A Guarda Municipal de Curitiba – sempre abençoada por Rafael Greca – “desaguou” uma tempestade de balas de fuzil contra jovens que se divertiam em um espaço público. Resultado: centenas de pessoas adoecidas, Desencantadas, desesperançadas e um assassinato. Assassinaram Mateus Silva Noga.
Estou adoentado. Estou acometido de uma doença que atravessa séculos e que no momento agudizou-se e tem tomado o corpo, melhor, a mente, não só minha mas de muita gente.
Por ser antiga, busco a cura em antigos almanaques, alfarrábios, livros. Por acometer a alma, na poesia e nos baús de velhinhos e velhinhas: quem sabe lá encontre alguma mezinha.
Nesta urgente procura encontrei o Baú de Espantos. Abro-o e dou de cara com uma dedicatória:
Ao “mano Novo” e A. uma lembrança do nosso grande poeta do sul.
Espero que gostes tanto quanto eu!
M.
06/01/96
Em vez de encontrar um conforto terapêutico – a dedicatória – foi mais uma gota d’água num copo já quase cheio.
A. e o “mano Novo” não gostaram da lembrança e/ou do poeta do sul, tanto que se desfizeram do “objeto”. Desfazer-se de um livro do Mario Quintana não é um bom sinal: será que já estavam adoentados? Se sim, a causa pode ser outra que não a atual.
Sentindo-me adoentado procurei, para confirmar o diagnóstico, o Dr. Houaiss que soprou-me aos olhos: adoentado é quem se “encontra um pouco doente, abatido física e/ou moralmente; alquebrado, combalido”.
Como médico sei que não devia me autodiagnosticar, me automedicar e pior, concluir que minha doença, e de tantos outros, é grave. É grave: a idade e a experiência me permitem temer a possibilidade de morrer com esta enfermidade.
Procurei no Código Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) a nomenclatura correta desta enfermidade. É essencial colocar o CID no atestado médico para recomendar – sem necessidade de perícia médica – licença remunerada.
Remuneração que permita independência financeira em relação à família. Não é o meu caso, mas muitos casos de adoentarem-se desta maneira está na família. Veja os grupos familiares de WhatsApp onde houve e há lutas “corporais” entre bolsonaristas e os que se negam a ser imbecis e/ou fascistas.
O diagnóstico correto do adoecimento é Desencanto e não consta no CID. São várias as razões que levam ao Desencanto, desde coisas simples às mais complexas. Se fosse um único fato, ainda, poderia ser curada, superada, quando se acumulam pode transbordar.
Há os que defendem que os que transbordaram – Desencantados – devem ser trancafiados num hospício. Se assim for vai faltar Casa Verde e, pelo comportamento do Conselho Federal de Medicina, não faltarão Bacamartes.
O desencanto vem como gotas se acumulando em um copo, até que a última gota transborda. O tempo para transbordar depende da velocidade das gotas e do tamanho da alma, do copo.
A dura realidade dos últimos anos está levando a alma de muita gente a transbordar. Há que resistir ao Desencanto pela civilização e manter o encanto pela vida, caso contrário, a própria vivenda pode virar a Casa Verde.
O desencanto pela – as outras pessoas – civilização não surge dá noite para o dia, é lenta: é a minúscula gota pingando dentro de um enorme copo. E ela pode ser qualquer coisa, às vezes, insignificante.
Domingo desses entrei num supermercado, destes em que nos corredores há tantas lojas antes de você chegar dentro do próprio mercado, que mais parece um shopping. No corredor parei diante da vitrine de uma pequena livraria e ali permaneci por cerca de 15 minutos.
Entre os tantos livros namoro alguns e procuro entender a razão para que alguém namore outros livros que eu jamais namoraria. Pior que namorar comprar. Como pode alguém comprar um livro assinado, não sei se escrito, pelo Luciano Huck? Será que está pessoa também está adoentada ou é o um dos agentes causadores da doença?
Durante o tempo que ali permaneci ninguém parou ao meu lado para olhar a vitrine. Até desconfiei que havia algo comigo: a roupa, o cheiro ou mesmo a ideologia.
Solitário, observei que no dogshopping, bem ao lado, cerca de duas dezenas de pessoas, inclusive famílias inteiras, se detinham para ver a vitrine de uma loja que vende caminhas, coleiras, comida, ossinhos, brinquedos, enfeites para cachorros e gatos.
Ninguém se interessou em ver livros, no entanto pararam para ver e comentar sobre a qualidade, utilidade e beleza dos produtos para animais.
Foi mais uma gota no copo que encerrava a semana, que até recentemente chamávamos de Semana da Pátria. A Semana da Pátria deste ano não foi uma gota, foi uma torrente que desaguou dentro do copo agravando o adoecimento de muita gente.
Terminada a semana que era da pátria, não só gotas de desprezo e ódio foram jogadas dentro da alma, do copo. A Guarda Municipal de Curitiba – sempre abençoada por Rafael Greca – “desaguou” uma tempestade de balas de fuzil contra jovens que se divertiam em um espaço público. Resultado: centenas de pessoas adoecidas, Desencantadas, desesperançadas e um assassinato. Assassinaram Mateus Silva Noga.
Fecho o Baú de Espantos e recorro – em busca da terapia – a Arte de Cura e Espanta-Males: Espólio de Medicina Popular, recolhido por Michel Giacometti, editora Gradiva-Portugal) onde encontrei a “Prece Para as Melhoras”.
Deus me tire todo o mal… (onde o tem)
E entre todo o bem
Como entrou Jesus Cristo
Em Jerusalém
Segundo o autor, está prece deve ser repetida três vezes, que curará qualquer doença.
Para aliviar ou curar-nos deste adoecimento, além da prece, devemos nos unir aos milhares, melhor, milhões e rezar mil vezes: Fora Bolsonaro.
- Dr. Rosinha é médico aposentado e ex-deputado.
- Publicação original: Jornal Plural
- Ilustração: Benett
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