Por Pedro Tierra
“…a um gesto seu, laborioso, o silêncio baixa sobre as cidades.E tudo o que antes se movia, estanca. Quando assim deseja sua mão poderosa…
O sol se levanta sobre cidades vazias.
Hoje, a imagem virtual se faz gesto.
Concreto, corporal, denso:
na praça, na estação cerrada,
na moenda que não gira
para esgotar o suor do corpo.
Não há voos. Só o dos pássaros.
Sem as mãos do petroleiro,
o óleo não brota do mar.
Da linha de montagem, em silêncio,
hoje não sairá uma unidade.
A composição não rola
sobre os trilhos
para conduzir os submissos
ao posto onde consomem
um dia dentro de outro dia,
a vida gris que lhes coube.
Os dedos incontáveis da multidão
de carne, ossos e sonhos prendem
o espesso tecido de nossas esperanças
que agora se estende sobre a cartografia
do país: bandeira desatada
à maneira das chuvas de março.
Sobe desde a raiz da indignação
a seiva bruta que alimenta
o primitivo sentido de justiça
e nos faz a todos insurgentes
contra a ordem da delação, da vilania,
do engano, da traição, da hipocrisia.
Contra a lógica de choque dos assaltantes
que nos saqueiam a casa antes que amanheça.
Sementes de fogo iluminam avenidas desertas.
Contribuem talvez para dissipar a noite
e suspender a manhã que anunciamos.
Não vamos, em nome da paz,
– porque não haverá paz para os saqueadores –
domar a vontade de fazer em pedaços
a república que funda seus alicerces
sobre o pântano das delações.
Que se liberte o fogo,
onde o fogo for necessário
para que ouçam a voz
dos que sacodem,
ainda inocentes de sua força,
as estruturas dessa edificação,
em véspera de ruína.
Se o ódio é a lavoura do mal
cultivada no veneno das noites
e da amargura,
a ira é a explosão do espírito
frente à injustiça.
Já não há rebanhos de cordeiros
marchando dóceis rumo ao matadouro.
Recusamos o destino
que o olho único do ciclope nos oferece.
Com as mesmas mãos que hoje paralisam o país
saberemos tecer com fios de espanto
outros destinos possíveis.
Não seremos devolvidos à senzala.
Já inventamos quilombos.
Não seremos devolvidos à senzala.
Já subimos às favelas.
Já recusamos o cativeiro.
Mal aprendemos o sabor da liberdade
e nos damos conta de que é preciso
vazar, sem piedade,
o olho onipresente do ciclope
que nos hipnotiza, nos cega,
nos reduz, nos escraviza.
Chega o tempo de acelerar
o impulso das horas
e dizer ao país que somos
as mãos que movem as cidades,
e plantam o grão que nos alimenta.
Hoje, a palavra se fez gesto.
E o gesto se fez classe.
Brasília, 1º de Maio de 2017.
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