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O paradoxo eleitoral de 2012: fragmentação partidária com polarização entre esquerda e direita

O paradoxo eleitoral de 2012 fragmentação partidária com polarização entre esquerda e direitaPor Josué Medeiros *

Em 2012 a cidadania brasileira comemora 30 anos de eleições ininterruptas. Em 1982 os brasileiros puderam votar para governador, o que, então, não ocorria desde os anos 1960. Embora os militares ainda estivessem no poder, essa foi também a primeira eleição com relativo pluripartidarismo desde o golpe de 1964. Três décadas de disputas eleitorais são um importante marco, que confirma o que o conjunto dos cientistas sociais, jornalistas, ativistas políticos e lutadores sociais vêm afirmando sobre a força da democracia brasileira. Cerca de 140 milhões de eleitores (a quarta maior democracia do mundo), em pouco mais de 5,5 mil cidades, foram às urnas no dia 07 de outubro de 2012 eleger prefeitos e vereadores. O processo eleitoral foi finalizado em 28 de outubro, quando 50 dos 85 municípios com mais de 200 mil eleitores realizaram o 2º turno. O nível de abstenção, com média de 18% no 1º turno e 19% no 2º turno, ficou dentro da média histórica, não significando, portanto, nenhuma crise democrática.

Este texto pretende fazer um balanço das eleições. Primeiro, com os números do 1º turno, porque apenas nesta etapa é possível comparar todos os partidos. O Partido dos Trabalhadores (PT), da presidente Dilma, foi a sigla mais votada do país. Em seguida, vieram o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do vice-presidente Michel Temer, e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) do ex-governador de Minas Gerais, Aécio Neves. Êxito indubitável dos dois principais partidos no poder e do principal partido de oposição. Outro partido que pode ser considerado vitorioso é o Partido Socialista Brasileiro (PSB), do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Quarto partido mais votado, o PSB foi a legenda que mais cresceu de 2008 para 2012. Pelo critério do crescimento, o PT também saiu vitorioso, visto que aumentou seus votos de 2008 para 2012. O PMDB, o PSDB e o Democratas (DEM, antigo PFL, que ocupou a vice-presidência entre 1995 e 2002) foram derrotados, com perda de votos em comparação há quatro anos.

Em relação ao número de prefeituras, já contando o 2º turno, os dados confirmam o crescimento de socialistas e petistas, e a queda de tucanos, democratas e pemedebistas. A queda do PSDB confirma seu declínio constante desde que perdeu as eleições presidenciais em 2002. O mesmo resultado aparece no total de eleitores governados: PT e PSB crescem, PSDB fica estável, e PMDB e DEM caem. Grande parte da queda do DEM pode ser explicada pelo desempenho da sua dissidência, o Partido Social Democrático (PSD), criado pelo Prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. O PSD fez sua estreia elegendo 497 prefeitos. A tabela abaixo resume o quadro.

Partido Total de votos (em milhões) Votos válidos (%) Desempenho com relação à 2008 (%) Nº de Prefeituras, já com o 2º turno Desempenho com relação a 2008 (%) Total de eleitores que vai governar (em milhões) Comparação  com relação a 2008 (total de eleitores)
PT 17,26 16,79% + 4,3% 635 + 14% 27,6 + 36%
PMDB 16,7 16,26% – 9,8% 1026 – 14% 22,8 -20%
PSDB 13,95 13,57% – 4,3% 702 – 11% 18,3 +4%
PSB 8,6 8,37% + 51,3% 441 + 42% 15,3 + 101%
PSD 5,8 5,67% Não disputou 497 Não disputou 8,6 Não disputou
DEM   4,42% – 51,4% 278 -44% 6,4 -60%

Muitos analistas insistem em apontar para a fragmentação do sistema partidário como principal resultado das eleições de 2012. A colunista da Folha de São Paulo, Eliane Cantanhêde, afirmou, em artigo do dia 08 de outubro, que “nenhuma sigla pode se considerar vitoriosa” em uma eleição cujo “principal marco” foi a “pulverização partidária”. No mesmo sentido vai Dora Kramer, articulista do Estado de São Paulo, que no dia seguinte ao pleito sentenciou: trata-se de “um quadro equilibrado, adequado a uma sociedade plural e a um sistema multipartidário”. Merval Pereira, editor de política do jornal O Globo, deu o título de “Quadro Fragmentado” para sua coluna publicada no dia da eleição. O jornalista descreveu “a eleição mais fragmentada dos últimos anos, com pequenas legendas ganhando destaque”. Miriam Leitão, que dirige a seção de economia do mesmo jornal, diz que “o eleitor deu vários recados aos partidos em geral”. O primeiro, e principal, deles é, segundo ela, que o brasileiro “quer um sistema partidário pulverizado”.

A fragmentação do sistema partidário brasileiro é um fato. São 30 legendas registradas. Em 2008, dez partidos haviam conquistado prefeituras em capitais, o que já significara a maior dispersão partidária da história. Em 2012, foram 11 agremiações que elegeram prefeitos em capitais. Com relação às 85 maiores cidades brasileiras, a fragmentação é ainda maior. Nestes municípios, 16 partidos elegeram prefeitos. Não obstante, por trás desta pulverização, é possível ver um padrão: a polarização entre esquerda e direita, representados por PT e PSDB.

A polarização esquerda-direita

A diversidade cultural e social do Brasil não apaga a clivagem política fundamental da nossa sociedade, entre as forças populares e os setores das elites – aquelas sendo hegemonizadas pelo PT e estas pelo PSDB. Uma análise mais detalhada demonstrará que isto é tão verdade quanto a fragmentação do nosso sistema partidário, formando um aparente paradoxo. O paradoxo é apenas aparente, uma vez que polarização e fragmentação são dois aspectos do mesmo processo. O PT busca enfatizar a polarização, para reforçar a figura da presidente Dilma, de popularidade elevada, e do ex-presidente Lula, que saiu do poder consagrado, bem como reforçar sua identidade de esquerda, de representante de um projeto democrático e popular virtuoso. Já o PSDB quer transformar a disputa municipal em uma questão local, para evitar a influência de Dilma e Lula, e para desfazer a imagem de que é um partido das elites, herdeiro do projeto neoliberal.

Em São Paulo, maior colégio eleitoral, tal clivagem é evidente. Fernando Haddad, ex-ministro da Educação dos governos Lula e Dilma, conquistou a Prefeitura contra José Serra, ex-ministro da Saúde e do Planejamento de Fernando Henrique e duas vezes derrotado em eleições presidenciais. A votação expressiva de Celso Russomano, no 1º turno, não desfaz a polarização. Ela apenas representa um segmento que sempre existiu em São Paulo, chamado muitas vezes de “populismo de direita”, e que tem em Jânio Quadros e Paulo Maluf seus principais expoentes históricos. O PT mobilizou fortemente a figura do ex-presidente Lula e da presidente Dilma para levar seu candidato à vitória. E o PSDB falava do julgamento de petistas históricos pelo Supremo Tribunal Federal no chamado “escândalo do mensalão”.

A mesma polarização se repete no terceiro colégio eleitoral do Brasil, a cidade de Salvador. O que muda é ator da direita, o DEM no lugar do PSDB. O PT concorreu com Nelson Pelegrino e o DEM com Antônio Carlos Magalhães Neto. Os dois são Deputados Federais, protagonistas dos seus campos políticos no plano federal. Esquerda e direita em confronto aberto, portanto. A vitória da ACM Neto significou a sobrevivência política do DEM enquanto partido relevante.

O quarto colégio eleitoral, Belo Horizonte, é mais um terreno da polarização. O PT, com o ex-ministro Patrus Ananias, pelo lado da esquerda, só que desta vez enfrentando um partido da base aliada, o PSB, representado pelo atual prefeito, Marcio Lacerda, que foi apoiado pelo governador Aécio Neves. Aécio, vale dizer, é virtual candidato à presidente contra Dilma Rousseff em 2014. É impossível circunscrever esta disputa à dinâmica regional. O PT mobilizou novamente Lula e Dilma, contra Aécio Neves, a cara nova dos tucanos, que saiu fortalecido como principal liderança da oposição com a vitória do seu candidato no 1º turno.

A região Norte reproduz esta polarização em duas importantes cidades, Manaus e Rio Branco, onde candidatos tucanos enfrentaram partidos de esquerda, o PC do B e o PT respectivamente. Na capital acreana o PT manteve sua hegemonia de duas décadas, enquanto em Manaus o PSDB conseguiu permanecer como força principal com a vitória do ex-senador Arthur Virgílio. Na capital paraense também a polarização entre direita e esquerda se apresenta, só que neste caso quem representou a esquerda contra os tucanos foi o PSOL, com o ex-prefeito de Belém Edmilson Souza, eleito pelo PT em 1996. O PSDB venceu.

O protagonismo de PT e PSDB – e a cisão entre esquerda e direita – foi o padrão predominante na maioria das 85 cidades que podem fazer 2º turno. O PT foi o maior vencedor, conquistando 16 prefeituras. O PSDB ficou em segundo lugar, com 15 vitórias. Foram, ademais, os dois partidos com mais disputas no 2º turno: O PT em 22 cidades e o PSDB em outras 17, sendo mais uma vez os dois protagonistas das disputas. Por fim, petistas e tucanos se enfrentaram em seis destes municípios, sendo três capitais. Nas demais cidades onde PT e PSDB não se enfrentaram, é possível buscar explicações para a modificação do padrão que superem a mera obviedade de que as realidades locais são peculiares. E estas explicações estão sempre relacionadas com o espectro esquerda e direita. Começando pelo Nordeste.

Os partidos de direita no Nordeste e Norte estão em crise desde que o governo Lula botou em marcha um processo de crescimento econômico sustentável na região. Com taxas acima da média nacional, o crescimento econômico na região possibilitou uma forte redução da miséria. Além disso, os programas do governo, que transferem renda direta para os mais pobres, permitiram a desarticulação das relações de poder que as velhas oligarquias estabeleciam com a população mais pobre. O resultado é uma brutal queda do DEM e do PSDB, e também do PMDB nos estados em que este partido optou por fazer oposição ao PT (Pernambuco e Bahia).

Não é de estranhar que a disputa política em cidades importantes da região seja pautada pelo confronto entre dois partidos da base governista. Dada a popularidade do ex-presidente Lula entre os nordestinos, é natural que as forças governistas e de esquerda estejam super representadas e comecem a disputar espaço entre si. A isso se somam as vicissitudes locais, como ficou claro nas brigas internas do PT pernambucano. Estas, porém, não são determinantes para explicar as disputas entre PT e PSB em Recife, com vitória deste ultimo no primeiro turno e derrota impactante dos petistas, ou em Fortaleza, onde os dois partidos se enfrentaram no segundo turno, com vitória dos socialistas, e ainda em João Pessoa, onde os dois partidos brigaram pela vaga da esquerda no segundo turno, com vitória do PT.

No Sul e Sudeste do país a realidade é completamente distinta. Nestas regiões a oposição de direita conserva sua força, ganhando as duas ultimas eleições presidenciais na maioria dos estados. Além disso, em duas importantes capitais, Rio de Janeiro (segundo maior colégio eleitoral) e Curitiba, a esquerda apresenta algum grau de fragilidade, e o campo do governo fica representado por políticos oriundos da direita, dois ex-tucanos, Eduardo Paes e Gustavo Fruet respectivamente. Ambos venceram, sendo que o pleito curitibano representou uma inegável derrota do PSDB. O atual prefeito, Luciano Ducci, do PSB, apoiado pelo governador tucano Beto Richa, não conseguiu passar para o segundo turno. Na eleição carioca, quem ocupou o campo governista foi o PMDB, repetindo o que já vem fazendo no governo do Estado, com Sérgio Cabral. Tanto no Rio de Janeiro, quanto no Paraná, o PT busca sua reorganização a partir de duas candidaturas ao governo do Estado em 2014 competitivas, dos senadores Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffman (PR).

Estas duas capitais assistiram a emergência de dois fenômenos eleitorais oriundos de partidos pequenos, que demonstram, em alguma medida, a fragilidade do campo de esquerda. Ratinho Jr construiu, em Curitiba, um processo similar ao Russomano: ambos apresentadores de TV, conservadores, com voto popular, justamente onde as candidaturas governistas são mais fortes. Tanto que ambos perderam votos quando a identificação de Fruet e Haddad com Lula e com o governo se consolidou.

No Rio de Janeiro o espectro da esquerda foi ocupado nestas eleições pelo Partido do Socialismo e da Liberdade (PSOL), um racha do PT nascido em 2004 a partir da crítica aos desvios éticos e à política econômica do inicio do governo Lula. Seu candidato, o deputado Marcelo Freixo, conquistou 28% dos votos válidos, quase um milhão de eleitores, e o partido elegeu quatro vereadores.

Do mesmo modo que é inegável que o PT foi o principal derrotado em Porto Alegre, cidade que já governou por quatro gestões e capital de um estado governado por uma importante liderança petista, Tarso Genro. O atual prefeito José Fortunati, do PDT, foi reeleito no 1º turno. A direita também saiu bastante derrotada na capital gaúcha, já que os três principais candidatos eram do campo governista, o que é explicado pelo fracasso do governo tucano de Yeda Crusius, entre 2006 e 2010.

Conclusão

Com o resultado final, é possível organizar um balanço das eleições a partir da diferenciação entre esquerda e direita, sobrepondo esta clivagem aos projetos hegemônicos em cada campo – PT e PSDB – que polarizam a política brasileira nos últimos 20 anos e que representam o campo governista e o setor oposicionista. Em apenas uma capital, Vitória, dois partidos de direita se enfrentaram, e apenas em Vitória e em Belém dois partidos de oposição foram ao 2º turno, sendo que na capital paraense um deles (o PSOL) é claramente de esquerda.

Não restam dúvidas de que a esquerda sai fortalecida, e também o campo governista, pelas vitórias do PT e do PSB.  E ainda o PSDB, que mantém sua posição de principal força de oposição ao governo, ainda que com menos prefeituras e menos votos em 2012 do que em 2008. As capitais demonstram bem este quadro: o PSB levou 5, enquanto PT e PSDB, 4 cada. Dois atores novos também entram em cena: O PSD, com suas 500 prefeituras e o PSOL, que conquistou sua primeira capital, Macapá. Esta vitória pode significar uma entrada efetiva dos psolistas na institucionalidade brasileira, o que até agora não ocorreu.

Os movimentos atuais indicam para uma manutenção da polarização entre esquerda e direita e entre PT e PSDB em mais uma eleição presidencial. O PMDB tem reafirmado que pretende manter seu apoio ao PT e à presidenta Dilma. Existe ainda a possibilidade de ruptura entre PT e PSB em 2014, com o socialista Eduardo Campos se candidatando à presidente, algo pouco provável dado o quadro atual de alta popularidade da presidente Dilma. Já o PSDB tenta atrair o PSB para o seu campo, estimulando as disputas entre socialistas e petistas. Rachar o campo governista seria uma forma da oposição compensar sua perda de votos.

A manutenção desta polarização entre esquerda e direita e entre PT e PSDB nas eleições de 2012 e sua continuidade na disputa presidencial de 2014 coloca o Brasil no mesmo contexto político dos países sul-americanos que são governados por setores de esquerda e progressistas. Em alguns casos, como Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela, tal polarização é aberta e radicalizada. Em outros, como no Chile e Uruguai, mesmo sem a radicalidade, a polarização é evidente, tendo em vista as coalizões que se formam pelo lado da esquerda, como a Frente Ampla uruguaia e a Concertação chilena, que ajudam a explicar o cenário político.

A fragmentação partidária típica do sistema político brasileiro não anula a polarização, ainda que cause confusões e permita análises que não apontem para a centralidade da clivagem entre esquerda e direita. Mas ela segue viva e atual no Brasil, mesmo que em ritmo mais lento e sonoridade mais baixa, como que se adequando aos lentos movimentos históricos que marcam a vida política do Brasil.

* Josué Medeiros é doutorando em Ciência Política pelo IESP/UERJ e ex-diretor da UNE.

doutorando em ciência política pelo IESP/UERJ e ex-UNE

Este texto é uma versão reduzida de um artigo publicado pelo autor na página do Observatório Político Sul-Americano(OPSA), em dia 30/10/12.

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