Neste artigo, publicado no dia 26 de julho, no Jornal Folha de São Paulo, o Ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto e o Deputado Estadual do Rio Grande do Sul, Raul Pont, candidato a presidencia nacional do partido no Processo de Eleição Direta expõem as razões da crise política que assola o partido e suas contradições com a história, o programa e o futuro que almejamos para o partido que ajudamos a construir
O seqüestro da esperança
Um personagem estranho vaga pela cena política brasileira nas últimas semanas. Sob rajadas de denúncias, é acusado de vilezas que sempre apontou nos demais. Quem padece desta forma é o PT, depositário das expectativas de um país melhor para milhões e milhões de brasileiros. Um PT que nem o Brasil nem seus militantes jamais haviam visto.
Diante disso, brotam as explicações sobre o fenômeno. Entre elas, a que descreve o PT, todo ele, como forjador do próprio aviltamento. Numa notável inversão, pede-se desculpas pelo PT ter tido no passado uma postura intransigentemente ética. Responsabiliza-se os paradigmas de esquerda e de igualdade fundadores da nossa identidade pelos fatos que, agora, são a sua negação. Numa espécie de autocrítica do outro, critica-se tudo o que fez o PT ser diferente, sem criticar nada que o faz ficar agora igual ao deformado sistema político brasileiro.
Se for assim, qual teria sido a influência de propostas tão caras ao espírito do PT na produção da crise que atordoa os brasileiros, petistas ou não? Qual a porcentagem deste tumulto que poderia ser debitada na conta, por exemplo, da velha bandeira petista do necessário controle da sociedade sobre o Estado? Qual a parcela de culpa atribuível à democracia direta, ao Orçamento Participativo? Qual fatia da responsabilidade poderia tocar às iniciativas republicanas de justiça social, de transparência e, sem esquecer, da inflexível defesa da ética?
Todos estes temas são a ossatura do PT, dialogando com sua razão de existir. Mas nenhum deles tem algo a ver com o quadro que aí está. Pelo simples motivo de que a crise não é de origem, mas de ruptura com a tradição do partido. Quem está no olho do furacão não é o projeto historicamente acalentado pelo PT e os petistas, mas justamente o avesso: a conseqüência mais constrangedora de um rompimento com tudo o que o PT sempre representou.
Na genética da crise está a fratura entre discurso e prática, o distanciamento das bases e dos movimentos sociais, a hegemonia da lógica eleitoral, a despolitização da política, as alianças não-programáticas e, especialmente, a auto-suficiência das decisões de cúpula.
O problema, portanto, não é o partido ou seus fundamentos teóricos. A crise não foi parida pela sua biografia. Não deriva da essência do PT. Antes, provém de ações e omissões que representam justamente a sua negação. Não são os 800 mil filiados e os milhões de simpatizantes que devem fazer sua autocrítica. Enquanto o partido sangra, são eles que, moídos pela decepção, enfrentam nas ruas o escárnio da direita que, agora, numa história repetida como farsa, se arvora guardiã da moral e dos bons costumes. E se multiplica em sorrisos que não ostentava tão luminosos desde a era da privataria. Eram os tempos em que expunha todos os dentes para os flashes ao som da batida do martelo em cada leilão onde se dissipava o patrimônio público. Projeto que sonha retomar.
Quem deve explicações é um grupo que praticou o seqüestro do partido e assassinou suas melhores esperanças. Agindo em nome do PT, mas sem compartilhar estas decisões com o conjunto do partido ou sequer comunicar-lhe suas deliberações, afogou uma história de 25 anos num lodaçal de suspeições. Um comportamento autista e autoritário, que cortou o contato com a realidade exterior para fabricar uma segunda e patética realidade. Onde a vida real, das pessoas reais, é substituída por uma fraude, povoada de fantasmas, saques milionários e papéis queimados.
Este não é o PT. Nenhuma destas torpezas é fruto de suas convicções. Mas todos os petistas, agora, sofrem a mesma dor e perplexidade que nos afrontam e humilham. Que só aumenta com a desfaçatez de versões inaceitáveis. E de mentiras que antes duravam uma semana, depois dias, e agora se desmancham em horas. Como se necessitássemos ainda, depois de tudo, deste ritual diário de exasperação e vergonha.
Agora é o momento de uma resposta que o Brasil ainda não ouviu. Esta resposta terá de beber na fonte das melhores tradições cidadãs e democráticas e socialistas do PT. “Somos um Partido dos Trabalhadores não para iludir os trabalhadores”, afirmava o manifesto assinado por gente como Mário Pedrosa, Lélia Abramo, Sérgio Buarque de Hollanda, e outros tantos que já se foram. Nesta época heróica, Lélia Abramo andava com fichas de filiação nos bolsos. Batia de porta em porta ou interceptava pessoas nas ruas para convencê-las a assinar os papéis e, assim, somar as assinaturas necessárias para que o PT enfim existisse legalmente.
A resposta que falta também terá que deixar absolutamente claro para a sociedade brasileira que quem misturou o partido de Lélia Abramo, Chico Mendes e Henfil, com mensalões, malas de dinheiro e dólares nas cuecas não errou apenas de procedimento. Errou também de partido.
A história do PT não acaba aqui e não acaba assim. O seu futuro depende de um rigoroso ajuste de contas com o presente para dele emergir uma agenda radicalmente republicana, democrática e popular para o Brasil.
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