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Onde está o mea culpa do Banco Mundial e FMI? | Marcio Pochmann

Quando o Brasil voltar a ter na presidência da República um estadista, a presença e a participação do país nos organismos multilaterais do Sistema das Nações Unidas deveriam ser revistas, especialmente em organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, que propagam a necessidade de avaliação das políticas públicas nos países, embora se mostrem incapazes de emitir pareceres sobre suas próprias lições defendidas para as nações ao longo do tempo.

Exemplo disso tem sido a receita neoliberal cantada em prosa e verso desde 1989 pelo chamado Consenso de Washington, constituído por dez regras básicas definidas por instituições financeiras a partir dos Estados Unidos. O pensamento único que resultou da imposição do FMI e do Banco Mundial explica o quanto a América Latina e Caribe passaram a ficar para trás, sobretudo em relação aos países que contrariaram a tese de que não haveria alternativa (tina – there is no alternative) a seguir.

O acompanhamento da América Latina e Caribe na evolução de sua participação relativa no PIB mundial revela a inequívoca trajetória do apequenamento induzido pela posição das instituições multilaterais em referência. Diante disso, constata-se que o peso da América Latina e Caribe decaiu 46%, passando de 11,3%, em 1980, para 6,1%, em 2020.

Nesse mesmo sentido, o Brasil também perdeu importância relativa no PIB mundial. Entre 1980 e 2020, a posição do Brasil diminuiu 50%, pois perdeu participação econômica global de 3,2% para 1,6%.

Até a década de 1980, o Brasil dispunha de capacidade produtiva integrada e diversificada, gerando de calçados a computadores, de toalhas e máscaras a aviões. Mas com o receituário neoliberal, a abertura desorganizada do comércio externo conduzida pela “Era dos Fernandos”, com taxas de juros elevadas e moeda nacional valorizada, a desindustrialização emergiu, acompanhada do inchamento do setor de serviços e da especialização produtiva, cada vez mais dependente de importações.

Para os anos 1980, por exemplo, cerca de 45% dos insumos de saúde eram produzidos internamente, enquanto atualmente mal chega a apenas 5%. Ademais do esvaziamento do conteúdo nacional, a reprimarização da pauta das exportações avançou consideravelmente.

No ano passado, por exemplo, a somatória dos produtos industriais representou apenas 44% do total das exportações brasileiras, a menor participação relativa desde 1977. Mesmo com o avanço dos produtos primários que ancorados no chamado agronegócio alterou a composição do comércio externo para o equivalente do século 19, o Brasil manteve pífia presença no comércio mundial.

Comparação interessante pode ser feita em relação aos países que não adotaram o receituário neoliberal. Um dos melhores exemplos disso é a China, especialmente porque até os anos 1980, sua participação nas exportações mundiais quase que equivalia à do Brasil.

Enquanto o Brasil representava 1% do total das exportações mundiais, a China respondia por apenas 0,9%, em 1980. Quarenta anos depois, o Brasil seguiu representando 1% das exportações mundiais, ao passo que a China aumentou para 13%.

Na avaliação do peso das exportações em relação ao PIB, nota-se o quanto o Brasil ficou para trás. No ano de 2020, as exportações equivaleram a 14% do PIB nacional, enquanto em 1980 também era de 14%. No caso da China, as exportações passaram de 8,3% do PIB, em 1980, para 18%, em 2020.

E o mea culpa?

Se considerarmos, ainda, o desempenho das exportações por segmentos de intensidade tecnológica, perceberemos que as exportações brasileiras que cresceram foram justamente aquelas concentradas nos segmentos de menor intensidade tecnológica. Tudo isso, bem ao contrário do verificado em países que não se submeteram ao receituário do FMI e do Banco Mundial.

Em seus relatórios, a avaliação de resultados das políticas públicas implementadas com base na orientação das agências multilaterais deveria ser contemplada. Serviria de aprendizagem, necessária, tendo em vista a regressão que provocou na América Latina e Caribe, especialmente no Brasil.

  • Marcio Pochmann é economista, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais da UNICAMP, ex-presidente do IPEA, autor de vários livros e artigos publicados sobre economia social, trabalho e emprego.
  • Publicação original: TERAPIA POLÍTICA

Ilustração: Mihai Cauli

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