Pedro era um incansável militante socialista, daqueles que deixam marcas por onde passam. A serenidade marcava sua ação; o acolhimento das pessoas com as quais conviveu o tornava envolvente; a formação sólida e o compromisso com os desafios de seu – nosso – tempo e sua capacidade de síntese e produção de acordos – mesmo quando estes pareciam improváveis – contrastavam com a urgência de quem queria e estava destinado a fazer história. E fez, em curtos vinte anos de militância atuou no movimento estudantil, no movimento popular, na construção do PT, no movimento sindical e, em todos estes lugares, foi um incansável construtor da Democracia Socialista.
Mesmo quando estava em maioria, optava por prolongar o debate para buscar uma síntese acordada, sem abrir mão das convicções e do programa que defendia. Ao final sempre nos dizia: há mais unidade na prática quando todas e todos se sentem protagonistas da decisão. Essa capacidade dirigente e sua impaciência em construir cotidianamente o socialismo com democracia o tornou um dirigente imprescindível.
Faleceu na primeira quinzena de abril de 1993, aos 40 anos e mesmo passados exatos 26 anos, ainda é difícil cumprir a tarefa de homenageá-lo. Nos 10 últimos anos de sua vida convivemos intensamente e, para alguns de nós, seguir a batalha sem o melhor de nós, foi tão duro e intenso, que lembrar e reconstruir a trajetória do nosso camarada deixa as emoções à flor da pele.
Não de nossa tradição cultuar pessoas e tenho a impressão que o Pedro, na sua simplicidade e compromisso militante, seria contra esta homenagem. Entretanto reviver sua trajetória é como estabelecer uma linha do tempo da luta social que participou e ajudou a dirigir e, ademais como ele mesmo dizia, tarefa é simplesmente tarefa, não há que dela lamentar, apenas nos cabe cumprir.
Uma biografia que se confunde com linha do tempo da luta social brasileira
Pedro era o mais mineiro dos paulistas que conheci. Nascido em Mogi Mirim, interior de São Paulo, em 1953, começou sua militância no movimento estudantil em 1973, quando ingressou no curso de economia da Universidade Estadual de Campinas. Depois da pós-graduação no Recife foi morar em Belo Horizonte, onde se dedicou às lutas dos movimentos populares, sobretudo as relacionadas ao transporte público e ao direito à creche pública de qualidade.
No final da década de 1970 militou ativamente no processo de construção do Partido dos Trabalhadores. Participou da fundação do PT de MG e foi eleito para a primeira direção do diretório de Belo Horizonte, colaborando também para a expansão do PT em outras cidades do Estado.
Inicia-se a década de 1980 e Pedro ingressa na Universidade Federal de Minas Gerais como técnico-administrativo e logo se insere na luta sindical que então surgia na categoria. Em 1984, foi eleito presidente da Associação de Servidores da UFMG. Foi vice-presidente de 1987 a 1989 e presidente da FASUBRA na gestão 1989-1991. Em 1991 foi reeleito para a Coordenação Geral da FASUBRA-Sindical e no 4º Congresso Nacional da CUT, em São Paulo, passou a integrar a Executiva Nacional.
O protagonismo dirigente necessário até para quem dele discordava
A década de 80 do século passado foi talvez uma das mais intensas da história recente. A ditadura civil militar perdia paulatinamente sua força e a luta pela democracia, ao mesmo tempo em que unificava forças divergentes, permitia um ascenso importante das lutas populares e sindicais. É nesta década que fundamos o PT, a CUT, lutamos por democracia, condições de trabalho, eleições diretas, disputamos a elaboração da nova constituição da república e ao final dela quase elegemos Lula Presidente.
Essa efervescência exigia urgência e capacidade de direção. A esta altura, havia um punhado de jovens espalhados pelo País que tinham muita vontade, mas baixa capacidade de formulação e direção e, alguns mais experientes que tinham escapado do massacre da vanguarda promovido pela ditadura civil militar. Pedro, então com 30 anos, já cumpria papel dirigente de parte dessa juventude que havia entrado há pouco na categoria. O período de 1982 a 1984 foi de pura rebeldia construtiva: fizemos as greves então proibidas constitucionalmente, nos engajamos na luta das “Diretas Já” e, finalmente, tiramos o pelego da direção da federação nacional – a FASUBRA passava ao campo combativo.
Era tempo de fazer muita política e duas questões inquietavam a vanguarda da categoria que então surgia no cenário sindical e universitário. É nesta quadra da história que Pedro passa à condição de protagonista, como formador e formulador que deixaria marcas profundas nos momentos que se seguiram. Era tempo de organizar a luta e qualificar a intervenção. Era tempo de lutar pela unificação do sistema federal de educação superior e pela isonomia de tratamento dos trabalhadores das universidades brasileiras. E os 84 dias da greve de 1984 foram fundamentais para a construção da consciência coletiva destes lutadores. Ainda não havia direito de sindicalização, mas havia muito trabalho sindical.
O período que se seguiu marca a luta pelo fim da subalternidade social dos técnico-administrativos. Para quem não conhece a categoria, trata-se de complexo conjunto de trabalhadores de centenas de profissões diferentes, tanto quanto à formação, quanto à atividade. Daquela que parece mais simples àquela que aparenta maior complexidade. Apenas uma semelhança os unia àquela época, o fato de não serem docentes e parecerem – uns mais que outros – invisíveis à comunidade universitária.
Vencer estes desafios exigia protagonismo e projeto.
Ao mesmo tempo era urgente construir a Central Única dos Trabalhadores que tínhamos ajudado a fundar em 1983. Para Pedro o sindicalismo combativo tinha que ir além da atividade sindical corporativa sem desta descuidar. Exigia projeto de sociedade e prática sindical democrática, tal como uma escola de dirigentes do socialismo com democracia que queríamos e devíamos construir todos os dias.
O período de 1984 a 1986 torna-se especialmente importante para a construção de vitórias de caráter estratégico. Filiar a FASUBRA e a maior parte das suas entidades à CUT, remover o entulho autoritário e pelego das entidades, participar ativamente das mobilizações da classe trabalhadora e das frentes da luta democrática, construir proposta de política nacional com plano de cargos e salários que unificasse esta complexa categoria e, um projeto estratégico de universidade que servisse de base e desse sentido às outras políticas.
Parecia e era muita coisa para pouco tempo. Mas não é que deu tempo. O envolvimento nas lutas sociais para além da categoria contribuiu para os ganhos de consciência e a mudança paulatina da correlação de forças. Chegamos então a 1986. Neste ano dois fatos essenciais mudaram a história da categoria e Pedro foi um dos principais dirigentes desse momento. A FASUBRA tornou-se a primeira federação nacional a se filiar à Central Única dos Trabalhadores, após uma acirrada disputa com o atraso pelego e as correntes stalinistas que se opunham ao projeto de ruptura com o sindicalismo tradicional de então.
Novos atores sociais na cena universitária
Neste mesmo ano 1986 a categoria foi submetida ao maior dos testes coletivos, o da ética. Daqueles em que derrotas táticas, se transformam em vitórias estratégicas. Estávamos em greve nacional e o governo federal propôs atender as reivindicações salariais da categoria, desde que concordássemos com o projeto de reestruturação do sistema de ensino superior, que desobrigaria o Estado de seu financiamento e abria caminho para a célere privatização das universidades públicas.
A vanguarda dirigente tinha a clareza que mesmo perdendo vantagens salariais não havia como aceitar o pacto proposto. Estava montado o primeiro teste do ethos coletivo da nova categoria dos técnico-administrativos em educação. Para surpresa da então pequena vanguarda militante, as assembleias lotadas, realizadas quase que simultaneamente em todo o País, recusaram a proposta de compra das nossas consciências. O intenso trabalho de politização e unidade resultou numa grande derrota financeira, mas ao mesmo tempo, numa enorme vitória política e estratégica: havia novos atores sociais na cena universitária.
As decisões históricas de 1986 construíram a força que nos fez conquistar a retumbante vitória sindical de 1987, por meio da conquista da primeira carreira unificada que espelhava em sua maioria o projeto construído coletivamente na categoria. Mais que uma vitória corporativa, estava em curso a efetivação das ideias de padrão unitário de qualidade do sistema e de autonomia universitária, partes dos elementos centrais do projeto de universidade que já estava em elaboração.
Ainda em 1986 ocorreram as eleições dos parlamentares federais que se tornariam os constituintes e era necessário influir nesse processo com projeto, mais uma tarefa militante da qual não abriu mão e carregou mais gente para cumprir.
A CUT pela Base, o ramo de atividade e a radicalidade democrática.
Neste período a corrente sindical CUT pela Base na qual atuavam os militantes da Democracia Socialista e cujo principal dirigente, na categoria, era o camarada Pedro, foi protagonista de outros dois momentos importantes. Em que pese àquela época sermos maioria política e numérica nos fóruns da federação, propusemos e contra a vontade da minoria se incluiu nos estatutos da FASUBRA a direção colegiada e a proporcionalidade qualificada na ocupação dos espaços de direção e das diversas instâncias de decisão da federação.
Certa vez, perguntado por que usava a força da maioria para impor a participação da minoria na direção, Pedro respondeu sem pestanejar: democracia sindical não é uma questão de oportunidade é uma necessidade organizativa da classe que tem caráter estratégico e não admite oportunismos. Faz muitos anos e posso não ter reproduzido na íntegra suas palavras, mas o conteúdo é exatamente este. Tratava-se de um militante socialista que não transigia com elementos de caráter estratégico.
Nas lutas gerais da Classe Trabalhadora iniciava-se a discussão da organização por ramo de atividade. O debate, bastante polêmico no meio sindical, apontou para necessidade da construção de uma estrutura inicial que consolidasse o ramo da Educação. Foi, então, criado o Departamento Nacional dos Trabalhadores (as) da Educação DNTE–CUT, do qual participaram inicialmente: FASUBRA, ANDES, SINASEFE e CNTE.
Eram tempos de muita política, em fevereiro de 1987 se instala a Assembleia Nacional Constituinte que durou até setembro de 1988, véspera da promulgação, a 5 de outubro, da nova Constituição da República. A julgar pelos parlamentares eleitos de maioria conservadora, os sinais não eram bons, mas ao mesmo tempo o ascenso das lutas sindicais e sociais diminuíam o desequilíbrio da correlação de forças. Mais que acompanhar o processo constituinte, era necessário ter projeto e influir nas propostas em debate. O principal dirigente desta intervenção prolongada da federação foi novamente Pedro Alcântara.
A Constituinte e o Projeto “Universidade para os Trabalhadores”
É nesta quadra que surge o projeto “Universidade para os Trabalhadores” que mais que uma ideia de universidade socialmente referenciada, tornou-se a mais radical tese de defesa da universidade pública, gratuita, de qualidade e capaz de recepcionar e dar resposta às demandas sociais da classe trabalhadora e da maioria do povo, rompendo com a histórica subserviência às elites econômicas nacionais. Diga-se radical porque ia à raiz das questões e não transigia nas soluções, tais como verbas públicas apenas para instituições públicas, estatização das universidades privadas, democratização das instituições universitárias com participação da sociedade organizada e das organizações dos trabalhadores nos órgãos de decisão institucional.
Surgem, igualmente, as propostas defesa dos direitos sindicais dos servidores públicos e a efetivação de dispositivos constitucionais de organização do Estado nacional que os considere como elemento fundamental da realização dos direitos do povo com garantia de controle social e popular das ações e atividades estatais.
Com a mesma desenvoltura que debatia a tese “Universidade para os Trabalhadores” com Florestam Fernandes ou os direitos de sindicalização e de greve com Bernardo Cabral, organizava as manifestações conjuntas de trabalhadores em educação e estudantes que marcaram o debate do capítulo da educação. Ao final da jornada sempre havia o tempo de avaliar, conversar, formar, formular e preparar a próxima ação.
A conquista dos direitos de greve e de sindicalização, inseridos na constituição de 1988, passou a ser o novo ingrediente da próxima quadra de tarefas, em especial, transformar as então associações em sindicatos. Mas de qual sindicato estávamos falando? As entidades filiadas à FASUBRA já eram sindicatos de fato, restaria, portanto, a adequação formal dos mesmos como sindicatos. Quanto à greve a única diferença é que as que fazíamos no tempo da ilegalidade, agora passariam a existir no manto da legalidade.
Simples, não acham? Com Pedro nada era tão simples. Manter coerência com as nossas teses implicava propor inicialmente sindicatos estaduais que unificassem as diversas associações existentes e, no plano estratégico evoluir para o sindicato do ramo da educação que abrigasse docentes e técnico-administrativos dos vários níveis de ensino, dos setores público e privado. Esta tarefa era maior que nossas possibilidades e na vida real pouco se evoluiu nesta direção. A política era correta, mas as condições – objetivas e subjetivas – para a sua implantação eram improváveis. Defendeu a ideia até a sua morte, pois tinha a clareza de sua correção. O que restou? A ideia de organização por ramo de atividade com múltiplas entidades de frente única.
Em 1989, outras duas coisas aconteceram. Uma greve histórica arrancou o primeiro acordo sindical formalizado, no âmbito federal, que tratava de política salarial. Ao mesmo tempo ocorria a primeira eleição presidencial, após a ditadura civil militar, que por pouco, bem pouco, quase corou a promissora década de lutas e disputa da correlação de forças.
A derrota eleitoral abriu um período de resistência que mais uma vez pôs à prova a vanguarda militante que tinham entre seus dirigentes Pedro Alcântara. Era tempo de enfrentar ameaças de demissão em massa e defender a universidade e o serviço público dos ataques da equipe neoliberal liderada por Collor.
1990 a 1992 foram três anos de intensa luta – o que incluiu o “Fora Collor” – que se encerra em dezembro de 1992 com sua renúncia. Em 1991, além da direção nacional da categoria, Pedro passou a cumprir uma nova tarefa essencial, a de membro da direção executiva nacional da CUT. 1992 é também o ano da descoberta da doença que vitimou nosso camarada em 1993, mas com a mesma firmeza de sempre participou ativamente da luta que redundou na queda de Collor.
Para muitos Pedro simbolizava a própria FASUBRA. E, com justiça, foi feita uma homenagem nacional em março de 1993. O X Congresso Nacional da categoria ganhou o nome de Pedro Alcântara Moreira e durante a realização do mesmo, em Maceió, várias mensagens de amigos, camaradas e dirigentes foram gravadas em vídeo e foram enviadas a ele um mês antes de seu falecimento. Trata-se do único dirigente homenageado em vida por integrantes das mais variadas correntes políticas.
“O movimento sindical brasileiro está de luto”
“O movimento sindical brasileiro está de luto. Faleceu (…), aos 40 anos Pedro Alcântara Moreira, membro da Executiva Nacional da Central Única dos Trabalhadores”. Assim começava a matéria do InformaCUT nº 214 de abril de 1993.
No dia de sua morte estávamos em mobilização e ocorria uma reunião aberta no campus do Fundão da UFRJ. A notícia chegou de repente e interrompeu a reunião com “O Pedro morreu!”, perguntei: que Pedro? Como que quisesse estar enganado sobre o restante da notícia. Por mais que fosse esperado foi um choque e as poucas horas que se seguiram dirigindo em alta velocidade até Belo Horizonte, foram de intensa dor. Ao chegar para a despedida fomos – eu e quem me acompanhava – tomados por uma espantosa serenidade, como que nos coubesse administrar uma crise e dirigir uma complexa atividade. Não era necessário, mas era efeito reflexo das caminhadas com formação.
A despedida foi do tamanho de uma manifestação política das grandes. Foi bonita e emocionante. Aqueles muitos companheiros e companheiras estavam lá não apenas para se despedir, mas também para dizer a todo o mundo que nós tínhamos aprendido a amá-lo e respeitá-lo. Aquela última homenagem manifestava compromisso de superar mais um momento difícil e manter a política e a ação a todo o momento.
Caminhando e conversando: um método de formação e formulação política
Sinto saudade das longas caminhadas por Brasília, dos cafés demorados em Venda Nova ou em qualquer outro lugar do País, onde debatíamos as dificuldades, as ideias que virariam as teses, os desafios e as tarefas. Estas talvez tenham sido as principais aulas do curso de formação que se prolongou por quase uma década.
A senha era: “vou ou vamos caçar patos?” às vezes ia sozinho, saia de repente e a um de nós cabia sustentar a reunião ou a atividade. Passado algum tempo voltava e se ainda houvesse espaço para o debate, surgia com alguma proposta que se não resolvesse a polêmica, decerto reabria o debate. Gostava de um consenso e era especialista em produzir acordos, estando ou não em maioria. Aliás, se importava bem pouco com isso. Gostava de dizer que com uma boa política na mão era sempre possível construir uma boa síntese.
Quando saía com um ou mais de nós para caminhar e conversar estava na hora de formular coisa nova, corrigir teses com problemas ou às vezes simplesmente conversar sobre a vida. Era preciso ter fôlego para acompanhar as caminhadas de alguns poucos quilômetros, mas essencialmente era preciso algum preparo, físico inclusive, para os desdobramentos das caminhadas com conversa.
Em julho de 1993 a Associação de Servidores da UFRJ, prestes a se transformar em sindicato, editou o primeiro exemplar da Revista UNIVERSUS, mais projeto imaginado numa caminhada. Nela encontramos o seguinte trecho: “É isso aí Pedrão, saiu a revista de que te falamos, e o primeiro número é dedicado a você, que simboliza a alteração de qualidade de nossa intervenção nacional e que nos abriu a perspectiva de hoje podermos afirmar que não somos apenas parte secundária do processo educacional, somos sim TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO. Coletivamente, temos propostas e cumprimos um papel cada vez mais fundamental nos modernos processos da educação. Nossa melhor homenagem é poder com todo o orgulho, por na rua estes 15 mil exemplares; e mais, prometemos que o segundo, o terceiro e todos os outros números sairão, esperamos, cumprindo papel formador, crítico e participativo a que nos propomos.”
Naquela edição da revista publicamos uma carta de Dora Gomes, a companheira de todas as horas com quem militou e viveu intensamente. Juntos tiveram duas filhas – Joana e Paula – e compartilharam intensamente suas vidas. Dora, também militante da DS, socialista e feminista, faleceu recentemente e decerto seria ela a melhor pessoa para escrever sobre Pedro. Como não pode mais cumprir esta tarefa reproduzimos aqui a carta de 1993. Ela nos dá um retrato falado de pessoa além do camarada.
A carta de quem esteve mais perto
Amor de sempre
Dora Gomes
“Dez dias depois da (sa)ída do Pedro. A doença dói muito mais forte do que a luta que travou, dos intensos tratamentos de um ano que não lograram devolver sua saúde física. Sua ausência, a sinto de forma intensa. Também serena. Assim, construímos assim construímos nossas vidas: muito perto do coração, com afeto e paixão e, ao mesmo tempo, desprendida e autônoma, conquista de anos de existência em comum. Sem necessidade de falar, conhecíamos a vontade do outro, por um olhar, um sentir, sem que nunca isto significasse um controle, um domínio ou disputa, mas o convívio de dois amigos de fortes vínculos forjados pela vida cotidiana, desejos, e projetos assentados no inconformismo, na rebeldia e na convicção da necessidade da conquista de valores e condições humanas superiores aos que regem nosso tempo.”
“Por tudo isso, sua partida não é dolorosa, posso senti-lo de perto, com seu pensamento, sua indignação e sua alegria, felicidade, marca inconfundível de sua existência. Com toda a generosidade de sua esperança, que nem a grave doença conseguiu arrebatar-lhe.”
“Consigo tê-lo pegadinho a mim como em todo o tempo de nossa vida juntos: uma presença tranquila, suave, de amor e carinho. Uma presença que nunca sufocou ou impediu a plenitude de minha própria vida. Ao contrário, possibilitou-me viver com toda a integridade, como também vivia a sua vida. Ao meu lado, segurando minhas mãos, passando-me força para seguir sem sua presença física, a dizer-me que nossa felicidade não depende dela. Está assimilada por nossas ações, nossa existência e de todas as pessoas que com quem os dois, ou cada um de nós, construiu uma relação de amizade, de respeito, de amor. Assim é o que sinto.”
“Tenho certeza que Pedro conseguiu em seus quarenta anos uma sabedoria, que infelizmente, muitos passam pela vida sem fazê-lo: a conquista de uma felicidade decorrente de uma vida de amor e paixão, de uma consciência de sua realidade e compromisso com seu tempo. Pedro tinha plena consciência de que era feliz. Este é o Pedro que tenho dentro de mim, inteiro e bonito. Um amor de sempre.”
Até …
Até …! Era assim que Pedro Alcântara se despedia de todos os que conviveram ao longo dos seus quarenta anos de vida e muita luta. Até, camarada … nós ficamos por aqui e tentaremos nos lembrar sempre do que aprendemos contigo, inclusive quando da tua última luta – até nela fostes herói.
Estas são as memórias de um caminhante que segue a jornada. Até um dia irmãozinho.
Carlos Maldonado é militante da Democracia Socialista, companheiro de longa data de Pedro.
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