Na passagem de 2022 para 2023 o Brasil teve três destaques internacionais.
O primeiro grande destaque foi a morte de Pelé, no dia 29 de dezembro. Foi uma comoção que atravessou a imprensa e as mídias de todos os continentes. Pranto geral e louvação sem fim. Para uns, “o maior futebolista de todos os tempos”. Para outros, “o maior futebolista do século XX”. Crianças nascidas na sequência, em vários países, tiveram “Pelé” acrescentado a seus nomes: esta foi, ao mesmo tempo, a mais singela e a maior homenagem ao “Rei”, aclamado como eterno, com sua consagrada camisa 10.
O segundo grande destaque foi a posse de Lula no dia primeiro do novo ano. Expressões que viralizaram: “o Brasil de volta ao mundo civilizado”; “a reconstrução do Brasil” e por aí afora. Decididamente, até o momento, foi a posse do século. O feito mais espetacular desta posse – anunciada antes – esteve na capa digital da revista alemã Der Spiegel: ao mostrar quatro personalidades do ano, a primeira à esquerda era a foto de Lula, desbancando para o segundo lugar a de Zelensky, o sempre incensado presidente ucraniano, o “herói do Ocidente” contra “a perversidade russa”.
O francês Le Monde sintetizou: “Empossado, Lula quer ser o presidente da unidade”, na manchete. Já antes, em 31 de outubro, logo depois do segundo turno, a Al Jazeera sentenciara na manchete, citando o historiador Claudio Marcos: “O nosso Fênix”, aludindo à mítica ave grega que renascia das próprias cinzas. E nas manchetes e fotos das capas da mídia mainstream internacional, ou nos vts reproduzidos à exaustão, a impressão que permanecia era a de que o Brasil também renascia das próprias cinzas torradas nos seis últimos anos. Tudo convergia para o ápice da posse, para além dos discursos e cumprimentos das autoridades internacionais ou nacionais, a entrega da faixa presidencial pelas mãos da catadora de papel Aline Sousa, de 33 anos.
O ato da entrega da faixa apontava para o terceiro destaque brasileiro desta passagem. Bem, era um destaque de nota de rodapé: as menções à vergonhosa fuga para a Flórida, nos Estados Unidos, do usurpador do Palácio do Planalto, como um rato que abandonava o navio naufragado de seu desgoverno e de seu propósito, confessado a meias em seu último pronunciamento, de encontrar um modo de impedir a posse do presidente eleito legal e legitimamente.
O que vem se seguindo a estes momentos em que se misturam lágrimas e risos de emoção, a catarse da antiga tragédia grega e a vibração dos estádios de futebol, são os decretos e medidas provisórias governamentais em que convivem a desconstrução da barbárie implantada no governo federal pelo desgoverno que ora se encerra e os vetores da reconstrução dos organismos federais que poderão enfrentar o gigantesco desafio de reencontrar-se o país com seu futuro.
A eleição de Lula e a derrota de seu oponente foram recebidas com alívio no mundo inteiro. Criou-se um fluxo inédito e surpreendente na história de nosso país e da América Latina. Os Estados Unidos, semeadores de golpes de estado no nosso continente e alhures, apressaram-se a fazer ingentes esforços para garantir a posse do eleito. Mais: enviaram um esquadrão de agentes de segurança para auxiliar na tarefa de garantir que ela se desse em clima de tranquilidade, sem sobressaltos e estertores golpistas ou atos de violência contra os eleitos. A mídia mainstream dos Estados Unidos e da Europa, que tradicionalmente olha com desconfiança para as esquerdas latino-americanas, está de namoro com o novo presidente.
Até quando durará esta lua de mel? Não se sabe. Mas é importante aproveitá-la para recriar a confiabilidade do Brasil e de sua política externa, junto com seus laços amistosos com os demais países de todas as latitudes políticas. Parodiando Vinícius, pode-se desejar não que ela seja infinita, pois tudo é finito neste mundo, mas que sugira eternidade enquanto dure.
Flávio Aguiar é Jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).
Via Rede Estação Democracia (RED)
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