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PT: Alerta vermelho | Joaquim Soriano

…queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e cuja direção e programa sejam decididos em suas bases.

Manifesto do PT, 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion (SP)

O Diretório Nacional do PT, reunido no dia 16 de outubro de 2023, debateu e deliberou sobre recurso contrário à resolução da Comissão Executiva Nacional de 18 de setembro de 2023.

O trecho polêmico da resolução, motivo do recurso, é o que segue em destaque:

“Nos Municípios onde não houver consenso o Diretório Municipal deliberará até 30 de novembro de 2023 sobre as candidaturas ou propostas de coligação e quando a decisão tiver o apoio de ⅔ dos membros da instância, a decisão seguirá imediatamente para a homologação das instâncias superiores…”

O recurso advertia que o Estatuto autoriza o Diretório Municipal com o apoio de ⅔ dos membros a não realizar a prévia, mas não autoriza a definir a chapa majoritária e proporcional.

O Art. 147 do Estatuto é explícito: “Havendo mais de um pré-candidato ou pré-candidata às eleições para Presidente ou Presidenta da República, Governador ou Governadora, Senador ou Senadora, e Prefeito ou Prefeita, será realizada Prévia Eleitoral”.

O Art. 154 define o que ⅔ do Diretório pode fazer: “O Diretório de nível correspondente poderá, em caráter excepcional, deliberar pela não realização de prévias, por decisão de ⅔ (dois terços) de seus membros”. Nos parágrafos seguintes, determina o que fazer em caso de não ocorrer as prévias: 

“§2º: Para efeito do disposto neste artigo, a escolha da candidatura majoritária deverá ser realizada em Encontro de Delegados e de Delegadas, por votação secreta, e os delegados ou delegadas somente poderão ser eleitos após a realização da reunião do Diretório a que se refere o ʽcaputʼ deste artigo.

§3º: Havendo mais de uma pré-candidatura aos cargos de vice-presidente ou vice-presidenta, vice-governador ou vice-governadora, vice-prefeito ou vice-prefeita, caberá ao Encontro correspondente escolher o candidato ou candidata por voto em urna, sendo eleito aquele que obtiver o maior número de votos.”

Por fim, o Art. 264 define como pode ser modificado o Estatuto do PT:

“O presente Estatuto poderá ser alterado em Encontro Nacional, pelo voto da maioria de seus delegados e delegadas. 

§1º: Para efeito do disposto neste artigo, a Comissão Executiva Nacional designará uma Comissão que elaborará o projeto de reforma e promoverá sua publicação e sua distribuição aos Diretórios em todos os níveis para apresentação de emendas, dentro dos prazos que fixar. 

§2º: Toda alteração estatutária deverá ser registrada no Ofício Civil competente e encaminhada para o mesmo fim ao Tribunal Superior Eleitoral, nos termos da lei.”

A Comissão Executiva Nacional aprovou a resolução por 17 votos a favor e 12 contra. O Diretório Nacional recusou o recurso por 47 contra 36. Pois bem, 47 votos decidiram que 17 votos da Executiva Nacional alterassem o Estatuto!

Para justificar esta brutal violência, argumentam que agora há a Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) e que, portanto, a definição final sobre as candidaturas caberá à Federação. Mas esse não é o assunto. Cada partido define, de acordo com seu Estatuto, qual a forma de escolha das suas candidaturas para depois levar para a negociação política com a Federação.

Logo, essa decisão afronta o Estatuto. Não tem validade. No entanto, só podemos recorrer ao próximo Encontro Nacional, que será em 2025!

A maioria que aprovou essa medida já não recorda a sua origem, aberta ao diálogo com as demais correntes do PT e em busca de sínteses. Além do último episódio, também em outros esta atual maioria impõe posições com autoritarismo, no curso da consolidação de uma burocracia monolítica. Esta fórmula conhecida de burocracias em organizações de origem operária em experiências do século XX (social-democracia, stalinismo) foi conscientemente rejeitada pelo PT na sua fundação. 

Tais experiências levaram a tragédias, pois se alienaram da dinâmica da luta de classes e passaram a defender interesses antagônicos aos da classe que pretendiam representar ou a defender somente os seus interesses próprios de autopreservação.

Na fundação do PT, nos quatro cantos do mundo anunciamos e fomos saudados como uma experiência inédita, um partido da classe trabalhadora construído de baixo para cima!

No decorrer da nossa história, aprimoramos os instrumentos da democracia interna. Direito de tendências regulamentado; mínimo de 30% de mulheres nas direções, que depois avançou para paridade de gênero; cota da juventude e racial nas instâncias de direção.

O Estatuto junto com o Programa são os documentos fundantes do PT. Mudar o Estatuto só da forma que ele mesmo determina: em Encontro Nacional convocado para este tema, com ampla participação dos filiados e filiadas no debate que antecede a deliberação. Já fizemos isso antes, em 2017.

O Estatuto é a “constituição” do PT. Ele é democrático porque aprendeu com experiências do movimento operário, dos partidos comunistas, socialistas e trabalhistas do mundo inteiro que sem democracia não há unidade. Sem democracia interna partidos tornam-se monolíticos e fenecem. Podem até durar alguns anos, mas morrem. E, principalmente, não servem à causa da emancipação humana.

A democracia interna nos partidos que querem representar a classe trabalhadora, os explorados e oprimidos é fundamental. Foi no passado e hoje é ainda mais urgente. Atualmente as lutas contra o neoliberalismo e a barbárie são mais diversas. São as lutas feministas, antirracistas, do movimento LGBTQIA+. É preciso insistir na tarefa de convidar para o PT as pessoas que vivem as novas formas de exploração do mundo do trabalho, a multidão que vive de moto, bicicleta e a pé nos grandes centros urbanos entregando mercadorias. De cada vez mais convidar para fazer parte do PT aquelas e aqueles, especialmente na juventude, que nos alertam sobre as mudanças climáticas e a catástrofe ambiental prevista.

Para este desafio, é necessário um PT aberto para as tarefas deste século. Para manter e desenvolver um instrumento potente para a reconstrução e transformação do Brasil é preciso manter um partido que renove a cada dia os ideais da sua fundação. Só um partido com democracia interna, com direito estabelecido que a minoria de hoje pode ser maioria amanhã, é capaz de agregar um bloco político, social e cultural capaz de levar adiante um projeto de revolução democrática no Brasil e continuar a inspirar esperança para o mundo.

Contrariar o sentido fundante do partido criado de baixo para cima é um retrocesso que precisa ser evitado. Definimos prévias partidárias como a máxima democracia, onde todas e todos filiados votam diretamente para decidir quem os representará na disputa. Hoje, negar o Estatuto que indica encontro partidário, e delegar a ⅔ da direção municipal eleita em 2019 a definição em 2023 das candidaturas majoritárias e proporcionais em cada município é um gigantesco erro! Em 2019, no governo da ultra-direita, a pauta em discussão era nacional, já em 2023 a pauta é municipal e da defesa do governo Lula.

Além disso, pode consolidar dentro do partido uma ideia nefasta: a que maiorias podem tudo. Maiorias podem muito, mas não podem tudo.

O PT precisa ser o partido da reconstrução e da transformação do Brasil. Para isso, precisa manter a defesa dos seus valores fundadores.  

Por um partido democrático e socialista!

Joaquim Soriano

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