na Constituição de 1988 (propriedade de meios de comunicação por políticos, neutralização do direito de resposta, não respeito ao pluralismo etc.);
. A indigência ou, na melhor das hipóteses, um subdesenvolvimento histórico da potência comunicativa das redes organizativas, comunitárias e sindicais e, em particular, do maior partido da esquerda brasileira.
Esta tripla desvantagem estrutural só é revertida conjunturalmente em situações excepcionais quando o sistema público democrático de propaganda eleitoral, a presença ativada e multiplicada da esquerda nas redes virtuais e a mobilização democrática e popular convergem em torno a uma narrativa comum. Em situações normais, a vantagem estrutural é massacrante: um sistema nacional, disseminado em todas as regiões, com acesso à audiência de todas as classes sociais, incidindo sobre todas as dimensões da vida social, agenda, enquadra, impõe um padrão sistemático de desinformação e converge para a formação anti-pluralista de opinião.
Se avançamos na Constituição de 1988 no direito público do voto, o mesmo não se deu em relação ao direito de voz. Esta contradição está no centro do impasse na democracia brasileira. Formada em uma cultura do silêncio, com o passado colonial, uma tradição autocrática de Estado e a formação de um dos sistemas empresariais mais concentrados do mundo, as grandes maiorias jamais tiveram direito à voz pública no Brasil. Há um grande contraste com o caráter monocrático do poder de voz da direita liberal e conservadora, dos ricos, dos brancos, dos homens, dos adultos e o pluralismo social, religioso, étnico e cultural do povo brasileiro.
Os inteesses do capital financeiro organizam os meios de comunicação, centralizam agenda, formação de opinião, disputa de valores. É necessário que o campo democrático e popular organize uma grande plataforma comunicativa para a disputa de hegemonia.
Há uma demanda contida e até reprimida de acesso a rádios comunitárias por parte de entidades democráticas e populares que precisa encontrar resposta urgente no Ministério das Comunicações. Esta rede de rádios comunitárias é importante no sentido de formar um poder comunicativo enraizado em todo o território nacional.
Cada grande região metropolitana do país, que concentra os centros da disputa de formação de opinião, deve uma rede própria de comunicação democrática e popular, articulada as referências nacionais de mídia alternativa, fazendo convergir para ela, em seu pluralismo e autonomia, toda a potência comunicativa dos movimentos e partidos dirigidos pela esquerda.
A medida central de uma regulação democrática da comunicação é o impedimento da concentração e propriedade cruzada, que no Brasil supera em muito os índices nas democracias ocidentais.
Há, além disso, a imperiosa necessidade de reformular, a partir do dever do Estado em promover o pluralismo, os critérios técnicos de distribuição das verbas de propaganda do governo, em coerência até com o seu novo sentido cívico.
Um trabalho legislativo importante será o de tornar efetivo e proporcional o direito de resposta na democracia brasileira, avassalada hoje pela impunidade dos métodos de calúnia pública, tão típicos dos neoconservadores.
O desafio democrático-popular é:
. Colocar em prática e potencializar o princípio inserido na Constituição de 1988, que prevê a complementaridade entre um setor público estatal, um setor privado e um setor público não estatal de radiodifusão.
. Unir o sistema educacional que está sendo construído e o sistema público de cultura que vem se projetando.
. Um sistema público de comunicação, dirigido por conselhos pluralistas e mistos de representação do governo e da sociedade civil, deve fortalecer a EBC para a consolidação de uma TV pública nacional de qualidade, ligada em rede com emissoras regionais; propiciar a formação de uma vasta rede de rádios universitárias em todos os campi brasileiros, que poderiam se tornar referência nas macrorregiões em que se inserem; criar grandes plataformas virtuais de diálogo e interação do governo com a cidadania ativa dos brasileiros; superar o formato meramente publicitário da comunicação do governo, de suas empresas estatais e de seus ministérios, convergindo para formas de campanhas cívicas vinculadas aos grandes temas democráticos e republicanos em disputa na sociedade brasileira.
A economia política pós-neoliberal
A crise econômica de 2008 e o modo como ela foi respondida pela tentativa de relançamento de um protagonismo dos EUA e de políticas fortemente antissociais na Europa, forçando a uma dinâmica de menor crescimento da China, limitaram drasticamente a margem de manobra e arbitragem da condução macroeconômica brasileira ainda encerrada dentro dos marcos institucionais legados pela era neoliberal.
O Brasil não pode mais contar com um crescimento relevante das exportações e o preço das commodities vem apresentando forte deterioração. A valorização do real na última década retirou as condições indispensáveis (mas certamente não suficientes) para a competitividade da indústria brasileira, criando novas dinâmicas de déficit comercial. A expressiva desvalorização do real em curso, por sua vez, pressiona a inflação para o teto da meta mesmo em um cenário de menor crescimento, como tem ocorrido. Os ciclos de elevação da Selic, por sua vez, sobrecarregam a dimensão fiscal de um Estado já envolvido em políticas setoriais anticíclicas. Em um cenário de menor elevação do salário-mínimo, de menor crescimento do emprego, de avanços incrementais nas políticas sociais, o consumo interno já não cumpre o papel de liderar o crescimento da economia. Por fim, o menor crescimento econômico repica a pressão fiscal ao minorar as expectativas de crescimento das receitas do Estado.
Estes que chamamos de constrangimentos sistêmicos – a inserção da economia brasileiro no mercado mundial, a dívida pública do Estado e a institucionalidade de sua gestão, os limites do setor público – foram, nestes últimos anos, agravados por vitórias ideológicas e midiáticas neoliberais, que cresceram em meio aos impasses do ciclo desenvolvimentista. O chamado mercado – especialmente a especulação comandada pelo capital financeiro – passou a operar com os cenários de descalabro inflacionário, insegurança institucional para os investidores, de descontrole fiscal e de um horizonte recessivo.
Foi assim, neste contexto, e submetido a uma forte polarização política que o segundo governo Dilma se iniciou com uma clara inflexão conservadora na gestão macroeconômica, contraditória com o programa eleito. É preciso superar esse impasse ou o segundo governo Dilma trabalhará, na melhor das hipóteses, com um cenário de baixo crescimento e eventual crescimento do desemprego, crescimento residual das políticas sociais, em um contexto de ajuste virtual vicioso, rigidez inflacionária e dificuldades crescentes na balança de pagamentos.
A reeleição de Dilma Rousseff, em um cenário ainda adverso da luta democrática devido à instrumentalização do tema da corrupção, só foi possível graças à política de defesa e crescimento do emprego, da renda dos trabalhadores e do crescimento dos direitos sociais que foi, no fundamental, garantida pela gestão macroeconômica. Foi o que fez a campanha vitoriosa da reeleição da presidenta Dilma, com o apoio majoritário da população brasileira e com o reconhecimento massivo dos setores organizados das classes trabalhadores e dos pobres.
Os maiores erros nestes últimos anos, que podem se repetir agora, foram cometidos pela gestão do Banco Central que, com seus movimentos altistas da Selic desestabilizou tentativas de retomada econômica, onerando a carga fiscal do Estado, sem conseguir resultados mais evidentes no controle da inflação. Era como se o Ministério da Fazenda puxasse a economia para frente – com várias iniciativas anticíclicas – e a gestão da política monetária e cambial puxasse a economia para trás, com políticas conservadoras vistas como prioritárias frente ao risco de perda de controle da inflação orquestrada pela mídia neoliberal. Os ciclos de alta da taxa Selic, a manutenção dos juros internos em um patamar escandaloso frente a qualquer comparação internacional, a pressão sobre os bancos públicos e pela elevação do superávit primário, criaram um constrangimento insuperável para uma retomada vigorosa da economia brasileira. No atual quadro da crise capitalista, não se pode fazer uma política anticíclica coerente e eficaz diante de um padrão tão alto de financeirização como está envolvida a economia brasileira.
Devem ser barradas tentativas de desmontar a política de desenvolvimento com distribuição de renda (sobretudo emprego e elevação do salário) e de implementar uma política recessiva, com desemprego e redução do salário real. É fundamental retomar o novo ciclo expansivo, inclusivo, distributivo e sustentável da economia brasileira.
Devemos disputar o conflito distributivo na sociedade brasileira com o capital financeiro, com o rentismo, com as rendas patrimoniais. As taxas de juros ao consumidor continuam em mais de 100 % ao ano e para as pequenas empresas, que não têm acesso ao crédito subsidiado, continuam em mais de 50 % ao ano! A taxa Selic, em processo de elevação neste início de segundo governo Dilma, é ainda escandalosa, apesar de se situar em um patamar bastante inferior à média dos anos FHC. O imposto sobre grandes fortunas e sobre os rendimentos de patrimônio vêm sendo defendidos por vários governos socialdemocratas europeus e até pelo presidente democrata dos EUA. Não há nenhuma razão para ser omisso ou se manter na defensiva nestes grandes conflitos distributivos para os quais é possível formar grandes alianças entre trabalhadores, assalariados, setor produtivo e de serviços.
Por fim, devem ser retomadas as políticas industriais e de inovação em gestação no primeiro governo Dilma. Na retomada de um novo ciclo de desenvolvimento, sustentável e distributivo, elas poderiam ganhar corpo e nitidez histórica, contribuindo para reinserir a economia brasileira no mercado mundial.
Este novo ciclo de desenvolvimento deve se combinar com uma política mais ousada de integração política e econômica da América Latina, que contribui não apenas para fortalecer os processos de mudança no continente, mas para criar novas sinergias de mercados e potencialidades econômicas latino-americanas hoje ainda tão pouco realizadas.
Desenvolvimento e sustentabilidade socioambiental
Os governos petistas ousaram na distribuição de renda e ampliaram as possibilidades de produzir e consumir para milhares de pessoas. Contudo, novas demandas, como a melhoria na qualidades dos serviços públicos emergiram, mas junto com elas, uma insuficiente mudança de comportamento da sociedade, e uma não mudança de valores, predominando o culto ao consumo exagerado.
O padrão de consumo não pode ser aos padrões dos países centrais, como os EUA, pois esse padrão é prejudicial ao sonhado desenvolvimento com sustentabilidade ambiental. Ao mesmo tempo, emergiu nos últimos anos, com as grandes mobilizações de ruas e redes, questões que apontam a necessidade de novas soluções tanto para as cidades, com relação ao transporte e à mobilidade, por exemplo, quanto para uma questão mais ampla, como o acesso a recursos naturais como a água.
A dimensão do meio ambiente e da sustentabilidade ainda é um desafio para a esquerda em todo o mundo. Um modelo de desenvolvimento mais resiliente, baseado nos pilares econômico e social justos tem que ter como base também a justiça ambiental. Precisamos garantir o acesso das futuras gerações ao bem estar e aos bens comuns.
Dentro do processo de revolução democrática, a soberania dos povos e comunidades tradicionais também deve estar assegurada, assim como um desenvolvimento construído com ampla consulta e participação social, permitindo o controle social sobre os meios de produção que modificam paisagens, privatizam os recursos naturais, e impactam negativamente modos de vidas e o patrimônio natural e cultural, até mesmo genético, associado ao conhecimento desses povos e comunidades tradicionais.
Nesse sentido, a exploração do Pré-sal por meio do modelo de partilha nos garante usar o seu recurso para o bem comum, como por exemplo, a saúde e a educação. É acertada a estratégia estatal de exploração. Do contrário, seria privatizar recursos naturais não renováveis, patrimônio coletivo, para favorecer o lucro do capital as custas do planeta e gerando um descontrole sobre a emissão de gases de efeito estufa.
Ainda temos uma dívida social a pagar, por isso precisamos explorar essa riqueza que é o Petróleo brasileiro. Na Amazônia, por exemplo, ainda existem populações inteiras sem acesso a educação. Educação que já conseguimos fazer nossos jovens acessarem, por meio do PROUNI, FIES e REUNI, e qual qualidade de educação queremos para a juventude amazônica?
Qual modelo de desenvolvimento queremos?
Faz-se necessário problematizar o conceito de desenvolvimento, contrapor a ideia de progresso que historicamente se expressa como modelo tecnoeconômico. A partir do paradigma da sustentabilidade socioambiental, concebemos que o desenvolvimento compreende a noção de melhoria da qualidade de vida das diversas populações, a redução das desigualdades, a vivencia da cultura da paz, da solidariedade e da democracia. Refuta-se a ideia instrumental de crescimento infinito que conduziria ao bem estar social geral da população, em detrimento da destruição ambiental, da exploração e miséria de diversas populações. Com isso, supera-se a ideia de sustentabilidade enquanto suportabilidade, considerando que o desenvolvimento não pode ignorar os contextos humanos.
Em muitos países o desafio da sustentabilidade já se tornou uma oportunidade. Cada vez mais o Brasil se aproxima da mudança. Já somos produtores de energia eólica, por exemplo, e também já se implantam ciclovias por nossas cidades, como por exemplo, em São Paulo, por meio de uma “revolução do futuro”.
Avançar as conquistas pela igualdade e liberdade: juventude, mulheres, negros e negras, povos indígenas, LGBT, pessoas com deficiência.
A desigualdade é marca constitutiva da sociedade brasileira, que resultou em uma sociedade com uma pequena elite econômica, com hierarquias de raça-etnia, gênero, geração e regionais. Os anos da ditadura militar e os anos neoliberais fomentaram e aprofundaram por todos os caminhos um processo de mercantilização, criando em um certo período da história brasileira uma dinâmica de apartheid social. Os governos Lula e Dilma promoveram uma ruptura com esse ciclo com a implementação de políticas de ação afirmativas que buscam enfrentar essa dinâmica.
O valor central que deve presidir a construção de um novo ciclo de desenvolvimento sustentável e distributivo é a desmercantilização da reprodução da vida social. Significa fortalecer o setor público para retirar o poder do mercado e construir como direito de cidadania o acesso qualificado e equilibrado socialmente aos bens e serviços fundamentais para uma vida digna.
Esta profunda desmercantilização da vida social (saúde, educação, segurança, previdência, moradia, saneamento, esporte, cultura) criará as bases para a classe trabalhadora se libertar de centenárias situações de humilhação, aviltamento e predação. Ao mesmo tempo em que esse processo de desmercatilização deve ser acompanhado de profundas transformações culturais e dos valores que estruturam as relações sociais no Brasil buscando a superação do racismo, do machismo e patrimonialismo.
Construir relações que compreendam o direito à igualdade e à diferença
Aprofundar as políticas de igualdade para as mulheres, que avance na construção de um novo equilíbrio entre produção e reprodução, apontando para a superação da divisão sexual do trabalho, do racismo e que portanto contribuam para romper com as dicotomias entre público e privado. Isso é uma base fundamental para avançar no combate a todas formas de violência contra as mulheres e para o reconhecimento da autonomia em relação ao seu corpo e sexualidade e que, portando, enfrente a criminalização do aborto, a lesbofobia e as práticas machistas na sexualidade. Avançar na igualdade de participação das mulheres nos espaços de decisão e poder será base fundamental para a construção feminista de um Estado Solidário.
As políticas públicas aplicadas pelos governos petistas tiveram forte repercussão na vida das mulheres brasileiras, em particular no aumento dos rendimentos, no acesso às políticas de proteção social com destaque para a previdência, na ampliação do suporte do Estado no provimento de serviços públicos. Tiveram reflexos diretos na qualidade de vida e no trabalho de cuidados, em especial na educação infantil. A renda da população mais pobre subiu, repercutindo nas desigualdades regionais, principalmente como resultado de um incremento da renda do trabalho que se expandiu e que provocou também uma alteração das desigualdades campo-cidade, já que a renda cresceu mais entre os pobres rurais, do que nas metrópoles e nas demais cidades, sendo que esse crescimento foi mais expressivo na renda proveniente do trabalho agrícola.
Políticas para as mulheres foram instituídas e impulsionadas a partir da criação de institucionalidades específicas e com elementos importantes de gestão participativa das mesmas por meio das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres.
Apesar dos grandes avanços, o país continua marcado por profundas desigualdades de gênero e, nesse sentido, as conquistas alcançadas não reverteram as desigualdades socioeconômicas e há que se destacar que não houve diminuição da desigualdade racial. A afirmação de um projeto de sociedade com igualdade entre mulheres e homens encontra barreiras estruturais e ideológicas ainda profundas que necessitam ser enfrentadas no próximo período, uma tarefa dos nossos governos e da militância dos movimentos sociais.
É nítida a reação patriarcal a esses avanços e há no Brasil uma forte ofensiva conservadora, que ampliou seu peso na política, especialmente em decorrência do espaço dos setores conservadores no Congresso Nacional, e que tem nos grandes meios de comunicação grandes aliados. O conservadorismo se expressa em discursos e iniciativas de controle do corpo e da sexualidade das mulheres, e com o reforço ideológico de padrões comportamentais e valores.
A existência da Lei Maria da Penha e de uma política nacional de combate a violência contribui de um lado para termos alterações nos índices de alguns tipos de violência, e de outro para visibilizar as práticas alarmantes com as quais ainda convivemos. O IPEA estima que haja anualmente no Brasil 527 mil tentativas ou casos de estupro consumados no país, dos quais 10% são reportados à polícia.
Fruto desse aumento do conservadorismo há o incremento da criminalização das mulheres que abortam, assim como o aumento da insegurança e dos riscos para suas vidas e saúde. Junto com o tema do respeito à diversidade sexual, a questão do aborto exige medidas de proteção às mulheres e garantia de sua autonomia e direito à autodeterminação.
Essa política de igualdade para as mulheres requer igualdade de participação nos espaços de poder e decisão como bases fundamentais para a despatriarcalização do Estado e a construção de uma perspectiva feminista que, nesse momento, se concretiza nas propostas de reforma política.
A participação diferenciada de brancos e negros é naturalizada nos vários espaços da vida social, reforçando a estigmatização sofrida pelos negros, inibindo o desenvolvimento de nossas potencialidades individuais e impedindo o usufruto da cidadania por parte dessa grande parcela de brasileiros a qual é negada oportunidades que o país deve oferecer a todos. O processo de exclusão vivido pela população negra compromete a evolução democrática do país e a construção de uma sociedade justa e coesa.
A dignidade do trabalho, de seus valores e perspectivas classistas foram fundamentalmente oprimidas ao longo do tempo. Aqui se realizou, em maior escala e por mais tempo, a maior experiência da escravidão moderna. Às classes trabalhadoras, na maior parte do tempo, foram negados os direitos básicos, permanecendo hoje ainda um contingente expressivo submetido às situações degradantes do desemprego, subemprego ou emprego precário. As formas de inserção dos trabalhadores negros e negras ocupados ainda são marcadas pela precariedade quando se constata que, mesmo com o crescimento do emprego mais formalizado, a participação relativa dos negros e negras é maior nas ocupações onde prevalece a ausência da proteção previdenciária e, em geral, os direitos trabalhistas são desrespeitados.
Vivenciamos um intenso dilaceramento do nosso tecido social, um forte processo de criminalização da pobreza com vias a atingir a emancipação inconclusa da população negra após a abolição da escravidão. O uso da força pelo monopólio assegurado ao Estado sempre teve como objetivo o disciplinamento dos escravizados e seus descendentes e que nos dias atuais ganham contornos de uma verdadeira guerra interna onde o saldo é de mais de 25 mil jovens negros mortos por ano, fruto da violência urbana, causada na sua grande maioria pelos “confrontos” com a policia militar.
Neste contexto a militarização do Estado brasileiro que tem sua retomada no período da ditadura militar embasada pela doutrina da segurança nacional com o objetivo de combater os inimigos internos do regime, encontra hoje na guerra ao narcotráfico recursos necessários para desequilibrar a luta de classes a favor do Capital usando de violência para conter a insubordinação dos setores explorados e oprimidos.
Políticas públicas contra a homofobia e a violência homofóbica (que hoje atinge níveis alarmantes no país), a aprovação da igualdade jurídica entre cidadãos homossexuais e heterossexuais, a criminalização da homofobia e o enfrentamento a posturas religiosas que coloquem em risco o princípio laico e republicano do Estado brasileiro.
Em 2013 o governo criou Sistema Nacional de Promoção de Direitos e de Enfrentamento à Violência contra LGBT tem como objetivo articular as diferentes experiências de política públicas para proteção e promoção dos direitos dessa população. A ideia é combater os determinantes econômicos, sociais, culturais e ambientais da violência que atingem a população LGBT efetivando políticas afirmativas, através da ampliação do diálogo e da articulação interfederativa, promovendo a equidade de direitos.
É preciso enfrentar a realidade da homofobia que mata centenas de pessoas todos os anos no Brasil. É preciso enfrentar o crescente conservadorismo na sociedade e barrar o Estatuto da Família.
Uma política da revolução democrática, de um lado, exige novas políticas públicas que ampliem as oportunidades educacionais e de geração de renda, afirmem a regulamentação dos mecanismos internacionais, dos quais o Brasil já é signatário, de garantia do trabalho decente, permitam o acesso à crédito subsidiado para moradia e assegurem a possibilidade de livre expressão política e cultural em articulação com uma ampla reforma das condições de infraestrutura de mobilidade, conectividade, segurança pública, sustentabilidade, acesso aos serviços e bens públicos das cidades. Em síntese, que garantam as condições para que a juventude viva o presente e planeje autonomamente o seu futuro.
São necessárias políticas públicas que ampliem a proteção social sobre a imensa massa juvenil, reduzindo a entrada precoce no mercado de trabalho, garantindo mecanismos de participação cidadã na vida educacional, cultural e política. A emancipação dos jovens é a sua não dependência do trabalho para fins de sobrevivência. A juventude trabalhadora brasileira conquistou novos direitos nos últimos doze anos, reconfigurando os seus próprios desejos e aspirações e o papel que cumpre nas relações sociais. A atual geração de jovens é, em geral, mais escolarizada e conectada que os pais e, portanto, exerce maior influência sobre os modos de vida e sobre a cultura política do seu entorno. Se já vinha, conforme estudos do final da década passada, apostando mais no seu futuro, confiando nas possibilidade de mudança da própria realidade e praticando um ativismo político comunitário, após as manifestações de junho de 2013, a juventude brasileira adquiriu maior consciência do papel transformador da sua ação política, tornou-se mais crítica ao atual padrão de institucionalização da democracia brasileira e mais exigente em relação à ampliação de novos direitos que assegurem maior qualidade de vida para toda a comunidade em que se insere.
De outro lado, exige o reconhecimento das novas formas de intervenção micro urbana de geração de renda e intervenção política. Uma importante parcela da juventude da classe trabalhadora é tipicamente associada a situações de informalidade e/ou de não estudo e não trabalho. No entanto, e, sobretudo nas periferias das grandes cidades, há um conjunto de formas laborais não mercantilizadas, individuais ou solidárias, que precisam de visibilidade e reconhecimento estatal, incluindo milhares de jovens na cidadania. Aqui não seria o caso de apenas reconhecê-los/as como “jovens empreendedores”, mas permitir formas anti-mercantis de valorização do trabalho. Ao mesmo tempo, a democracia brasileira só poderá se renovar profundamente com o reconhecimento do ativismo político comunitário e com a democracia das ruas e da ocupação do espaço público produzida, por exemplo, pela cultura do hip hop, do skate e do pixo.
Através dessas expressões culturais, a juventude trabalhadora tem se organizado politicamente, produzido novas formas de diálogo e interlocução com o poder público que não passam pelos canais tradicionais construídos na democracia brasileira pela classe trabalhadora, como os atuais partidos de esquerda, em especial o PT, o movimento sindical e os movimentos sociais e populares. Aliás, essas novas formas de diálogo e interlocução são cada vez mais diretas, horizontais, articuladas em redes de ativismo e cultura e conectadas.
Quem defende uma sociedade justa, precisa compreender que os indígenas ocupavam o Brasil muito antes da colonização e da sociedade capitalista
Até 1988 a política indigenista brasileira estava centrada nas atividades voltadas à incorporação dos índios à comunhão nacional, princípio indigenista presente nas Constituições de 1934, 1946, 1967 e 1969. A Constituição de 1988 suprimiu essa diretriz, reconhecendo aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, soberania e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Precisamos garantir os direitos indígenas: a sua cultura preservada, seus modos de vida, em seus territórios, que são territórios de preservação ambiental. Os saberes indígenas precisam ser preservados frente à ofensiva capitalista que usurpa e patenteia, visando o lucro. É necessário garantir aos índios a justa repartição de benefícios.
É necessário barrar a PEC 215. O Congresso conservador, sem representação plural da sociedade, que sequer tem um indígena em sua composição não pode ser o responsável pela gestão de territórios e direitos indígenas. O direito originário à terra, é um direito constitucional, é necessário garantir a ampliação da regularização das terras indígenas.
Uma sociedade democrática precisa ser inclusiva
No que se refere às pessoas com deficiência, a inclusão diz respeito à superação das diversas formas de discriminação e exclusão reproduzidas pelo modelo segregativo imposto a este grupo social.
A luta pela promoção da acessibilidade integra a luta mais ampla para assegurar às pessoas com deficiência o exercício pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais. A conquista da sociedade inclusiva pressupõe, portanto, a mudança de concepção sobre a deficiência, que restringe a pessoa a sua condição física, sensorial ou intelectual. Atualmente, compreende-se que a deficiência decorre da interação entre pessoas e as diferentes barreiras ambientais e atitudinais presentes na sociedade que impedem sua efetiva participação em igualdade de condições com as demais pessoas. Nessa perspectiva, a deficiência é compreendida como parte da diversidade humana.
Nossa atuação política não tem como parâmetro homogeneidade e avança em relação à ideia de tolerância à diferença, buscando seu reconhecimento e valorização. A partir dos governos Lula e Dilma, distinguindo-se da concepção de atendimento assistencial caritativo às pessoas com deficiência, esta pauta ganha espaço na agenda política e as novas ações do governo federal passam a ser concebidas na perspectiva inclusiva, articulando a promoção do pleno acesso por meio da gestão intersetorial das políticas públicas, da expansão do financiamento e ampliação dos serviços públicos para a garantia da inclusão.
Assim, é fundamental a defesa destas politicas nas esferas do executivo, do judiciário e do legislativo e o enfrentamento a setores que historicamente construíram o poder político e econômico com a segregação das pessoas com deficiência, substituindo o Estado e o desincumbindo do atendimento desta população. Essa disputa política é essencial para garantir a efetivação do projeto de sociedade inclusiva pela qual lutamos. O princípio da inclusão é inegociável e deve fundamentar a definição, a formulação e a implementação de políticas públicas em todas as áreas, promovendo a acessibilidade, a garantia do pleno acesso, a autonomia e a independência das pessoas com deficiência, em todos os espaços comuns da sociedade.
Este processo de universalização da cidadania no Brasil, programaticamente concebido a partir dos princípios da desmercantilização da vida, da afirmação dos direitos das mulheres, dos LGBTs e dos negros/as, da conquista da emancipação juvenil, deve ser compreendido como o próprio processo de auto formação do povo brasileiro em sua identidade civilizatória própria. Uma construção política, econômica e social de tal magnitude histórica reivindica um novo olhar sobre os sujeitos históricos da revolução democrática.
A construção do bloco histórico das forças democráticas e populares
A macroeconomia do desenvolvimento é a base social da hegemonia da esquerda que queremos construir. Sem ela, é a nossa própria base social – esta imensa e poderosa rede de movimentos e cidadãos e cidadãs em marcha por seus direitos que cresce sem parar no Brasil – que se divide, perde identidade e sentido histórico.
A grande vitória popular das eleições presidenciais de 2014, o espírito daquilo que nos une e dá sentido foi capaz de forjar três palavras que continham em si uma narrativa, uma época e um futuro a conquistar: “Brasil Muda Mais”. Em um sentido forte, esta potência que se manifestou mais nitidamente no segundo turno das eleições e nos deu a vitória deve ser agora incorporado ao nosso movimento político plural.
A disputa de hegemonia reclama a formação de um movimento político unitário permanente e estruturado, com as seguintes características:
. Que assume com centralidade as lutas democráticas, vinculando-as à defesa de um novo pacto desenvolvimentista, sustentável e distributivo, à expansão dos direitos sociais e humanos;
. Se forme em torno de si uma rede democrática e popular de comunicação, vinculando-se em rede para travar diariamente a luta pelas notícias, juízos e valores;
. Organize-se de forma frentista e horizontal, abrigando em torno de si o amplo pluralismo das esquerdas, religiosos e identitários;
. Convirja para ações unificadas, mas abre-se para todas as formas de lutas em dinâmicas regionais e descentralizadas;
. Estabeleça uma variedade de sentido entre o nosso trabalho no governo do país, as ações dos movimentos sociais e o trabalho parlamentar.
. Construa uma mobilização social ampla, baseada em espaços de diversidade, capaz de definir rumos para a esquerda, com capacidade convocação hegemônica, que reúne os que combatem a corrupção e defendem a democracia e as liberdades.
Uma revolução democrática é extamente o oposto de uma revolução passiva, isto é, de uma transformação dirigida pelo alto e que pretenda substituir o protagonismo político, social e cultural dos trabalhadores e do povo brasileiro por uma lógica estatal de acomodação dos interesses históricos das clases sociais fundamentais.
Mudar mais só é possível num quadro de um amplo e profundo ascenso dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais. Este ascenso é programaticamente formado pelas dimensões internacionalistas, classistas, populares, feministas, anti-homofóbicas, laicas, anti-racistas e libertárias.
A novidade da ocupação das ruas pela direita
O que está em jogo e precisa ser defendido é o próprio destino democrático do país legado da Constituição de 1988 e os avanços sociais da última década, diante do risco de grupos que se organizam para ameaçá-los com seu entulho autoritário.
O poder de atração desses grupos cresce à medida que aumenta a insatisfação não apenas com o governo, mas com a política e as instituições, de uma forma geral.
Há o risco de formação de um grande partido de extrema direita, permanentemente mobilizado, agressivo, violento. Esse projeto político tem no ódio sua principal ideologia. O ódio às instituições democráticas e a intolerância com a diversidade de opiniões contaminou as manifestações que tem levado centenas de milhares de pessoas às ruas. Criaram um sentimento de ódio ao PT que se transformou em um sentimento de ódio à democracia, reunindo outros sentimentos autoritários, homofóbicos, racistas e reacionários. Ódio aos que são beneficiados pelas políticas universalizantes promovidas por doze anos pelos governos petistas.
Os passos das mobilizações do 15 de março são de elevado profissionalismo e clareza de objetivos dos adversários políticos deste governo, que souberam captar a insatisfação existente com o momento econômico, insuflando um clima de corrupção generalizada, a partir da crise da Petrobrás. Há nítida flagrante seletividade na indignação com a corrupção.
Diante desta tática, a frente democrática e popular deve ter capacidade de impulsionar um grande movimento em defesa da democracia, dos direitos e das liberdades. Deve alertar as consciências democráticas e republicanas dos brasileiros a discutir e denunciar, se mobilizar e ir para as ruas, derrotar e isolar na democracia brasileira as tentativas de golpe.
A capacidade de mobilização para ocupação das ruas pelo campo social e político de esquerda foi fortemente demonstrada nas manifestações do dia 13 de março, convocadas pelos movimentos sociais nacionais. Demonstrou, ainda, a possibilidade de unificação de diversos setores em torno de agendas centrais na disputa de rumos do nosso projeto: a democracia, a ampliação de direitos, o combate à corrupção e defesa das liberdades.
Neste período em que o Congresso Nacional aparece dominado por uma agenda conservadora em frontal contraposição à luta pelos direitos do trabalho, aos bens públicos e aos direitos humanos, será fundamental a construção de um movimento unificado em torno a uma plataforma cidadã, capaz de mobilizar em frente toda a esquerda e todos os setores progressistas, em torno a projeto de iniciativa popular de leis. No campo dos direitos à educação, à saúde pública, ao transporte coletivo, à ecologia, aos direitos humanos, aos direitos do povo negro, das mulheres, dos jovens, dos homossexuais, existe hoje toda uma trama de coletivos, entidades, redes virtuais, fóruns e movimentos que precisam aumentar o poder de pressão e construção de uma agenda política unitária na democracia brasileira.
III. PT: revolucionar nossa cultura política
O 5° Congresso do PT tem o dever de atualizar as tarefas, o programa, o funcionamento e a própria identidade do PT. E deve ser o momento de um debate profundo nas bases e na direção, um momento de construir novos compromissos com a classe trabalhadora, a juventude, as mulheres, negros, povos indígenas, com a democracia e o socialismo no Brasil, na América Latina e no Mundo.
Somos o partido que conquistou a 4ª vitória presidencial com um programa de esquerda, mas em meio a uma democracia pesadamente condicionada pelo poder econômico que, na sua forma contemporânea, se expressa como neoliberalismo. Uma de suas marcas é a negação da própria soberania popular: é o mercado e não o povo que define a política econômica, isto é, o emprego, o juro e a própria moeda.
O Brasil avançou nos últimos doze anos em direitos econômicos e sociais, mas, como vemos na conjuntura pós-eleitoral, continua a enfrentar – como em todos os países capitalistas – o conflito entre a democracia eleitoral e os interesses capitalistas. A superação dessa contradição exige clareza quanto ao programa pós-neoliberal e exige passar da democracia eleitoral à democracia real. Pós-neoliberalismo implica radicalizar a própria democracia. O PT e o bloco histórico democrático-popular são centrais para que os novos sujeitos sociais e políticos despertados por doze anos de mudança possam protagonizar a grande revolução democrática no Brasil.
Enfrentamos os limites da democracia brasileira que longe estão de terem sido superados nos doze anos de governos democráticos-populares. Se fomos capazes de elevar as condições materiais de vida do povo brasileiro, de aumentar a força social e econômica da classe trabalhadora, e, portanto, de ampliar a soberania popular e sustentar duramente as conquistas das quatro eleições presidenciais, sofremos, ao mesmo tempo os efeitos perversos de uma democratização limitada, apenas iniciada.
E, de todas as instituições, o PT é a mais impactada: porque sua história, programa e representação social entram em contradição com os processos de adaptação ao Estado (institucionalização) e às regras do jogo da democracia eleitoral (entre elas, o financiamento empresarial e suas implicações em termos de aproximação orgânica com os interesses capitalistas). O PT vive hoje, de forma exponenciada pelos doze anos na presidência da República, a contradição entre ser um partido para revolucionar democraticamente a ordem política ou ser um partido da ordem.
O partido liderou a conquista do governo central e esteve à frente das mudanças sociais e econômicas que elevaram as condições de vida do povo e sua capacidade de colocar em prática uma soberania popular nunca vista antes – que se expressou no feito inédito da conquista quatro vezes sucessivas da presidência da República. Ao mesmo tempo, o partido sofreu as consequências de um longo período de exercício do governo sem romper os limites de uma democratização limitada pela transição conservadora do regime militar, conduzida pelo arranjo por cima entre os militares e a oposição moderada (o MDB), conhecida como “Nova República”. As mudanças lideradas pelo PT criam as condições para uma revolução democrática; as adaptações do PT à ordem bloqueiam a sua capacidade de liderar esse salto. Essa a disjuntiva que precisa ser resolvida agora.
Nosso partido já teorizou sobre o duplo caráter da sua construção histórica: sua originalidade em face de outras experiências de esquerda e sua diferença estrutural frente aos partidos burgueses. Um partido socialista com pluralismo e que defende um socialismo com pluralismo, ao contrário do estalinismo; um partido socialista que se propõe a governar visando um novo sistema social e não gerir a crise do capitalismo, ao contrário da socialdemocracia. Além disso, um partido diferente dos partidos tradicionais, daqueles que tratam a política como meio de manter a dominação de uma minoria sobre a maioria e como meio de enriquecimento privado.
Para um balanço – que precisa ser aprofundado e sintetizado com outras contribuições – é necessário apontar que o maior perigo que ronda nosso partido é o de assemelhar-se aos partidos burgueses e com isso perder sua originalidade socialista. Talvez pela imposição de uma dinâmica internacional ainda marcada por profundas derrotas socialistas – o que implica em defensiva da utopia socialista mesmo em um quadro de uma grande crise do capitalismo – a construção do PT está ameaçada não mais por uma das grandes vias em que se dividiu e descaracterizou o movimento socialista do século XX, mas pela política e cultura sem utopia e sem ética de um capitalismo em crise mas sem perspectivas críveis, por ora pelo menos, de sua superação.
Enfrentar e vencer esse risco de degeneração é a nossa tarefa central na construção partidária e mesmo na revolução democrática. O PT, mesmo atraído pela política pragmática, construiu-se como uma grande experiência de esquerda contemporânea, no Brasil e no mundo. Sua destruição é o alvo permanente da burguesia, sofremos a mais odiosa campanha contra um partido de esquerda desde a ilegalidade do PCB em 1947.
Vencer esse risco de degeneração exige uma nova prática e uma nova cultura política na construção partidária. Nosso Estatuto essencialmente democrático deve ser posto em prática não apenas como regra de convivência, mas como programa de reconstrução partidária. A defesa de uma organização por identidade programática, autossustentável e separada dos interesses que motivam o financiamento privado, de uma organização baseada na militância voluntária, na igualdade de condições de mulheres e homens, na diversidade étnica e na renovação geracional. Reafirmamos aqui a nossa defesa intransigente da manutenção das políticas de paridade de gênero, transição geracional, e diversidade étnica adotadas pelo PT.
Nosso tempo é agora! Precisamos já nesse Congresso desatar contradições acumuladas, romper inércias e acomodações, responder ao mais forte ataque e à maior campanha de desmoralização que já recebemos dos que sempre quiseram nos destruir.
Como já definimos na resolução adotada pelo Diretório Nacional em Fortaleza, em dezembro de 2014, combateremos sem trégua a corrupção, a conciliação com a corrupção e a convivência com a corrupção. Além disso, filiados com função dirigente na condição de réu ou sob inquérito criminal em processos de apuração de corrupção devem ser afastados preventivamente, garantindo direito de defesa, enquanto perdurar esses processos.
Defendemos que o Congresso inaugure uma nova etapa da construção partidária. Buscaremos avançar em um acordo entre correntes, lideranças, militantes, para que uma nova direção possa ser formada, com legitimidade e dentro da legalidade petista.
Consideramos esgotado um padrão de funcionamento partidário financiado em grande medida por empresas. Se esse procedimento já causou uma enorme corrosão da credibilidade política dos partidos nos processos eleitorais, quando aplicado ao funcionamento regular de um partido como o PT torna-se radicalmente contraditório com um programa socialista. É preciso inaugurar um novo ciclo de construção do PT baseado em contribuições voluntárias e nos fundos públicos legitimamente constituídos no processo de reforma política e de luta pela proibição do financiamento empresarial.
Consideramos também esgotado o modelo de eleição de direções através do PED. Isso acontece não pela forma eleitoral, mas pelo estímulo ao uso de recursos financeiros, a pouca mobilização voluntaria e a despolitização dos debates internos. Reconhecemos as conquistas de um processo público, amplo e mobilizador de escolha de direções, no entanto é hora de dar o passo a frente para o aprimoramento da nossa democracia interna.
As mudanças devem apontar no esforço do partido, para mais que ampliar o número de filiados e filiadas, criar instrumentos que avancem no desafio do maior e melhor envolvimento de todos, na formação política permanente, na não intervenção financeira nos processos internos e no respeito a pluralidade de opiniões. Será à partir do nosso próprio exemplo que reafirmaremos a toda a sociedade a nossa vocação a democracia, fortalecendo assim nosso compromisso de uma reforma política que corrija as distorções do sistema atual e garanta soberanamente o desejo e o interesse popular.
As transformações ocorridas nas relações sociais pela revolução tecnológica impulsionada no início do século XXI e acessível à classe trabalhadora brasileira após doze anos de avanços econômicos e sociais impõe a invenção e o reconhecimento de novas expressões políticas pela democracia brasileira e pelo PT. Por estar, em geral, mais integrada com novas ferramentas de comunicação e interação social, a juventude tem desenvolvido novas práticas políticas de micro e multi intervenções. Nesses termos, reconstruir as relações do PT com a juventude exige não o retorno a antigas formas de organização, mas passa fundamentalmente por como se organizam nas diversas redes presenciais e digitais as agendas defendidas pelo partido.
Por essas razões defendemos construir já uma nova direção para um novo ciclo de construção e atuação partidária, que deve expressar uma sacudida na rotina e uma retomada da energia petista para enfrentar a direita da forma mais eficaz: colocando em prática nossas concepções socialistas e democráticas!
Uma nova direção deve ser fruto de um diálogo com todas as correntes e lideranças, de um acordo sobre tarefas centrais e, inclusive, quanto ao procedimento legal para que uma nova direção seja reconhecida como necessária e legítima.
Que a ousadia, a garra, a vontade de mudar o país, a dedicação à classe trabalhadora e o amor pelo povo brasileiro que nos trouxeram até aqui nos levem muito além!
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