Por Ana Júlia Carepa, publicado originalmente na Carta Capital *
A regularização de terras públicas na Amazônia Legal, pela Lei nº 11.952/2009, atraiu dois tipos de reações. O primeiro, contra a equiparação da média da propriedade de 15 módulos fiscais à grande propriedade (de 2.500 hectares) e que, na prática, iguala grandes proprietários a pequenos posseiros de terra pública. O segundo garante que a regularização fundiária, tal como proposta, aumentará o desmatamento na Amazônia.
Governadores da Amazônia Legal se reúnem com o então presidente Lula e as, à época, ministras Dilma Rousseff e Marina Silva, em 2008. Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr
Médios e grandes ocupantes de terras públicas reagem: vieram à Amazônia estimulados por políticas públicas segundo as quais o direito à propriedade da terra era assegurado pela derrubada de 50% da floresta na área ocupada.
Chegar a um consenso entre razões complexas, conciliando posições antagônicas, é uma tarefa política urgente.
A Constituição de 1988 criou parâmetros para regular o relacionamento com o meio ambiente e a primeira regra de um pacto de transição é resgatar o passivo ambiental, a partir do desmatamento ilegal zero e do preço justo da terra.
Não se trata de entregar títulos, mas de adotar uma política que ordene o território e dê prioridade à ocupação familiar, às populações tradicionais e ao meio ambiente.
Trata-se de criar regras de controle e transparência, pactuadas com os governos federal, estadual, municipal e sociedade civil, que institucionalizem a propriedade privada e consolidem um modelo democrático e participativo de distribuição e de gestão da terra e dos recursos naturais.
Georreferenciamento de imóveis, cadastro ambiental rural e licenciamento das atividades agrárias são instrumentos da política de ordenamento fundiário que aplicamos no Pará para definir faixas de espaços públicos destinadas à proteção ambiental ou a atividades agro-ambientais.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigido a todo imóvel rural no estado como precondição para a titulação da terra, também é uma base segura de informação sobre a ocupação de terras públicas e privadas, e a recuperação da reserva legal e da área de preservação permanente.
Mas se a Constituição fixa critérios avançados de proteção ambiental, paradoxalmente não impede a concentração fundiária. Precisamos fixar um limite constitucional para restringir o tamanho da área e a quantidade de imóveis rurais que uma pessoa física ou jurídica pode possuir.
O Brasil tem compromissos internacionais no que se refere à questão ambiental e ao aquecimento global, entre os quais reduzir emissões de gases de efeito estufa para estabilizar o clima em +2°C; reduzir 80% dos índices anuais de desmatamento na Amazônia Legal e 40% no bioma Cerrado; e diminuir as emissões totais do país em até 38,9% até 2020.
A disputa pela terra, pelos recursos naturais renováveis e pelo desmatamento da floresta, que aumentam as emissões de CO2, tenderá a se agravar por causa do aumento internacional no preço dos alimentos, já apontado pela Agência da ONU para Alimentos e Agricultura (FAO), em abril deste ano, quando preços de produtos como carne, laticínios, cereais, óleos e açúcar chegaram ao patamar mais alto desde que a agência acompanha a variação das cotações, em 1990.
As exportações recordes brasileiras no setor agropecuário, com 76,4 bilhões dólares, indicam seguramente que os preços dessas commodities não baixarão tão cedo. O Banco Mundial já apontou, também em abril deste ano, novos aumentos nos preços globais dos alimentos e alertou que a carestia colocará milhões de pessoas em diversos países em situação de pobreza extrema.
Tudo isso mostra que o Brasil, inevitavelmente, ampliará sua participação de mercado e a produção de carnes, soja, milho, algodão e açúcar terá um consumidor internacional ávido, sem levarmos em consideração aqui os produtos da biomassa, como o biodiesel por exemplo.
O cenário internacional tensionará, portanto, o valor dos imóveis rurais brasileiros para cima, devido o aumento da procura por terra. Caso não tenhamos uma política fundiária de ordenamento territorial, esse cenário agravará o conflito rural, a morte nas disputas fundiárias e o desmatamento da floresta.
Portanto a solicitação feita por todos (as) os governadores da Amazônia, quando da instalação do Fórum de Governadores da Região, ao na época presidente Lula, para que o Ordenamento Territorial e Regularização Fundiária na Amazônia fosse prioridade, continua atual e cada vez mais, urgente.
*Ana Júlia Carepa, é militante da Democracia Socialista. Já exerceu mandatos de vereadora, vice-prefeita e secretária municipal de Belém, deputada federal, senadora e governadora do Pará (2007 a 2010)
Comente com o Facebook