“Ou mentiu antes ou mente agora”: Moraes pressiona general no STF

Sessão inaugural do processo contra Bolsonaro e aliados expõe tensão entre ministros e militares sobre tentativa de golpe; depoimentos seguem hoje

Foto: Cristiano Mariz

No primeiro dia de depoimentos do processo que investiga a tentativa de golpe de Estado de Bolsonaro em 8 de janeiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) vivenciou uma cena que sintetiza o clima tenso e inédito da ação penal. O general da reserva e ex-comandante do Exército, Marco Antonio Freire Gomes, foi confrontado diretamente pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, após apresentar versões conflitantes sobre a postura do almirante Garnier, ex-comandante da Marinha, diante da minuta golpista que teria sido apresentada ao então presidente da República.

“Ou o senhor falseou a verdade na polícia ou está falseando a verdade aqui”, disse Moraes, referindo-se ao depoimento anterior do general à Polícia Federal. Freire Gomes negou ter presenciado qualquer conluio e afirmou que o almirante apenas demonstrou “respeito ao comandante em chefe”. 

A fala motivou uma advertência do ministro sobre as consequências legais de falso testemunho. O general reagiu: “Com 50 anos de Exército, eu jamais mentiria”, alegando não saber o que Garnier pretendia ao estar com o presidente.

Outro momento revelador foi o depoimento de Adiel Pereira Alcântara, ex-coordenador da Polícia Rodoviária Federal, que afirmou ter achado “estranha” uma ordem para monitorar ônibus rumo ao Nordeste antes do 2º turno de 2022, supostamente por acidentes nas rotas. Segundo ele, ao questionar, ouviu que era “hora da PRF tomar lado”, por ordem de Silvinei Vasques, então diretor-geral do órgão. Adiel negou envolvimento político, contato com o ministro Anderson Torres e disse criticar a gestão de Vasques, que via próximo de Jair Bolsonaro.

“O Ministério da Justiça e a Polícia Rodoviária Federal foram usados de forma absurda para corromper e fraudar a vontade do povo”, denunciou em suas redes sociais Gleisi Hoffmann, deputada federal (PR) e ministra da Secretaria das Relações Institucionais. “Bolsonaro era mesmo capaz de tudo para não entregar o governo a Lula.” 

Presença de outros ministros

Esse foi o ponto mais tenso da audiência de três horas, acompanhada por ministros da Primeira Turma do STF, como Cármen Lúcia e Luiz Fux. A autorização para que magistrados participassem das oitivas com perguntas é inédita no tribunal. A presença ativa de mais ministros sinaliza a gravidade do processo, que pode não apenas condenar Bolsonaro e aliados, mas também redefinir os limites do papel das Forças Armadas no regime democrático.

A Procuradoria-Geral da República considera o depoimento de Freire Gomes essencial para esclarecer o grau de adesão das Forças Armadas ao plano golpista. O general reiterou que ele e o brigadeiro Baptista Jr. se opuseram à proposta. Mas suas tentativas de isentar Garnier acabaram colidindo com o que ele mesmo havia declarado à PF, minando sua credibilidade.

Depoimentos seguem hoje

Os depoimentos continuam nesta terça (20), com integrantes do chamado Núcleo 3: militares de alta patente e um policial federal acusados de preparar ações práticas para o golpe, como ocupações de prédios públicos e bloqueios. A sessão pode transformar 12 investigados em réus, entre eles os generais Estevam Theophilo e Nilton Diniz Rodrigues. Os crimes imputados incluem tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

A audiência seguirá o mesmo modelo: ministros atentos, confronto direto com contradições e sem margem para ambiguidade. A participação ativa da Corte evidencia o esforço do STF em manter unidade e firmeza diante de uma ameaça institucional sem precedentes desde a redemocratização.

A condução do processo também inova ao limitar o acesso da imprensa, que pode acompanhar os depoimentos apenas por telões, em um auditório reservado. A decisão é vista como forma de proteger a integridade das testemunhas, mas levanta debates sobre transparência em um julgamento que já entrou para a história antes mesmo de ser concluído.

O que está em jogo não é apenas a responsabilização individual de Bolsonaro e seus aliados. O processo em curso coloca à prova o papel das instituições diante de uma tentativa de ruptura. O confronto entre militares e ministros no STF revela que, desta vez, o silêncio não será aceito como estratégia.

Via PT.

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