Marcos Coimbra questiona o lugar comum de que Bolsonaro teria apoio firme de 30% da população.
Existe um número mágico, que a toda hora aparece no debate político nacional: 30%. O tamanho do apoio que Bolsonaro teria na população, que muita gente trata como se fosse um fato provado e uma espécie de fenômeno natural. Essa conversa de 30% começa com uma frase de Duda Mendonça nas vésperas da eleição de 2002. Dizia ele que, em relação ao PT, havia três tipos de gente no Brasil, cada um correspondendo a um terço da população: os que gostavam do PT, os que eram contra e os que ficavam no meio, sem gostar ou desgostar. Parecia ser uma grande verdade, dita de maneira simples.
Só que nunca foi propriamente uma verdade. Apenas excepcionalmente, a regra prevaleceu nas centenas de eleições, estaduais e locais, para o Legislativo e o Executivo, que fizemos desde a redemocratização: jamais houve um “piso” de 30% para o voto em candidatos petistas. Tampouco nas eleições presidenciais depois daquela. Mesmo na maior vitória do PT, a reeleição de Lula em 2006, seu adversário obteve quase 40% dos votos válidos. De onde viriam, se o antipetismo seria de apenas um terço? A formulação de Duda era boa, mas inexata.
Menos exata ainda na interpretação de indicadores de popularidade, incluindo presidenciais. Lula chegou a ser considerado, segundo o Datafolha, um presidente “ótimo” ou “bom” por 83% das pessoas e ”ruim” ou “péssimo” por 4%. Onde estão os terços? Tampouco apareceram para Dilma, nem nos bons, nem nos maus tempos. Para governadores e prefeitos do PT, essa lei nunca valeu.
Raciocinando com o “terço” antipetista, o mesmo se aplica. São dezenas os exemplos de governantes de outros partidos eleitos ou aprovados por mais que 66%, do eleitorado, ou seja, apoiados também por simpatizantes do PT.
Não é porque, em relação ao partido, haveria essa repartição que toda clivagem politico-ideológica no Brasil teria que seguir o padrão dos “terços”. Ao imaginá-lo, Duda Mendonça pensava somente no PT e estender a ideia a todos seria um despropósito.
Bolsonaro sim obteve 30% de aprovação ao longo do segundo semestre do 2019, mas isso nada mais foi que um ponto em uma trajetória descendente, iniciada imediatamente após a eleição, quando ainda era popular. Segundo o Datafolha, em dezembro de 2018, 65% tinham expectativas favoráveis e apenas 12% desfavoráveis a respeito do que seria o governo.
Mas, de janeiro de 2019 em diante, tudo degringolou. Com menos de 30 dias no cargo, segundo pesquisa Ipespe/XP, a aprovação do capitão caiu do patamar de 60% e foi para 40%, enquanto a reprovação dobrou, chegando a 20%. Doze meses depois, no final do primeiro ano de governo, na mesma série de pesquisas, a avaliação negativa se multiplicara por dois, alcançando 39%, e a positiva caíra para 32%.
Nos primeiros cinco meses de 2020, a tendência se acelerou: ainda de acordo com as pesquisas Ipespe/XP, a reprovação foi a 50%, enquanto a aprovação recuou de 32% para 26%. No final de maio, a proporção dos que desaprovavam o capitão passou a ser quase o dobro da aprovação.
É fácil explicar a mudança: em função de sua resposta estúpida e irresponsável à epidemia de Covid-19, Bolsonaro caiu entre pessoas com informação e escolaridade mais elevadas. No conjunto da opinião pública, a queda só não foi mais acentuada porque houve uma pequena melhora nos segmentos de renda e escolaridade mais baixas, talvez puxada pelo Auxílio Emergencial.
Um conjunto de outras pesquisas realizadas em abril e maio, feitas na internet, aponta na mesma direção, todas constatando expressiva queda na aprovação (Atlas: 58% reprovação/23% aprovação; Fórum: 39% reprovação/26% aprovação; Quaest: 49% reprovação/ 19% aprovação). Não são resultados comparáveis, mas ajudam a visualizar uma tendência.
Bolsonaro não “tem” 30%, nem nunca teve, se entendermos por isso uma proporção da população que se identifica com ele, o segue e respeita, de maneira estável. Começou com mais de o dobro disso, mas foi perdendo apoio à medida de seu fracasso como presidente e sua incapacidade de representá-las.
As pesquisas permitem estimar seu tamanho efetivo: algo entre 8% e 12% da população, aqueles que o admiram, comungam com suas ideias (?) e o defendem. Daí aos 30%, a distância é grande e há diversos motivos que explicam porque pessoas não identificadas com ele podem apoiá-lo circunstancialmente, sendo o principal o tempo. Muitos o aprovam apenas porque acham cedo para desaprová-lo.
O tempo, contudo, é também seu principal adversário, pois sua incapacidade e defeitos vão ficando mais evidentes a cada dia. Agora então, com a epidemia, tudo passou a andar mais depressa. Sua atuação logo foi vista como catastrófica e uma vergonha para o Brasil.
Apenas como exercício, raciocinemos que ainda “tem” 30%. Como o próprio capitão diria, “e daí?”, o que fazer com esse apoio, se os 70% restantes não o seguem ou respeitam? Pois, se há algo que todas as pesquisas mostram é que a avaliação “regular” tende a cair e o que aumenta é a desaprovação.
Bolsonaro até poderia manter hipotéticos 30% de apoio, mas não venceria uma eleição majoritária.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Publicação original:https://www.brasil247.com/authors/marcos-coimbra
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