*André Jorge Marinho
10/07/2014
Decrifa-me ou te devoro
Ao deparar-se com a Esfinge no meio do deserto, Édipo teve de responder a um enigma, que, para quem não sabia responder, significava uma sentença de morte. Era portanto necessário saber as respostas certas para continuar a viagem.
A aprovação do novo PNE – Plano Nacional de Educação, no dia 26 de junho, pela Presidenta Dilma Rousseff, para o período de 2011-2020, abre um novo patamar para (re) organizar a educação no país e representa o resultado concreto para a criação de um Sistema Nacional de Educação. Diante disso, o esforço do movimento progressista, incluindo a CUT e nossas organizações sindicais, frente ao novo PNE, é compreender os limites, possibilidades e o que está em disputa para evitarmos que a esfinge nos devore
A primeira iniciativa do governo brasileiro em estabelecer parâmetros para a educação, como direito para todos, foi na década de 1930. Após esse período, a criação do Sistema Nacional de Educação sofreu fortes embates e o legislativo foi o principal espaço de disputa. Entre as décadas de 40 a 60, o país debateu várias propostas e apenas no início da década de 60 surgiu o primeiro Plano Nacional de Educação. Porém, o golpe civil-militar de 1964 interrompeu esse processo. A ditadura enterrou o plano aprovado e implementou o modelo de educação internacionalizada, baseada no tecnicismo e na expansão do Ensino Superior privado, sendo a parceria MEC – USAID o principal reflexo. Finalmente, os anos 90, com forte influência neoliberal, intensificou a ideia de educação como mercadoria e apenas em 2001, o Brasil implementou o primeiro plano de educação do país, marcado por profundas medidas neoliberais.
Esse rápido histórico demonstra que o Brasil não é um país com tradição no planejamento das políticas educacionais. Por sinal, o PNE aprovado é o segundo da história do país. Essa conclusão, trágica por sinal, demonstra o tamanho dos desafios para superar décadas de inconsequência educacional.
O novo PNE estabelece novas possibilidades para fortalecer a educação no país. Ao oficializar o Fórum Nacional, Estaduais e Municipais, como instâncias do Sistema Nacional de Educação cria-se um espaço para acompanhamento e monitoramento dos Planos. Além disso, a sua composição exige a participação dos movimentos sociais e incorpora a pluralidade como base. Outra consequência importante é que as conferências se tornam espaço de debate, formulação e pressão social das políticas educacionais.
Outra importante vitória do novo PNE foi em relação ao financiamento, apesar do governo tentar barrar os 10% do PIB para a educação e o CAQi (Custo Aluno Qualidade), a persistência dos movimentos sociais junto a Câmara resultou na aprovação desses dois pontos e ainda com a garantia dos 50% dos royalties do Pré-Sal para a educação.
Nesse contexto de avanços, a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos, a valorização dos/as profissionais de educação, a expansão da creche e as políticas para acesso e permanência ao ensino constituem outras medidas importantes do plano.
Mesmo com essas possibilidades, o plano conta com limites que precisam ser encarados. A retirada do termo público, na referência ao investimento para a educação, demonstrou o poderoso lobby que setor privado tem no congresso e no governo. Dois pontos servem para ilustrar o impacto dessa retirada: primeiro, na medida em que o ProUni e os Fies passam a figurar no cálculo de investimento para a educação, fica consolidada a transferência direta de recursos públicos para o setor privado. Segundo, o Sistema “S”, que já conta com volumosos investimentos públicos, passarão a receber ainda mais recursos com o Pronatec em detrimento do sistema regular de ensino.
Outro limite foi a retirada da flexão de gênero do PNE. A participação de religiosos no plenário, rezando o terço, e gritando que “essa mudança enfraquecia a família”, contribuiu para pressionar os deputados contra a flexão. Todos que votavam a favor eram vaiados e hostilizados no plenário pelos religiosos. A derrota para esses setores conservadores, mantém estigmas combatidos a décadas pelo movimento feminista, LGBTT e todos outros movimentos progressistas que compreendem a dimensão da flexão de gênero como estratégica.
Diante desses pontos, o novo PNE apresenta limites e possibilidades para a educação no Brasil. Para superar os limites impostos pelo PNE é preciso aprofundar o diálogo com os movimentos progressistas, ampliar o campo de formulação político-pedagógico, estar nos espaços de participação, como as conferências e fóruns de educação. A CUT e o movimento sindical tem um papel importantíssimo nessa luta.
É necessário explorar as possibilidades abertas pelo PNE e defender uma proposta educacional para além do capital e profundamente conectada com os interesses nacionais, na melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro e promotora de uma nova dimensão humanitária evitando assim, que a esfinge nos devore.
*André Jorge Marinho é diretor executivo da CUT-RJ.
**Artigo originalmente publicado em: http://cut.org.br
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