A violência sofrida pela juventude negra em nosso país está em evidência. É um dos mais alarmantes fatos para análise da atual conjuntura nacional. Nos últimos dias várias são as reportagens, os debates e estudos realizados por diferentes segmentos da sociedade sobre os inúmeros casos de mortes violentas em sua grande maioria causadas em conflitos com as polícias militares.
Em novembro último, uma ação de resposta da PM do Pará pela morte de um de seus soldados resultou na morte de mais de 35 pessoas (segundo relatos não oficiais). Em sua grande maioria jovens homens negros, muitos deles sem registros de passagens anteriores pela polícia.
No Rio de Janeiro as mortes em confrontos com policiais aumentaram 33,1% em um ano. Dados oficiais apontam que foram 124 ocorrências de novembro de 2013 a janeiro de 2014 e passaram a 165 (mais 41!), de novembro de 2014 a janeiro de 2015. De acordo com os dados, são quase duas pessoas mortas a cada dia em confrontos com a polícia do Rio.
Mais recentemente, na madrugada do dia 06/02, em Salvador, ocorreu o assassinato de treze pessoas. As mortes aconteceram durante troca de tiros entre policiais e suspeitos de assalto no bairro do Cabula. Na última semana cinco adolescentes de Brasília foram mortos em um acidente após perseguição policial. Os garotos ocupavam um carro com placa clonada e desobedeceram a ordem de parada de uma equipe da PM. Vídeos mostram membros da corporação debochando de duas vítimas que agonizavam no asfalto.
No Distrito Federal e em 12 municípios da Região Metropolitana do DF, 70% das mortes entre jovens são de negros, a maioria por homicídios. Dados apontam que os jovens negros morrem mais e correm mais risco de morte por homicídio ou acidente que os não negros. Entre 2000 e 2012, enquanto entre os jovens de 15 a 29 anos negros a proporção de mortes aumentou em todos os municípios da Área Metropolitana de Brasília, entre os não negros houve redução.
A polícia alega que os assassinatos ocorridos em momentos de confrontos são em legítima defesas. O que respalda esta pseudo justificativa, são os chamados “autos de resistência”, medida criada na Ditadura Militar que inocenta os agentes que cometem homicídios no momento de confronto com supostos suspeitos.
Reproduzimos abaixo nota de análise política sobre a realidade da juventude negra brasileira produzida pelo secretariado operativo do Coletivo Nacional de Juventude Negra – Enegrecer no início deste mês que apresentou nossa compreensão do período e das tarefas a serem desempenhadas pela nossa militância.
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Nossa Vitória não será por acidente!
(Nós vamos falar para quem concorda ou pra quem precisa?)
O ano de 2014 cumpriu o papel de ser o balanço de pouco mais de uma década de mudanças no Brasil. Se o século XXI começou para nós, povo negro, com a luta pela demarcação de “500 anos de Brasil” da resistência ao racismo econômico, político e social quando manchamos com sangue e suor a festa organizada pela Rede Globo e por FHC, o ano de 2014 foi um ano de balanço sobre o combate ao racismo, com avaliação sobre nossas alianças, seus limites e sobre as políticas públicas, a identificação dos desafios e a difícil tarefa de refundarmos o Estado brasileiro nos marcos do antirracismo.
Para nós do Coletivo Nacional de Juventude Negra – ENEGRECER, as manifestações que ocuparam as ruas dos grandes centros ocorridas em 2014 revelaram mais um grito de resistência em meio aos criminosos índices dos casos de violência contra o povo negro. Os dados que apontam 82 mortes por dia de jovens negros (média de 7 a cada hora) vítimas de homicídios, os elevados índices de encarceramento e o sentimento de impunidade diante deste quadro levaram milhares de pessoas às ruas de quase todos os estados brasileiros.
Das campanhas #OndeEstáAmarildo, #SomosTodosClaudia à II Marcha (Inter) Nacional Contra o Genocídio do Povo Negro; da Chacina de Belém, o desaparecimento de Davi Fiuza à morte de figuras públicas como o dançarino carioca DG, os protestos foram intensos.
O nosso levante não foi isolado e somou-se aos protestos de rua nos Estados Unidos pelos casos “Garner” “Gurley”; no México contra o desaparecimento de 43 jovens vítimas das forças oficias; ou em Moçambique onde mulheres marcharam e aprovavam um novo Código Penal que legalizou o aborto.
Avaliamos que este cenário foi distinto das mobilizações protagonizadas por uma parcela da juventude brasileira em junho de 2013 que reivindicava o alargamento da democracia com o mote de mais participação, direitos sociais e o fim da corrupção. O acumulo de 2013 não resultou em avanços no curto prazo para a juventude negra, que naquele momento e ainda hoje lutam às margens dos holofotes da mídia empresarial, nas periferias das grandes e pequenas cidades pelo direito básico de permanecermos vivos/as frente às ofensivas reacionários da burguesia que recrudesceram o racismo, resultado das conquistas ainda que limitadas alcançadas nesses últimos 12 anos de governos democráticos e populares.
É inegável o avanço identificado nas 28 milhões de pessoas tiradas da extrema pobreza entre 2003 e 2013 em sua maioria negras; onde o aumento de 52% das famílias brasileiras recebendo alimentação suficiente atingiram diretamente nossas comunidades, assim como a lei de cotas sócio-raciais nas universidades públicas que começaram a alterar a correlação de forças na formação de uma contra hegemonia no interior da academia.
Contudo, esses dados apresentam um paradoxo se os compamos à quantidade de mortes entre 2004 e 2007 no país, que superou as 12 maiores áreas de conflito no mundo (países em conflito 170 mil mortes X Brasil 192 mil mortes).
O Brasil é um dos países que mais matam no mundo, e assassina principalmente sua população negra e jovem. Esta afirmação advém apenas de dados públicos, o que significa dizer que os casos não investigados como os “autos de resistência”, o aborto ilegal e inseguro e a homofobia pode aumentar ainda mais esses números.
Eleições 2014 e suas contradições
As contradições entre políticas de Governo e projetos de Estado são nítidos quando tratamos do combate ao racismo no Brasil, se de um lado os últimos governos democratico populares construíram políticas sociais de cunho generalistas de empoderamento para o povo em sua maioria negra, de outro lado este movimento está longe de representar uma ruptura de valores que sempre estiveram concatenados com a lógica racista e genocida do projeto qu detêm a hegemonia na sociedade.
Um exemplo desta contradição foi apontado nas eleições presidenciais de 2014.
Dois projetos em disputa.
Um projeto pautado pelos avanços econômicos com transferência de renda e políticas sociais e outro de caráter privatista, com um projeto de Estado mínimo e nenhuma soberania nacional. A primeira vista parecia fácil distinguir o que era um projeto de muitos, do povo brasileiro na sua diversidade e necessidade, e o que era um projeto da burguesia. Porém, ambos continham semelhanças em algumas de suas dimensões, representadas principalmente na manutenção dos privilégios históricos assegurados a determinados setores da nossa sociedade, assim como uma política de segurança pública que pregava o aumento do efetivo policial e consolidação da militarização para a resolução dos conflitos civis. Desta forma, estas concepções colocaram os dois projetos em uma mesma vala comum.
O resultado foi um governo reeleito com forte apoio da esquerda socialista e das diferentes correntes do campo popular e anticapitalista, mas que não impediu a composição mais conservadora do congresso nacional já eleito desde a redemocratização e a montagem da “base aliada” mais infiel das últimas décadas.
Em que pese à autonomia da Presidenta Dilma para montar uma equipe compromissada com os valores assumidos com o campo politico que a elegeu, em especial no segundo turno com especial destaque para a gestão das políticas macroeconômicas, a nova equipe em sua maioria continua refletindo a mesma manutenção de privilégios, que empodera quadros masculinos e brancos, o que consiste em uma redução da expectativa de transformação demandada pelas mulheres e pelos negros/as.
Passamos mais de cinco séculos fora da direção das politicas do Estado brasileiro, sem perspectiva de ocupação, e o ascenso das forças progressistas não foram eficazes no combate ao racismo institucional, que foi e continua sendo o principal articulador de projetos como a faxina étnica protagonizada pelas policias militares e o embranquecimento étnico e cultural do nosso povo com o intuito de apagar a mancha da escravidão em nossa historia. Estes mecanismos enviesaram a formação da cultura brasileira, da política, suas organizações públicas e de toda a nossa sociedade.
Neste novo século vivemos a tentativa de reconhecimento institucional da nossa realidade histórica, demandanda principalmente pelo movimento negro. Contudo, o projeto de reparação racial com vias à construção da igualdade, para nós significa principalmente a ruptura dos privilégios das elites brancas seja da direita e da esquerda, pavimentando a construção de uma nova cultura política em nossa sociedade.
A conjuntura nos aponta que a tarefa de derrotar o racismo não será fácil! Como jovens negros e negras que atuam em diversas frentes, da escolas às universidades, passando por terreiros de candomblé, associação de bairros populares, fábricas, cidades de grandes e pequenas portes, sambas, afoxés, hip hop; das biqueiras aos escritórios de governo, apresentamos nossas avaliações e nos instrumentalizamos, pois diante de tamanha contradição estamos convictos que só a luta trará as transformações caras ao povo brasileiro.
Violência: principal elemento desarticulador da nossa emancipação
‘’De 2002 a 2011, a participação de jovens negros no total de
homicídios no país se eleva de 63% para 76,9%, enquanto que a participação
de jovens brancos decresce de 36,7% para 22,8%” Mapa da Violência de 2013.
Para o povo negro todo processo que vai da escravização na formação do Brasil à exclusão social desenvolvida pós-era escravagista causou danos, foi violenta e deixou marcas. Estes aspectos criaram modelos violentos nas relações de trabalho, educação, saúde, comunicação, relações interpessoais, e toda forma de intervenção negra na sociedade. Vivemos em constante estado de violência midiática, obstétrica, da precarização do trabalho à educação punitiva, e se há uma coisa que o negro/a neste país sempre soube fazer é resistir às inúmeras formas de violência.
O racismo, ideologia responsável pela perpetuação destas “violências” legitima discursos, normas/leis que tem na política de Segurança Pública a fórmula quase perfeita de manter negras e negros domesticados. Falamos em “quase”, porque a violência racial nunca contou com nossa memória de carregar nossos mortos como bandeiras de luta.
Desde a lei da vadiagem criada em 1890 para conter o direito de circulação dos ex-escravizados, passando pela ofensiva dos estados nacionais aos quilombos dos Palmares e do Urubu, por exemplo, o nosso povo é criminalizado. A própria criação da estrutura da Polícia iniciada em 20 de Novembro de 1530 e oficializada em 1808 nasceu da necessidade branca de proteção de terras e bens contra índios e negros.
Na contemporaneidade as estruturas de criminalização do nosso povo são reproduzidas e aperfeiçoadas. Se no passado eram os negros aquilombados, ex-escravizados e adeptos as religiões de matriz africana os alvos, hoje são os/as moradoras dos bairros populares, jovens em sua maioria a “bola da vez”. Esta dinâmica programatizada de nos eliminar enquanto grupo étnico-social chamamos de extermínio da juventude negra, ação orquestrada pela segurança pública e pela justiça brasileira sob o discurso de promoção da ordem. Mais uma forte contradição.
Segurança para quem?
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública não nos deixam mentir. A cada 10 minutos uma pessoa é assassinada no país, e em 2013 fora 53.646 mil mortes violentas (vítimas de homicídios dolosos, ocorrência de latrocínios e lesões corporais seguidas de morte).
Apesar da 8° edição do anuário brasileiro de Segurança Pública não trazer números exatos sobre o percentual de assassinatos entre negros e brancos, a média de mortos negros é 30,5% maior que a de brancos, revelando que os negros são as principais vítimas. Os órgãos internacionais diagnosticam que estes níveis são de ordem epidêmica. No estado de Alagoas a violência é equivalente à cidade de El Salvador, a segunda cidade mais violenta do mundo. Por sua vez, o discurso racista ousa afirmar que estes números são reflexos do próprio comportamento negro, como a conhecida afirmação, “negros matando negros”. Porém, os dados deste anuário também mostram o nível da letalidade policial, que entre 2009 a 2013 matou o equivalente ao que as polícias dos Estados Unidos mataram em 30 anos (11.197 assassinatos no Brasil contra 11.090 nos EUA).
Como se não bastasse o apelo da perda das vidas, esta politica de extermínio também vem sendo onerosa aos cofres públicos, que só em 2013 gastaram 258 bilhões em segurança pública, prisões e unidades de medidas socioeducativas, o equivalente a mais ou menos que 5,4% do PIB brasileiro. Destes números destacam-se os 114 bilhões só gastos na perda de vidas humanas. Fazendo uma triste comparação, apenas em junho de 2013 o Brasil alcançou a meta da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, de 5,4% do PIB em investimento na Educação (foi preciso 10 anos para alcançar essa meta).
A partir dos dados acima vem o questionamento:
A quem interessa um projeto com massivos investimentos em aparatos de segurança e um criminoso índices de mortes
Por isso, acreditamos que combater a violência racial nesta conjuntura é levar a cabo iniciativas que diminuam a ação das polícias nas comunidades periféricas e introduzam políticas sociais e emancipatorias. Hoje é inevitável não falar em combate a violência, contudo este combate deve começar pela premissa de entender a dimensão do racismo, como se pretende, por exemplo, o Plano Juventude Viva (PJV).
O Plano compreende o enfretamento desse cenário por meio de políticas publicas que consistem na articulação interministerial (Justiça, Saúde, Educação, Trabalho e Emprego, Cultura, MDS, SEPPIR, SDH e Esporte) para prevenção e redução a vulnerabilidade dos jovens a situações de violência física e simbólica a partir do fortalecimento e acesso a políticas sociais. Ele tem como principal marco a construção de uma agenda de enfretamento a naturalização e banalização da cultura de violência contra jovens negros a partir da tentativa de um enfretamento ao racismo institucional.
Contudo, os principais desafios desta política estão nos próprios limites que o racismo institucional nós impõem, que restringe a execução do Plano à recursos limitados e equipe insuficiente, em ações descoordenadas às especificidades de cada um dos 142 municípios prioritários, e um pacote de projetos/programas muitas vezes extemporâneo. A articulação interministerial também apresenta fragilidades, principalmente quando questões centrais como o enfrentamento a violência policial e a formulação de uma nova política de drogas que não criminalize jovens negros – não são destaque nas agendas comuns dos ministérios envolvidos.
É bem verdade que o PJV não se predispõe em acabar com a violência policial frente ao discurso de guerra ás drogas. Acima de tudo o PJV trabalha com agendas de promoção de direitos. Porém, estes temas devem ser fortalecidos, e entendemos que institucionalmente o Plano tem total capacidade de impulsionar uma ampla disputa para investigar os “autos de resistência”, promover a desmilitarização das polícias e o fim do serviço militar obrigatório com vias à desmilitarização da sociedade, assim como a criação de uma nova política de drogas pautada na redução de danos, na humanização dos usuários/as e na descriminalização e legalização das drogas.
Até agora das demandas acima, apenas as mobilizações em torno da aprovação do Projeto de Lei (PL) 4471/2012, que altera o Código de Processo Penal e prevê a investigação das mortes e lesões corporais cometidas por policiais durante o trabalho “autos de resistência”, foram alvo de disputa do PJV. Intensas mobilizações foram feitas em Brasília nos meses de Novembro e Dezembro de 2014, porém houve poucos resultados.
Acreditamos ainda que o Plano Juventude Viva deve compreender a situação do aborto ilegal e inseguro como uma dimensão do extermínio da juventude negra. No Brasil, acontecem cerca de um milhão de abortos provocados e 250 mil internamentos para tratamento de complicações pós-abortamento. Mulheres de todas as classes sociais buscam no aborto soluções para situações extremas, porém as principais vítimas de complicações e morte têm classe e raça definidas, são em sua grande maioria mulheres negras, pobres e jovens que registram uma morte em decorrência de aborto inseguro a cada dois dias. A descriminalização e legalização do aborto, com subsídio da saúde pública do Estado – SUS – devem ser elementos de atuação do PJV. Precisamos atacar nossos verdadeiros inimigos!
Incompatibilidade do atual modelo de segurança pública e a políticas de drogas para um Estado Democrático de Direito
É certo que o povo negro vive na pele as violências cotidianas nas mais variadas dimensões, porém o discurso da violência tem dois sentidos importantes à serem explicitados: O sentido que legitima projetos que beneficiam poucos, e o concreto, que tem impacto na vida de milhares de pessoas.
No sentido concreto já falamos dos assassinatos motivados pelas ações desastrosas das polícias. Já no sentido legitimador é importante aprofundar o debate a cerca das armadilhas criadas para que possamos confundir segurança com criminalização de territórios, pessoas e substâncias. É neste último aspecto que chamamos atenção para o discurso da “guerra as drogas”.
Na modernidade o imaginário da população mundial é orientado pela aversão a algumas substancias psicoativas. A construção do medo e da imoralidade que apresenta a situação do uso de drogas ditas ilegais não por acaso, nasceu pela identificação das comunidades que faziam uso destas substâncias.
Se é verdade que a história da humanidade é acompanhada pela história do uso de psicoativos, como releva a vasta bibliografia historiográfica no tema, porque razões certas “drogas” se tornaram inimigas de Estados, alvo de combate sistêmico e ostensivo, e passaram à ilegalidade?
Um dos principais marcos do proibicionismo no mundo foi a recente política de “guerra as drogas” criada pelos governos Nixon e Reagan – então presidentes dos Estados Unidos nas décadas de 60 e 70 do séc. XX. O resultado desta desastrosa política foi logo sentido com o aumento estratosférico da população carcerária daquele país, majoritariamente negra.
Hoje o discurso do tráfico de drogas vem legitimando incursões policiais em periferias das grandes e pequenas cidades, colocando territórios inteiros sob o terrorismo das operações especiais – BOPE, PETO, ROTA e outras – com o curioso perfil de barrar o comércio das drogas ilegais no varejo e raramente autuar os grandes atacadistas. Esse movimento leva a produção de muitas mortes negras em cada incursão “mal sucedida” e engrossa os números de assassinatos no país.
Não foi a toa que país rapidamente aderiu à moda estadunidense e sancionou a “guerra ás drogas” em 1991. O Brasil foi o primeiro pais do mundo a criminalizar a maconha, em 04 de outubro de 1830, no Rio de Janeiro. O “pito de pango” como a substância era conhecido, foi proibido e o apelo para esta legislação estava ligado diretamente ao uso da maconha pelos negros escravizados nos morros da cidade, duramente acoitados por policial que combatiam o “ócio” negro. O país também foi palco da proliferação de teorias da Escola Criminológica Positivista, que projetava no homem negro o perfil criminoso, tendo um dos seus maiores adeptos, o professor Cesare Lombroso. A partir destas teses foram construídas bases de sustentação para que desde o fim do século XIX a criminalização do/a negra fosse feita com a legitimidade da ciência e com a autoridade da força do Estado.
Portanto, de acordo com a história e com os números atuais a “guerra às drogas” é, na real, um subterfúgio para esconder a guerra que o Estado faz contra pessoas, serve também para criminalizar a pobreza e os territórios, formando uma cadeia que se retroalimenta através da mídia burguesa, do conservadorismo social e do racismo institucional. Uma grande mentira que contada muitas vezes vai se tornando uma verdade.
Além de causar dor, a guerra também causa gastos, assemelhando-se muito – por óbvio – com os gastos em segurança pública. Estimasse que por ano se gasta mais de 400 bilhões de dólares com as políticas antiproibicionista, que nem de longe levam em consideração a política de saúde e prevenção. Ao contrário, suja de sangue as mãos do Estado e contribui significativamente para o aumento da população carcerária brasileira.
Entre 2012 a 2013 o discurso do tráfico de drogas foi o segundo maior fator de encarceramento no país, e nos últimos 12 anos a população carcerária feminina aumentou 256%, sendo mais da metade desta população prisional mulheres acusadas por tráfico de drogas.
É evidente que o sistema prisional vigente, que englobam penitenciárias e medidas socioeducativas estão em colapso. Foram 574.207 mil pessoas encarceradas em 2013, destes 40,1% são presos provisórios, aguardando julgamento. E apesar dos números alarmantes que colocam o Brasil na posição de terceira maior população carcerária do mundo, de 2012 a 2013 o déficit de vagas nos presídios cresceu 9,8%, chegando a 220.057 vagas faltantes!
Sem dúvida a população negra é principal vitima do sistema carcerário. Os dados do Departamento Penitenciário Nacional – Depen, do Ministério da Justiça, mostram que das pessoas em situação prisional 93,92% são homem, 50,88% têm entre 18 e 29 anos e 57,21% são pretos ou pardos. Na relação entre brancos, os negros são 18,4% mais encarcerados, e este movimento segue uma lógica de “em não sendo morto nos confrontos policiais, o negro certamente será preso”.
O sistema penitenciário é hoje dos principais mecanismos de violação de direitos humanos, fruto da equivocada política de segurança pública e da “guerra às drogas”. Neste sentido, reforçamos as propostas de desmilitarização e unificação das Polícias Militar e Civil, com vias a construção de um projeto alternativo de segurança pública, que priorize a promoção da segurança e da vida do povo negro. A desmilitarização do Estado passa, necessariamente, pela desmilitarização das polícias, mecanismo já apontado pela PEC 51/2013. O Projeto prevê a constituição de um novo modelo de polícia − uma polícia institucionalmente civil, uma carreira única, com integração entre agente, delegado, polícia ostensiva, preventiva e investigativa.
Da mesma forma é preciso refundar os marcos que regem o Direito e Código Penal brasileiro, constituindo uma reforma radical que coloque em prática o princípio da dignidade humana já constituído na Constituição Federal, e a reparação racial como alicerces fundamentais. Também exigimos a revogação da Lei de Políticas sobre Drogas, que em nosso ponto de vista, recuou e ajudou a encarcerar mais jovens desde 2006.
Afirmamos que ANTIPROIBICIONISMO: NÃO DEBATER É RACISMO! E com tal afirmação nos integramos a Plataforma Brasileira de Política de Drogas!
Não vamos aceitar a desqualificação do debate de descriminalização das drogas, porque entendemos esta política como eixos estratégicos no enfrentamento ao genocídio e encarceramento em massa do nosso povo.
O Enegrecer continuará nas marchas fúnebres, lembrando nossos mortos, reivindicando que todo preso comum é um preso político, e nos somando as centenas de frentes que surgem, oficiais e alternativas, para disputar um projeto de sociedade que estejamos no centro, não como alvo, mas como protagonistas.
Grandes desafios da educação superior no Brasil: permanência, pesquisa, pós-permanência.
A Lei Cotas nas universidades federais (lei n° 12.711/2012), é mais um significativo marco regulatório na implementação de ações afirmativas, tendo um impacto que pode ser observado no aumento de 225% no número de negros, pardos e indígenas de 2012 à 2014 nas universidades brasileiras.
A política de cotas somadas a ações de caráter geral do acesso ao ensino superior como o ENEM, ProUni, FIES, estão mudando o perfil do universitário brasileiro. Contudo apesar de ser inegável os avanços nos últimos anos, ainda estamos distantes na constituição de oportunidades iguais que equiparam negros/as e brancos/as no ensino superior.
As condições de permanência nas universidades e o exercício do pleno desenvolvimento acadêmico a partir do acesso aos projetos de pesquisa e extensão ainda são grandes gargalos para estudantes pobres, negros e cotistas. Para nós este é o segundo desafio – depois de estar vivo – para conseguirmos intervir na matriz da produção de conhecimento, que ainda faz a universidade brasileira funcionar sobre a matriz de um pensamento euro-referenciado, reproduzindo praticas racista que afastam negros e negras da produção científica.
Acreditamos que só a reserva de vagas e políticas de permanência específicas para pesquisa, extensão e pós-graduação podem garantir o acesso igualitário desses estudantes aos grandes laboratórios e linhas de pesquisas que influenciem substancialmente na mudança das nossas realidades. É na produção de conhecimento que se muda a cultura e a sociedade.
Queremos derrubar os muros físicos e simbólicos das universidades, acabando com os privilégios dos/as doutoras, e conectando saber acadêmico com saber popular, de modo que um não sobreponha o outro.
Algumas universidades como a UnB e a UFRJ hoje já vêm desenvolvendo/adotando políticas de reservas de vagas para negros e indígenas em curso de mestrado e doutorado. A ampliação dessa política é uma significativa resposta para o compromisso de uma universidade socialmente referenciada.
Acreditamos que o Ministério da Educação deve propor reserva de vagas na pós-graduação e construir um pacto nacional para aperfeiçoar o processo de seleção que aparta negros e negras destes espaços. É preciso refazer os caminhos do conhecimento, aonde não só Universidade contribua para os povos indígenas e afro-brasileiros, mas que estes povos, seus conhecimentos e suas cosmovisões, também possam contribuir para repensar a Universidade.
Cooptação: as armadilhas do racismo para a desarticulação da luta racial
´´Não nos interessamos em entrar para a Casa Grande,
nos interessa acabar com a Senzala!´´
O racismo sempre contou com a estratégia da cooptação de indivíduos dentre os povos oprimidos para ter mais legitimidade na sua tática de opressão, culpabilizando as próprias vítimas pelo sistema opressor. Em muitas situações além de enfrentarmos estruturas racistas, ainda nos cabe ter que provar a existência do racismo. Na escravização colonial, a emblemática figura do capitão do mato ilustra perfeitamente esta estratégia. O capitalismo do século XXI e sua voraz política de consumo desenfreado e competitividade em todos os âmbitos da organização social, aperfeiçoa a cada dia a estratégia de cooptação do povo negro.
Nisto se justifica o fato de que poucos dos atores políticos negros, sejam do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário, não têm centralidade na agenda antirracista em suas atuações, tampouco se organizem a partir da orientação do Movimento Negro e, muito menos, mantenham relação orgânica com uma base negra.
Observamos um esvaziamento histórico da agenda negra nestes sujeitos sociais, pois se desresponsabilizam com a pauta coletiva, da sobrevivência e emancipação do povo brasileiro (que é negro, em sua maioria), em troca de privilégios individuais, em busca de um poder alienista, isolado, fisiológico, contra-revolucionário.
Em todo o país, nas eleições municipais de 2012, e estaduais em 2014, observamos um fenômeno relevante para se pensar a questão da cooptação: inúmeros quadros brancos, conservadores e neoliberais, saíram candidatos trazendo homens e mulheres negras como vice. Este mecanismo funcionou como uma espécie de justificativa racial, uma cota puramente estética que não correspondeu em ações políticas.
A nós, não interessa o empoderamento de um, dois ou três negros, servindo de sustentáculo moral para uma hegemonia branca. Temos um lugar de fala, uma ancestralidade, um horizonte estratégico, um projeto de país; e nele, estaremos na linha de frente, protagonistas e sempre dispostos a dialogar e empoderar todos os sujeitos sociais interessados na equidade, na solidariedade e na democracia.
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Referencias Bibliográficas:
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• Alexander, Michelle. The New Jim Crow.Universidade de Ohionhttp://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/30858/sem+tempo+para+sonhar+eua+tem+mais+negros+na+prisao+hoje+do+que+escravos+no+seculo+xix.shtml
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• http://www.ssp.sp.gov.br/institucional/historico/origem.aspx
• http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm
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