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O “ficha limpa” nosso de cada dia

A importância de um projeto de lei de iniciativa popular é fundamentada na bela oportunidade da plena participação das pessoas na política. A Constituição federal garante esse engajamento popular através dos plebiscitos, dos referendos e dos projetos de lei dessa natureza. Porém, infelizmente, poucas foram as vezes que essas ferramentas foram utilizadas.

Robson Leite *

Por outro lado, em todas as oportunidades que isso aconteceu, os debates, as mobilizações e o amadurecimento político dos cidadãos destacaram-se como as grandes conquistas desses processos. No caso específico dos projetos de lei de iniciativa popular, há mais um importante elemento que caracteriza a bela oportunidade desse “empoderamento popular”: a clara expressividade de um desejo ou clamor do povo organizado.

A Lei da Ficha Limpa – que partiu da CNBB e da OAB, além de outros importantes organismos brasileiros – é um grande exemplo disso. Fruto de uma ampla mobilização popular para atender a um desejo da população – a valorização da ética republicana no trato da coisa pública – esse projeto teve por objetivo aperfeiçoar a Lei 9.840, de combate à corrupção eleitoral – também criada pelo mesmo instrumento. Foi quase 1,5 milhão de assinaturas. Um ato de cidadania em prol de uma política melhor e de um país melhor.

O projeto foi finalmente aprovado. Uma vitória da sociedade brasileira que visa, sobretudo, evitar que as pessoas que tenham problemas de natureza criminal na justiça participem da vida política. Algo muito similar ao que acontece hoje com os magistrados aprovados em concurso público.

Entretanto, há um elemento que está sendo esquecido diante da importante Lei da Ficha Limpa: os valores de uma ética republicana não podem ser restritos apenas aos parlamentares ou às suas condutas com o dinheiro público. Ela precisa alcançar duas dimensões fundamentais: a dos cidadãos e a da conduta parlamentar como um todo.

Essa obrigatoriedade de comportamento ético precisa atingir todos os cidadãos e não apenas os políticos. É estranho ouvir de uma pessoa frases do tipo “vou votar em fulano porque ele é ético”. Ora, não deveríamos todos ser éticos? Quando criticamos que alguns policiais são corruptos esquecemos que, para existir o corrupto, tem que existir a figura do corruptor. Em outras palavras, a quem interessa a existência de um policial corrupto senão ao mau cidadão que gosta de dar um “jeitinho” nada correto na sua infração? Isso sem falar em outras coisas também complicadas, como as declarações de Imposto de Renda fraudadas, o “descontinho” que algumas pessoas pedem em troca da não emissão da nota fiscal. Será que essas situações também não exigiriam uma “ficha-limpa”?

A segunda dimensão desses valores éticos está intrínseca na condução mandatária – ou parlamentar – como um todo. Será ético um parlamentar atuar explicitamente a favor da redução da responsabilidade penal? Será também ético um parlamentar agir politicamente com o seu mandato de forma contrária a alguma política de distribuição de renda? Ou, finalmente, será ético um parlamentar votar e articular no Parlamento de forma contrária a uma reforma agrária ampla e irrestrita que poderia solucionar, de uma vez por todas, a questão da violência do campo? Em nenhum desses casos essa militância estaria associada a algum tipo de desvio de dinheiro público, mas será que seriam movimentações éticas essas atitudes?

Os valores éticos são elementos indispensáveis de uma sociedade, mas precisamos refletir que a necessidade de ampliarmos esses conceitos para todos e, sobretudo, de refletirmos verdadeiramente sobre qual o conceito de ética que queremos trazer para a sociedade são indispensáveis para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Falar da ética é, inclusive, buscar uma conduta que priorize os mais pobres com ações sociotransformadoras e, além disso, buscar construir uma sociedade onde o bem comum seja a bandeira da inclusão e da redução das desigualdades que, apesar dos grandes avanços no Brasil, ainda ferem, lamentavelmente, a dignidade da pessoa humana. Com esses critérios estaremos dando um passo importante no aprofundamento da “ficha-limpa” na política e na vida de cada um de nós.

* Robson Leite é professor universitário e militante da Teologia da Libertação. Candidato a deputado estadual no Rio, com número 13.013. Artigo originalmente publicado no “Jornal do Brasil”.

 

 

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