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Origens e destinos de um dia de luta

Origens e destinos de um dia de luta
Estandartes e baluartes. Passeata de mulheres atravessa o viaduto do chá, na manifestação em São Paulo – Foto: Neide Yamaguchi

8 de março. Movimento de mulheres ganha novos lemas e cores ao longo de sua história.

Nalu Faria*

A escolha do 8 de março como Dia Internacional da Mulher tem sido atribuída nas últimas décadas a um episódio de 1857. Nos Estados Unidos, mulheres em greve por melhores condições de trabalho teriam sido incendiadas por seus patrões dentro da fábrica nesse dia. No entanto, pesquisas recentes concluíram que o tal episódio nunca existiu. Um estudo canadense mostrou que a proposta da alemã Clara Zetkin de tornar a data internacional, feita em 1910, tomou como exemplo a luta das mulheres norte-americanas.

Os Estados Unidos já comemoravam o dia das mulheres desde 1908, fruto de longas jornadas de lutas que ocorriam desde o final do século XIX. Dois anos depois, durante a Conferência de Mulheres Socialistas, Clara propôs que a data celebrada pelas norte-americanas se tornasse “uma jornada especial, uma comemoração anual de mulheres”. Para ela, o tema principal da jornada deveria ser a conquista do voto feminino. Entre 1911 e 1914, variaram os países e as datas em que se comemorou o Dia Internacional da Mulher. Entretanto, com o início da I Guerra Mundial, a comemoração perdeu força e passou para segundo plano.

Em 1917, ainda com a guerra em curso, o dia 8 de março se transformaria num marco importante na Rússia. Nesse dia (23 de fevereiro no calendário local), a mobilização das mulheres deu início às ações revolucionárias, que chegariam ao ápice em outubro. Mas foi somente em 1922 que o Dia Internacional da Mulher passou a ser celebrado oficialmente nesta data. A partir de 1930, todavia, houve uma desmobilização do movimento de mulheres, por razões pouco estudadas. O fato pode ser atribuído à prioridade que teria sido dada à luta contra a guerra e à resistência ao nazismo ou mesmo à crise do movimento socialista a partir do stalinismo.

Ressurgimento em novo tom

A chamada segunda onda do feminismo, iniciada nos anos 60, surgiu em um ambiente de forte contestação ao sistema capitalista e aos valores tradicionais. Com ela, veio a crítica à verticalização e hierarquia da esquerda stalinista, sobretudo às experiências partidárias e sindicais. Estava criado o ambiente propício para novas formas de organização.

Surgem nessa época a “Nova Esquerda” e os “novos movimentos sociais”, com destaque para o movimento de mulheres. Em resposta ao autoritarismo, elas propunham formas de organização baseadas na horizontalidade, contra as estruturas de direção. O novo enfoque do feminismo trazia a negação das representações, afirmando que cada uma deveria falar por si, e a autonomia do movimento passou a ser uma das principais reivindicações. Anos depois, essas questões seriam alvo de novos debates e redefinições.

Foi neste contexto que o movimento criou suas consignas, seus símbolos e em muitos países começou a usar a cor lilás, que significava a soma do azul e do rosa, expressando o desejo de construção de um novo homem e uma nova mulher. Buscava-se escapar dos estereótipos de masculino e feminino e do que isso significava em termos de opressão e desigualdade. Esse processo foi fundamental para a afirmação das mulheres como sujeitos políticos e para o enfrentamento das teorias e práticas vigentes.

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Um feminismo anticapitalista

Nos anos 90, o movimento de mulheres, em particular na América Latina, foi marcado por um processo de institucionalização e diminuição de uma visão crítica global, em que os setores mais radicais acabaram isolados. Com o início da Marcha Mundial das Mulheres, a situação se alterou e um amplo setor das participantes passou a defender que as consignas do movimento antiglobalização também estivessem presentes. Assim, nos últimos anos, ganhou espaço a crítica ao neoliberalismo, expressa na rejeição à Alca e aos transgênicos e na exigência de moratória e auditoria da dívida externa.

Essa visão militante tem feito com que novos setores participem do 8 de março, marcado como Dia Internacional da Luta das Mulheres. A partir do lema “A nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria”, expressa-se o questionamento ao livre comércio e a suas imposições sobre as mulheres. A pauta proposta critica a mercantilização, a propaganda sexista e as imposições de padrão de beleza. E afirma o direito à autonomia, a decidir sobre nossos corpos, nossas vidas, nosso país.

No Brasil

8 de março continua a ser a data de maior referência para o conjunto do movimento de mulheres no Brasil, assim como em muitos outros países. Em alguns setores, estão mais presentes as lutas, denúncias e reivindicações; em outros, a homenagem. O dia pauta novas lutas, celebra as vitórias conquistadas e o próprio fato de que, a cada ano, cresce a auto-organização das mulheres.

A amplitude do movimento também tem crescido. A participação de jovens aumentou, garantindo uma renovação que se expressa na busca de novas formas de mobilização e em ações diretas. Novos símbolos adquirem novos sentidos conforme os processos de luta. O uso do lilás, por exemplo, ganhou um significado combativo, ao buscar a expressão da força das mulheres desde seu movimento específico autônomo. O debate sobre a origem de 8 de março é parte desse contexto. Ao fim e ao cabo, evidencia a importância da data como mais um desses símbolos.

*Nalu Faria é coordenadora da Sempreviva Organização Feminista.

 

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