Por Julio Barbosa, publicado originalmente no site da Teoria e Debate.
Um segundo capítulo sobre as mudanças no Código Florestal Brasileiro foi concluído com a votação, no Senado, do relatório apresentado pelo senador Jorge Viana (PT-AC).
O que presenciamos, na minha opinião, foi o resultado de negociações que o governo teve condições de fazer com os mais diversos interesses da sociedade brasileira.
Um tema dessa natureza é, sem dúvida, um dos maiores desafios para um país como o Brasil, detentor da maior quantidade de água doce, da maior floresta tropical e da maior biodiversidade do planeta. Além disso, o país, considerado o maior produtor de energia limpa do mundo, tem assumido, de forma corajosa, o compromisso de reduzir a emissão de CO2 na atmosfera. Nos últimos anos também vem reduzindo de forma extraordinária o desmatamento da Amazônia.
No Plano Nacional de Resíduos Sólidos, assumiu o compromisso de, até 2014, erradicar os lixões, que hoje atingem mais de 70% das cidades brasileiras. Na política de proteção de floresta e de biodiversidade, possui o maior número de áreas protegidas do planeta, incluindo Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
O novo código ajuda ou atrapalha?
Do ponto de vista conceitual, pode ser que tenhamos muitas dificuldades de adaptar a nova lei aos mecanismos de produção e desenvolvimento do país. O Brasil, geograficamente, tem a maior parte da população morando em cidades, ao contrário do setor produtivo, de feição totalmente rural. Mesmo uma grande indústria localizada em uma grande cidade normalmente tem seus produtos muito mais direcionados para o setor rural que para o urbano. Quando se fabrica uma máquina pesada, o objetivo quase sempre é atender a produção no setor rural.
Por isso temos, agora, de atentar para a possibilidade de que, de fato, seja transformado em lei o que foi votado no dia 6/12/2011, já que a batalha não ainda terminou. Alguns deputados, como os da bancada do PMDB, encaminharam posição favorável para que o código fosse votado ainda em dezembro de 2011. A decisão de fazê-lo apenas no início do ano legislativo de 2012 foi do presidente da Câmara Marco Maia, segundo a imprensa. O líder do PMDB diz que 90% do partido está satisfeito com o texto e 95% dele está correto. O que significa dizer que não está 100% correto. A sociedade, portanto, precisa estar atenta a essa insinuação.
E por que o texto está bom para os ruralistas? Ou mais ou menos bom? Analisemos.
Reserva Legal
O texto mantém os mesmos percentuais: 80% para Amazônia, 20% a 25% para o Cerrado e 20% para os outros biomas. A diferença é que estabelece que, para aqueles proprietários que possuem até quatro módulos rurais e tenham convertido a reserva legal até 22/7/2008, não será obrigatória a reposição. Com isso, milhares de agricultores familiares serão beneficiados pela lei, mas também muitos médios pecuaristas. Outro problema é que o módulo rural varia de uma região para outra. Na Amazônia, por exemplo, um módulo pode chegar a 110 hectares, quatro módulos seriam 440. Ou seja, é quase um latifúndio. Mas quem conhece o Brasil real sabe que a situação de Reserva Legal é um dos maiores problemas para a regularização fundiária no país.
Áreas de Proteção Permanente (APPs)
No código atual, a APP não pode ser utilizada para nenhuma atividade produtiva que interfira no equilíbrio do ecossistema, pois se trata de nascentes, rios, igarapés, topos de morros e encostas. Na Amazônia as ocupações se deram pelos rios por estes serem a única via de acesso. Com isso, ao longo do tempo os habitantes foram desenvolvendo suas atividades às margens, com plantação de agricultura de subsistência, e construíram suas moradias. Mas esse povo sempre teve a preocupação de preservar, porque dali tiravam seu sustento. Esse modelo não é o mesmo utilizado em outras regiões, como o litoral, onde se localiza grande parte das pousadas de turismo ecológico, e os topos de morros, onde estão muitas das atividades de turismo rural. Mesmo assim, foi nos topos de morros que começou, no início do século passado, a produção de uva e maçã na Região Sul.
Na proposta nova ficam permitidas atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural em APPs já ocupadas antes de 22/7/2008. Essa forma ajuda quem já desenvolve secularmente atividades nessas áreas, mas também beneficia as empresas de turismo que exploram o litoral com seus hotéis e pousadas.
Anistia a crime ambiental
Não existe anistia a crime ambiental. O que o relatório define são critérios para tentar resolver um grande impasse que existe na lei atual, que é multar um produtor que muitas vezes tem uma área de terra que não vale monetariamente a valor da multa, além de responder criminalmente pelo dano causado. O texto define que essas multas podem ser convertidas em serviços de proteção ambiental, mas para isso o proprietário precisa se cadastrar para fazer a regularização ambiental de sua propriedade (CRA). Do contrário, continua a pendência, e a multa em moeda passa a ser substituída por recomposição de floresta.
Mangues
Os mangues continuam sendo considerados APPs, mas o texto atual permite atividades de criação de camarão em cativeiro, por exemplo. Esse é outro ponto muito polêmico. O que representa hoje a atividade de pesca de camarão para o PIB brasileiro? A produção de camarão no Brasil é originária em grande parte do pequeno produtor (75%), emprega 40 mil pessoas, utiliza 20 mil hectares de mangue e produz 75 mil toneladas por ano (dados da Associação Brasileira de Produtores de Camarão).
O Brasil possui 1 milhão de hectares de mangue, gasta US$ 1,3 bilhão com importação de pescado e mais R$ 1,3 bilhão com seguro-defeso por ano. Precisamos proteger o mangue, mas precisamos torná-lo mais produtivo. Proteger o pequeno produtor de camarão é proteger os manguezais. Por tudo isso, temos de estar atentos para as novas batalhas que virão quando se iniciar o ano legislativo.
* Julio Barbosa é secretário Nacional de Meio Ambiente do PT.
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