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Participação e democracia sem povo

1457740Os conservadores mais renitentes, quando combatem a participação, não se dão o trabalho de ler a Constituição e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por Tarso Genro, no site da Carta Maior

A democracia participativa é uma metodologia de governança política e, ao mesmo tempo, um rejuvenescimento da democracia representativa, inclusive para valorizá-la junto a vastos setores da população, principalmente perante os que não têm influência cotidiana sobre o poder político. Os marcos normativos da participação da cidadania na gestão e na produção de políticas públicas estão inscritos, tanto na Constituição Federal  (Art. 1º §único ), como na Lei de Responsabilidade Fiscal (Art. 48  § único). Os conservadores mais renitentes, quando combatem a participação direta, não se dão nem o trabalho de ler a Constituição do país e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal!

No nosso Estado temos, sem traumas e sistematizado num Decreto (Dec. Nº 49.765, 30/10/2012), um Sistema de Participação Popular Cidadã, que envolve um Gabinete Digital, um “Conselhão”, Conselhos Regionais de Desenvolvimento, Consultas por votação de prioridades e Plenárias do Orçamento Participativo. Estas instâncias produzem políticas públicas e decisões orçamentárias, que são acordadas ou servem de orientação ao Governo, para que ele tome suas decisões.

Com a tutela que as agências de risco e o capital especulativo, em geral exercem sobre os Estados endividados, os mandatários da representação política (originários que são exclusivamente de votações periódicas) vem perdendo a legitimidade por não responder a demandas sociais, cada vez mais complexas e fragmentadas. E também vem perdendo a capacidade de explicar os limites do seu poder e as debilidades de uma máquina pública burocratizada e não raro subordinada à força das corporações.

Enquanto o poder econômico exerce diretamente a sua influência em decisões do Estado, não só através do financiamento das campanhas eleitorais, mas também através da pressão direta de “lobies” sobre os Parlamentos e sobre os Executivos (criando uma sistema de poder  “por fora” da representação), os “de baixo” têm poucas oportunidades de exercer sua influência direta sobre as decisões públicas. Nem têm condições de conhecer plenamente os mecanismos de funcionamento do Estado e a escassez dos seus recursos, abalados pelo endividamento público.

A democracia direta exclusiva é impraticável e tende ao ritualismo autoritário. A democracia representativa “pura” está cada vez mais carente de legitimação, pois não é aceitável que aqueles que querem participar das agendas públicas de qualquer ente federativo só possam fazê-lo através da delegação periódica pelo voto. A distância entre representados e representantes também é cada vez mais evidente, pelo crescimento da população e pelos mecanismos autoritários de controle de formação da opinião exercido pela grande mídia.

Os canais de democracia direta, tanto virtuais, como conselhistas ou por assembleias públicas, com regras universais de funcionamento, devem ser estimulados por todos os que querem fortalecer a democracia política. A pressão exclusiva do poder econômico e o jogo dos partidos   – que são fundamentais na democracia, mas não esgotam a expressão da vontade pública –   está comprometendo cada vez mais o Estado de Direito e o regime democrático e está estimulando, em boa parte da sociedade, o desejo de que tudo seja resolvido de forma “rápida” e autoritária.

O pacto democrático moderno baseado na representação, que transitou do Estado de Direito para o Estado Social de Direito, foi historicamente influenciado pelos sucessivos movimentos, desde o cartismo inglês. Ele passou pelas lutas mais atuais dos democratas republicanos, sociais-democratas e comunistas do século passado e agora ele se expande com a presença dos novos movimentos sociais.

Mas o “cansaço histórico” da democracia, hoje, está flagrante, pois o pacto democrático moderno baseado exclusivamente na representação não consegue mais estimular mudanças nem dar efetividade aos Direitos Fundamentais.

O Estado de Direito “cansado” e a democracia política sem povo é o ideal do golpismo conservador, que pretende monopolizar o direito à liberdade como pura liberdade de dominar as instituições e aparelhar o Estado através da força do dinheiro e da manipulação da informação.

Este “cansaço” pode ser superado. Desde que se abram canais de influência direta para o povo opinar e decidir, não só sobre os rumos do Estado e das suas políticas, mas também para quebrar as barreiras burocráticas que  separam o Estado do cidadão comum. Ao trazer a parte mais ativa e consciente do povo para testemunhar e influir nas decisões públicas, os governos se relegitimam e levam à cidadania, de forma mais intensa, os valores da democracia e da República. À democracia em crise se responde com mais democracia e não com menos participação.

A interposição de mecanismos de democracia direta num regime de representação aberto, como é o nosso da Constituição de 88, ao invés de desestabilizar o pacto democrático, como pensam os conservadores mais arcaicos, reforça o regime de representação e pode lhe dar mais autenticidade. E, assim, fortalece aqueles mandatários que querem ouvir a cidadania para tomar decisões sobre as políticas, nas quais o próprio povo é o principal destinatário.

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