Priscila Moreira Borges
originalmente em http://marchamulheres.wordpress.com
Em tempos de ofensiva conservadora, direita organizada e preocupação com uma crise política que vem sido estabelecida, é necessário compreender o que isso significa diretamente na garantia de um Estado laico e despatriarcalizado.
A partir da eleição de Eduardo Cunha (PMDB) como presidente da Câmara dos Deputados, os movimentos feministas, LGBT, anti-racistas, de direitos humanos, esquerda e progressistas no geral, imediatamente lançaram suas opiniões repugnando este fato. Que é um retrocesso incontestável quando se fala em ampliação e garantia de direitos. A crise política que se estabelece, com um PMDB difuso, compondo o governo e se posicionando constantemente como oposição do mesmo, por meio de importantes figuras públicas do partido, ruma diretamente a uma ofensiva fundamentalista e conservadora à vida das mulheres brasileiras.
Para começar, pela primeira vez a TV câmara passará a ser dirigida por um deputado evangélico, sempre fora por técnicos que montavam sua programação. A partir deste ano, teremos mais um espaço para reverberar muito do fundamentalismo religioso, agora não só em seus canais específicos, mas também na TV Câmara, pertencente ao suposto Estado laico brasileiro, que se torna cada vez mais distante.
Cunha segue sua articulação, até agora muito eficaz, de enfrentamento à organização política e à vida das mulheres. Outra ação foi interferir diretamente na composição da Secretaria de Mulheres da Câmara, que sempre foi auto-organizada. A proposta dele é que se altere a forma de organização estabelecida na secretaria e agora a composição seja como em todas as outras comissões, em que o maior bloco de partidos (ironicamente liderado por seu PMDB) indique quem estará a frente da mesma.
Dentre tantas outras ações, é importante dar atenção privilegiada ao seu posicionamento em relação a descriminalização e regulamentação do aborto – fatídico dia em que declarou que a legalização só passaria na câmara por cima de seu cadáver. Uma reafirmação pública do que já era sabido, tendo em vista seu histórico na política, mas que ganha conotação diferente, evidência e suporte com o atual posição que ocupa.
A autonomia e a vida das mulheres está inteiramente ameaçada e enfraquecida a partir do crescente conservadorismo de nossas instituições. A presidência da câmara na mão de um dos maiores representantes da bancada fundamentalista fere diretamente um dos princípios de nossa constituição que garante um Estado laico. Como resultado disso, há uma incorporação – através da câmara – cada vez maior da opressão estatal fundamentada no patriarcado.
Existe uma necessidade nítida de rearticulação política para o controle da crise que está colocada, que afeta um governo progressista estabelecido há doze anos em nosso país. Mas é importante compreender o que essa crise significa na vida das mulheres. Todos os avanços alcançados e comemorados no último período passam a correr riscos reais de retrocesso.
Ao pautarmos a tão conclamada “governabilidade”, não podemos diminuir a disputa por direitos que neste momento precisam avançar. Em pontuais crises, as pautas feministas sempre são rifadas em nome de uma estabilidade política mais ampla, mas não compreender este momento como atravessador na vida das milhões de brasileiras é diminuir o debate da esquerda, dos movimentos sociais, dos direitos, e das garantias fundamentais. E, mais ainda, é se esquivar do enfrentamento necessário ao modelo capitalista que se aprofunda de maneira intensa por meio de uma maior institucionalização do patriarcado.
É mais do que urgente analisar este período não só passando pela instabilidade do presidencialismo de coalizão, ou como preferem chamar da “governabilidade”. Enfrentar a crise política atual de maneira transversal à luta contra o patriarcado é necessário para sobrevivência de um governo progressista que pode ainda promover e avançar em garantias de muitos direitos.
Nenhum passo atrás!
É pela vida das mulheres!
*Priscila Moreira Borges é formada em Ciência Política e militante da Marcha Mundial das Mulheres no Rio de Janeiro.
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