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Nota da DS: Acertos e Erros

Sobre as “medidas de fortalecimento da regra fiscal”.

As “medidas de fortalecimento da regra fiscal”, recentemente propostas pelo governo,  vem causando um grande debate. Por um lado, a grande mídia, representantes do capital e do mercado financeiro se manifestam fortemente insatisfeitos por considerarem as medidas de corte tímidas e insuficientes. Querem reduzir mais ainda as verbas para políticas sociais e investimentos indispensáveis para melhorar as condições de vida da população.

Vale reconhecer que importantes ataques a direitos sociais, que vinham sendo veiculados pelo mercado financeiro especulativo, não foram aceitos pelo governo ao anunciar as medidas. É o caso do fim das vinculações da saúde e educação, a ventilada desvinculação da Previdência e dos BPC do salário-mínimo.

No entanto, a colocação de um teto no crescimento do salário-mínimo impacta negativamente uma conquista histórica na luta pela redistribuição de renda. A valorização do salário mínimo é um componente indispensável das condições de melhoria da renda para o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras, portanto uma pedra de toque que não pode ser colocada em questão.

Novamente, vale reconhecer que houve mudanças nas posições iniciais do governo, e para isso foi fundamental o posicionamento do PT e dos partidos de esquerda e centro-esquerda, bem como dos movimentos sociais, contra a agenda neoliberal e os interesses rentistas e em defesa de uma agenda de desenvolvimento e de distribuição de renda.

A proposta de aumento da faixa de isenção do IR para R$ 5 mil e a tributação dos ricos é um avanço na execução de nossos compromissos programáticos mais relevantes. Corresponde ao compromisso do Presidente de colocar os ricos no Imposto de Renda e diminuir a taxação da baixa renda, avançando na redistribuição.

O formato proposto pelo governo para a tributação dos ricos tem eficácia. Ele incide apenas sobre ganhos mensais superiores a R$ 50 mil e com uma alíquota baixa. É um corte que dificultará que a direita e seus aliados na mídia tentem assustar a classe média, misturando e torcendo as situações. A classe média não recebe esses valores e mesmo assim contribui, proporcionalmente, com mais imposto de renda do que o proposto para os detentores de alta renda, que hoje pagam muito pouco. A justiça da proposta é indiscutível.

É o melhor formato de progressividade já proposto, pois atua no sentido de diminuir muitas distorções, como a não tributação dos dividendos, os privilégios na tributação sobre rendimentos financeiros e ganhos agrícolas, dentre outros. Na prática, institui alguma tributação sobre esses privilégios. A tributação sobre os dividendos, por exemplo, passa a existir, embora de maneira indireta e mitigada. Mas é um primeiro passo estratégico.

E tudo isso de forma individualizada e justa, sem que a direita tenha qualquer desculpa para se opor.  Vai se opor mesmo assim, mas sem nenhum argumento válido.

É uma importante iniciativa. É uma pauta correta e que, politicamente, apresenta elementos que podem mover os argumentos, na disputa política para sua aprovação, em torno de reduzir a injustiça de ser quem têm menos renda quem mais paga imposto sobre ela.

A disputa no Congresso permitirá uma discussão mais profunda sobre a justiça tributária no país. E o nosso governo, os partidos de esquerda, os movimentos sociais e sindicais estarão unidos na defesa de um pilar programático estrutural e histórico que é o da progressividade e justiça tributária. Uma condição essencial para a redistribuição de renda. Devemos nos preparar e dar centralidade a essa disputa.

No entanto, há equívocos a serem corrigidos.

Em 2023, a pressão desmedida e a voracidade da especulação financeira no Brasil impuseram ao governo uma regra fiscal que confrontava o programa apresentado pelo Presidente Lula na eleição. Esta regra fiscal, denominada “Novo Arcabouço Fiscal”, é uma armadilha. Agrada à especulação financeira e traz impasses relevantes para o desenvolvimento do nosso país.

Conforme já havíamos alertado quando de sua discussão, para fazer algum sentido, o arcabouço fiscal não deveria incidir sobre os pisos constitucionais da saúde e educação, sobre a valorização real do salário-mínimo e sobre os investimentos. Permanecemos com a posição de que essas despesas sejam excluídas do arcabouço fiscal, pois esse é o verdadeiro interesse do país caso queiramos desenvolvimento e distribuição de renda.

As concessões estratégicas feitas pelo Governo no arcabouço não implicaram nenhuma contrapartida pelo lado de lá; ou seja, a especulação financeira continuou a exigir – e o Banco Central a executar – uma política monetária irresponsável, inclusive com elevação ainda maior da taxa de juros. O Brasil possui uma taxa de juros real sempre entre as mais altas do mundo, prejudicando a economia e elevando a Dívida Pública. O custo dos juros, artificialmente elevados pela especulação financeira e pelo Banco Central, constitui o verdadeiro problema fiscal do Brasil.

Embora os funcionários do mercado financeiro especulativo, entrevistados como “economistas” pela Globonews, jamais informem a população sobre isso, o fato é que o país pagou R$ 869,3 bilhões de reais de juros nos últimos 12 meses, sendo R$ 111,6 bilhões somente no mês de outubro de 2024.

Além de elevar os juros, a especulação financeira e o Banco Central continuaram a pressionar o governo por mais e mais cortes. Em matérias de imprensa, tão insistentes como inverídicas, criaram um clima de uma necessidade fiscal urgente e imperiosa, mesmo que não tenha ocorrido nenhum evento fiscal negativo ou novo. Pelo contrário, o governo vem declarando insistentemente que cumprirá a meta fiscal deste ano.

Como resultado desse processo, que construiu uma correlação desfavorável ao governo e confortável para a especulação financeira, o governo acabou incluindo tópicos equivocados nas “medidas”.

A limitação anual do crescimento real do salário-mínimo a apenas 2,5% prejudica a política de valorização do salário-mínimo, uma das principais conquistas dos nossos governos e do movimento social. Subordinar o salário dos trabalhadores às exigências da especulação financeira é algo que precisa ser revisto e devemos lutar para que isso ocorra. Da mesma forma, a redução dos beneficiários do abono salarial e a proposição de uma rigidez draconiana para os critérios de concessão dos Benefícios de Prestação Continuada precisam ser revistas.  Essas medidas são basicamente cortes de renda da população mais pobre e necessitada. Não se justificam de forma alguma. Devemos sempre estar atentos ao compromisso do presidente de colocar os pobres no orçamento. Nestas propostas apresentadas esse princípio não foi cumprido.

Uma simples comparação com a indecente taxa de juros destroi o argumento da necessidade fiscal das medidas: os R$ 30,6 bilhões de “economia”, prevista pelo pacote em seu primeiro ano, seria conseguido com um singelo corte de 0,55 % na taxa de juros, uma vez que 1% de taxa de juros a mais implica um gasto público anual de R$ 55,2 bilhões, segundo o próprio Banco Central.

Será que os indicados pelo novo governo ao Banco Central, que serão maioria no Copom a partir de janeiro, não conseguirão nem isso? Depois de todas as críticas do Presidente aos juros?

Um aspecto pouco percebido nas medidas refere-se à inclusão nelas dos efeitos do PLP 175, recentemente aprovado às pressas pelo Congresso Nacional e que passou a ser a lei complementar 210, de 25 de novembro de 2024, após sua sanção pelo Presidente. O que esse dispositivo faz é basicamente tentar legalizar as emendas parlamentares de comissão, o que ocorreu a partir do questionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o chamado orçamento secreto.

As emendas parlamentares são uma distorção que só servem para fortalecer o centrão e a direita e em nada contribuem para a democracia. Elas é que deveriam ser cortadas.

O executivo não deveria tentar tornar palatáveis as emendas de comissão, que, na prática, estão tomando o lugar do orçamento secreto.  E é incorreto dizer que o dispositivo vai aumentar o gasto em saúde. Na verdade, o dispositivo tem como efeito a redução da parcela do investimento mínimo em saúde decidida tecnicamente pela área da saúde e o aumento daquilo que é decidido no Congresso, na forma altamente questionada de emendas parlamentares. 

A reação da especulação financeira ao pacote relaciona-se com a dificuldade e o custo político que a direita terá para barrar a tributação progressiva proposta pelo governo. Além disso, esperavam cortes radicais. Esperavam uma serra elétrica.

A reação do mercado especulativo forçando uma explosão artificial e especulativa no valor do dólar é criminosa. E a participação do Banco Central através da omissão de suas obrigações funcionais é ainda pior. Por isso devemos responsabilizar os culpados. E compreender definitivamente que entregar o Banco Central à especulação financeira, disfarçando a ação em nome da autonomia do BC, é um desenho institucional que não serve ao país. 

As medidas propostas têm acertos e equívocos. Vamos apoiar com entusiasmo seus acertos, fazendo a luta política e a mobilização necessária para aprová-los e vamos, com o mesmo entusiasmo, lutar para corrigir seus equívocos e impedir os retrocessos que certamente a direita tentará impor.

Dezembro 2024

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