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Por um programa à esquerda | Paulinho dos Santos

Passados os dois turnos dessa eleição, é hora de sentarmos à mesa, avaliarmos os rumos e seguirmos firmes. O PT, mesmo diante de todas as adversidades, segue vivo e fortalecido, as principais questões postas são: quais os aprendizados que a esquerda tira de 2024 e como reorganizamos a luta, não apenas em direção a 2026, mas, sobretudo, em relação a construção de uma nova sociedade, mais justa, ante aos ataques do capital.

Se a Frente Ampla pela Democracia, engendrada por Lula e o PT para derrotar Bolsonaro em 2022, foi ponto importante naquela vitória eleitoral, essa mesma Frente Ampla que desde então governa o país, capturada pelo centrão, foi fator primordial para a grande derrota das esquerdas nas eleições de 2024.

Inicio este texto com essa afirmação um tanto quanto forte, mas necessária, pois nos conduz ao enfrentamento da atual crise de identidade que vivemos e que se traduz em crise eleitoral.

Digo “crise de identidade”, pois em quase a totalidade dos discursos e dos textos, se repetem os mesmos chavões: “a esquerda está desconectada das periferias e das lutas populares”. Ou seja, se há alguma falta de conexão com as realidades sociais, há, por conseguinte, uma crise de identidade da esquerda. Ademais, falo em “crise eleitoral”. Ora, alguns poderão apresentar o seguinte contraponto: “mas o PT cresceu em número de prefeituras, afinal saímos de 183 no pleito de 2020, para 248 prefeituras somente no 1º turno de 2024, mais a chegada de Boulos, do PSOL, ao 2º turno de São Paulo”. Ora, estes argumentos podem ser facilmente rebatidos, afinal, o PT saiu derrotado nas maiores e mais importantes cidades no 1º turno, incluindo a região do ABC Paulista, e no 2º turno vencemos quatro das 13 prefeituras que disputamos. Já o PSOL, que governava 5 cidades, saiu derrotado em todo o Brasil, incluindo Belém, única capital que governava com Edmilson Rodrigues, que sequer chegou ao 2º turno, bem como com Boulos e Marta na maior capital do país.

Poderão, de tal forma, surgir outros argumentos como: “as eleições municipais são um caso à parte, pois estão imbricadas às disputas locais, ao populismo personalista de determinados quadros políticos, ao uso da máquina pública, ao excesso de cargos comissionados nas prefeituras, etc., e, com isso, o que menos se vê é a questão ideológica”.  Se essa premissa é verdadeira, e em parte concordo com ela, mais uma vez recaímos sobre o problema da “crise de identidade” das esquerdas e do seu papel formativo da consciência política e social do povo brasileiro. Afinal, o pano de fundo dessa questão é a disputa sociopolítica e a força que o poder do capital, no sistema neoliberal, imprime sobre a agenda política e o próprio sistema eleitoral.

Mas, o que é uma “crise eleitoral” senão o próprio resultado de uma crise em si? Quer dizer, o resultado de uma eleição, até por conta dos fatores todos acima conjugados, é o reflexo do pensamento social e político de uma sociedade construído a partir de uma série histórica. Ou melhor, os projetos políticos aprovados nas urnas pela maioria dos eleitores, reflete o pensamento social e político daquela determinada comunidade naquele período, que se construiu ao longo de quatro anos. Melhor ainda, os eleitos e as eleitas nada mais são do que o resultado das escolhas políticas firmadas no último período. Isso inclui os chamados outsiders, que são o resultado do pensamento de negação seja dos atuais políticos, seja do sistema político como um todo.

O que chama atenção é que, mesmo com a vitória eleitoral de Lula em 2022, o pensamento sociopolítico da nossa sociedade se afirma, cada vez mais, como reacionário, autoritário e repressor. Basta ver a formação do Congresso Nacional, ainda naquela eleição, e as vitórias eleitorais em 2024.

Assim como o centrão domina o Congresso Nacional, consolidou ainda mais o seu domínio sobre as prefeituras, movimento que já vem acontecendo há algum tempo: o PSD é o partido que mais fez prefeitos no último pleito. Além disso, o PL fez mais do que o dobro de prefeituras que o PT. Ou seja, as configurações do Congresso Nacional, das prefeituras e das Câmaras de Vereadores pelo Brasil afora, estão imbricadas, o que, mais uma vez, põe por terra o argumento de que o pleito municipal não está ligado ao nacional. São tendências. Afinal, são os mandatos de vereadores e vereadoras espalhados pelos municípios, mais os prefeitos, que lideram as campanhas eleitorais estaduais e nacionais nas suas localidades.

É óbvio que as emendas parlamentares turbinadas, combinada com a falta de uma reforma política séria que dê aos projetos políticos partidários mais notoriedade do que às lideranças populistas, bem como o avanço do neopentecostalismo católico e evangélico, por exemplo, ajudam a responder um tanto do avanço do centrão e da extrema-direita, mas também é inegável que existem fatores internos na esquerda que precisam de maior atenção.

O Governo Lula, tomado pela ideia de Frente Ampla, não enfrenta a extrema-direita, muito menos o centrão de Arthur Lira e Gilberto Kassab. O grupo econômico do governo não foge das “soluções neoliberais” para os problemas da economia brasileira e, ainda por cima, cria entraves às políticas sociais com o arcabouço fiscal. A educação segue o projeto da Fundação Lemann, tanto que nem sequer fez o enfrentamento real e direto ao Novo Ensino Médio. A comunicação é atrasada e não permite que Lula fale diretamente ao povo brasileiro.

Mas, mais do que isso, a linha política do próprio presidente Lula parece não estar coadunada com os anseios e necessidades do PT e da esquerda. Onde estão as agendas partidárias do companheiro Lula? Nenhuma ida ao palanque de Maria do Rosário em Porto Alegre, capital gaúcha, por exemplo, é um sinal claro dessa desconexão. Agendas institucionais do governo, não são agendas de campanha e o momento exige uma ação forte do Presidente do Honra do PT.

É hora de realinharmos!

A ideia de Frente Ampla, repito, embora tenha sido pilar importante para o resgate do Brasil e da democracia com a vitória do presidente Lula em 2022, não fez bem à esquerda, pois nos fez aderir ao Programa da centro-direita. Precisamos, urgentemente, apontar um caminho seguro para a construção de uma nova sociedade. E isso é disputa ideológica.

Disputa ideológica, aliás, que se dá, inclusive, por dentro do PT. Pois, se já existem aqueles que defendem uma certa “consolidação política com o centrão” a partir de agora, existem também aqueles que defendem que o PT seja altivo o suficiente para não se bandear à direita e, com isso, enfrentar a ideologia dominante para então apontar um novo caminho para a nossa democracia e para a nossa sociedade.

As experiências positivas do “modo petista de governar”, com orçamento participativo, com radicalização dos conselhos de políticas públicas, com a máquina pública funcionando para a maioria da população e não só para alguns, com programas locais de transferência de renda, em um determinado momento, cumpriu seu papel para nos distinguir de forma muito nítida dos programas políticos da direita. Agora, nós que somos oriundos do Fórum Social Mundial e da ideia de um Novo Mundo Possível, temos o dever de apontar um programa político audacioso para responder aos anseios dessa nova geração, sem abrir mão dos nossos preceitos democráticos e do horizonte socialista.

Não é ao lado da centro-direita que vamos conseguir apontar caminhos de superação do neoliberalismo. Por isso, é hora de termos nitidez política e nos reorganizarmos no jogo enquanto ainda há tempo.

Paulinho dos Santos é Cientista Social/UFRGS, mestre em Ciência Política/UFRGS, militante da Democracia Socialista, Secretário de Formação do PT Sapucaia do Sul/RS, 1º Suplente de Vereador do PT Sapucaia do Sul/RS e Suplente de Deputado Federal PT/RS.

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