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Os rinocerontes estão chegando

1099970* Por Daniel Aarão Reis, no jornal O Globo

Os partidos de extrema-direita, neofascistas, crescem em todo o continente europeu, e o pior é que muita gente está gostando do fenômeno.

Na França, com quase 25% de preferências, lideram as pesquisas de intenção de voto para as eleições europeias, previstas para maio próximo.

Não se trata de um fato isolado.

Na Suíça, desde 2003 o principal partido político é de extrema-direita. Em outros países do norte da Europa, consagrados pelo alto grau de civilidade, os neofascistas despontam. Em Noruega, Dinamarca, Holanda, Hungria, Eslováquia e Grécia, aparecem em terceiro lugar, participando, não raro, de coalizões governamentais. Na Itália, governam várias regiões do norte do país, tendo já integrado coligações governamentais. Na Finlândia, saíram da irrelevância para alcançar quase 20% dos votos nas últimas eleições parlamentares, realizadas há dois anos. Na Áustria também atingiram o segundo lugar. Na Suécia, ganharam há pouco o direito de ingressar no Parlamento. Na Alemanha já estão em alguns parlamentos regionais. Não apenas cresce sua força própria, mas condicionam todo o debate político nos respectivos países.

Disfarçam-se sob nomes anódinos e abrangentes. Na Suíça, Centro Democrático. Partido do Progresso, na Noruega. Na Holanda e na Áustria, Partido da Liberdade. Frente Nacional, na França. E se ofendem quando chamados pelo que são de fato: partidários da restauração do fascismo.

Mas não ocultam ideias e concepções de mundo.

Detestam as tradições multiculturais que fizeram — e fazem — a vitalidade da Europa. O Islã e o islamismo, substituindo os judeus, são os bodes expiatórios dos medos que alimentam. Denunciam supostas “invasões” de muçulmanos que ameaçam a “pureza” europeia. E reclamam políticas rígidas de controle da imigração, ocultando o fato óbvio de que os trabalhos — indispensáveis — realizados pelos estrangeiros são recusados pelos europeus há décadas.

Propõem a erradicação da corrupção endêmica dos “políticos profissionais”, dos “plutocratas parasitas” e dos “tecnocratas insensíveis”, associados, todos, no processo de uma construção europeia “elitista” e “antinacional”. E propõem reconstruir — ou refundar — nações impossíveis, que só existem em suas imaginações reacionárias. Querem uma Ordem inalcançável, porque perdida, fundada na autoridade patriarcal e na família monogâmica heterossexual.

Esta espécie de programa rastejava há tempos na cena política europeia. Era simplesmente rejeitado, como se fora mercadoria estragada. Ou, segundo a parábola de Ionesco, como um feio rinoceronte.

Do que se trata é compreender melhor como e por que se multiplicam os rinocerontes, como e por que passaram a ser considerados e votados.

A crise em que se afunda a Europa desde 2008 oferece uma primeira explicação. Conforme mostrou Joseph Stiglitz, apesar do falso otimismo de alguns, a economia europeia continua em recessão. Um quarto dos trabalhadores, desempregados. Em números absolutos: 27 milhões de pessoas querendo, e não encontrando, um trabalho. Em alguns países, como na Grécia e na Espanha, cerca de 50% dos jovens estão parados. E nada indica um retorno ao pleno emprego.

Em vez de políticas de retomada do desenvolvimento e de regulamentação e controle do capital, taxando em particular a especulação financeira, e dando fim aos “paraísos fiscais”, o que se tem observado são as políticas de “austeridade”, que punem os assalariados. Em nome da governabilidade do “sistema”, tudo se faz para salvar da bancarrota imensas instituições financeiras, consideradas “grandes demais” para quebrar, gerando, sempre segundo Stiglitz, “perdas cumulativas de produção — na Europa e nos EUA — que já passaram de 5 trilhões de dólares”.

Ao mesmo tempo, e em consequência, reduziram-se os recursos que viabilizavam o Estado de Bem-Estar Social (saúde, educação, transportes, moradias), melhor e maior ganho registrado pelos trabalhadores europeus em toda a sua história.

A tudo isto assistem, passivos, quando não cúmplices, ativos, os principais partidos políticos, mesmo os de esquerda, como ficou evidente neste último episódio da infame expulsão de Leonarda Dibrani, uma garota de apenas 15 anos, sacada pela polícia de uma excursão escolar e posta, com toda a família, para fora da França, sob a complacência — e a autorização — de um governo socialista.

Tempos sombrios.

É nesse caldo — grosso de ressentimentos e de frustrações — que vicejam as propostas neofascistas. E que se multiplicam os rinocerontes.

De nada adiantará fingir que as coisas não estão assim tão graves. Como Nicolas Sauger, que afirma peremptório: “Os neofascistas não têm maioria, nem vão tê-la.” Ou como Cas Mudde, que insiste em minimizar os ganhos recentes dos partidos de extrema-direita. A menos que eles já estejam achando os rinocerontes bonitinhos. Ou se preparando para se transformar num desses belos animais.

* Daniel Aarão Reis é professor de História Contemporânea da UFF

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