Verena Glass e Bia Barbosa – Carta Maior
Em seminário preparatório para a discussão de seu programa para 2006, dirigentes e simpatizantes do PT analisaram a política econômica do governo Lula e possíveis ajustes, bem como o comportamento ético a ser adotado pelo partido pós-crise. Moderação marcou o debate econômico; radicalismo, o ético.
São Paulo – Independente da candidatura petista para 2006 – já consensuada em torno do nome de Lula, que deve ser ratificado no encontro do PT em abril do ano que vem -, o partido quer garantir o máximo de acertos para o programa partidário que apresentará ao país nas próximas eleições. Para isto, segundo o presidente Ricardo Berzoini, é necessária uma profunda avaliação do que foi e do que pode ser, capitalizando os aspectos positivos mas fazendo as críticas necessárias, uma vez que “o PT não pode se submeter à lógica das conveniências do governo”.
Esta avaliação começou já no último sábado (19) no seminário O PT e o Brasil, organizado pelas Fundações Perseu Abramo (PT) e Friedrich Ebert (do Partido da Social-democracia alemão), com os temas política econômica e ética pública, hoje no centro do furacão que chacoalha o governo e o partido.
Modelo econômico
Talvez em função da sensibilidade do tema no governo com as desavenças entre os ministros Dilma Rouseff (Casa Civil) e Antônio Palocci (Fazenda) nas últimas semanas, o tópico política econômica foi tratado no seminário de forma bastante técnica e sem grandes vôos além das já conhecidas críticas à política de juros altos, aos apertados índices de inflação e aos atuais índices de superávit primário, defendidos por Palocci.
Na primeira etapa do debate, que focou “a estabilidade que queremos”, os economistas Mauricio Borges, diretor das áreas Social e Operações Indiretas do BNDES, e Amir Khair, secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina, além do ministro da Educação, Fernando Haddad, mestre em economia, esboçaram um quadro econômico para o Brasil no qual se destacam a busca pelo aumento da competitividade do país no mercado internacional como principal fator de crescimento. Um debate que não visou discutir as bases de um outro modelo de política econômica, distinta da vigente, mas que se ateve às análises de sua competência.
Em resumo, os pontos grifados nesta discussão foram competitividade internacional, políticas fiscais e combate à inflação. Enquanto Borges defendeu o fortalecimento de corporações nacionais, de preferência de caráter público, como instrumento da competitividade nacional e do equilíbrio cambial, Khair atacou as altas taxas de juro como mecanismo de contenção da inflação, já que ela estaria sendo controlada pela abertura dos mercados internos, e elogiou a competitividade das empresas que “agüentaram” os impactos da globalização.
“A globalização é um colchão contra a inflação. Antigamente, um aumento de salários levava a aumento dos preços dos produtos e à inflação. Hoje isso não é mais assim, o mercado internacional faz esse controle, as importações crescentes são os reguladores dos preços. Mesmo com o real supervalorizado, acredito que as importações seguirão crescendo. Por outro lado, estamos avançando na nossa capacidade de concorrer no mercado internacional apesar da alta carga tributária. As que não agüentaram o tranco, fecharam. As demais estão tendo um desempenho espetacular”.
Para Khair, algumas metas para o governo deveriam ser intensificar a busca dos mercados nos países emergentes, “onde o capital deve se desenvolver com mais rapidez por conta da mão de obra barata” e outros atrativos, flexibilizar as metas de inflação – cujo controle deve ser uma política de governo e não ficar nas mãos do Banco Central -, possibilitar o aumento do consumo, o que atrairia automaticamente maiores investimentos, e rediscutir as políticas da taxa básica de juros (Selic), que, mais do que ter controlado a inflação ou ter atraído capital especulativo, tem desestimulado a oferta de capital e o poder de investimento do governo.
Para Haddad, o problema do governo é que vem se empenhando em duas metas, a redução da inflação e a redução da dívida pública em relação ao PIB, o que, outra vez, o leva a abrir mão dos gastos públicos em investimentos estruturais, como educação, saúde, infra-estrutura, etc, o que leva a um constrangimento ao crescimento econômico.
Haddad também aproveitou para, enquanto ministro, comentar o imbróglio Dilma-Palocci com um recado aos que entenderam a posição da ministra como uma tentativa de mexer estruturalmente na atual política econômica: “a imprensa diz que Dilma quer mudar a política econômica, e isso é um equívoco. Quem quer fazer mudanças, ou ajustes, é o ministro Palocci; Dilma defende apenas a manutenção do que já existe”.
Projeto de desenvolvimento
A segunda parte do debate econômico, a cargo do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, do sociólogo Juarez Guimarães e do assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, apesar de não propor nenhuma mudança radical no modelo de desenvolvimento abraçado hoje pelo governo, introduziu elementos mais críticos para além do discurso economicista.
Segundo Belluzzo, um projeto nacional de desenvolvimento tem que levar em conta desempenho dos competidores, mas há que se avaliar se as política adotadas internamente servem aos interesses do país. Nesse sentido, fez duras críticas não só à adesão ao neoliberalismo – “todos os países que adotaram políticas neoliberais acabaram com suas industria de bens de capital” -, como as políticas fiscais que, segundo eles, são impostas ao país de acordo com os interesses do sistema financeiro internacional.
“Não sou a favor de maluquices fiscais, mas o governo não pode cortar gastos correntes com médicos e professores. Corta em gastos públicos e dá a aftosa na vaca, dá buraco na estrada. Não da pra brincar com isso. Hoje o país gasta R$ 180 bilhões com juros, esta política é estúpida. La fora, a taxa é um terço ou menos da brasileira. Estamos pagando um premio exagerado para o investidor não sair do real e ir pro dólar”, afirma o economista.
Belluzzo também acusa o setor econômico do governo a dar espaço demais ao setor financeiro internacional. “Os banqueiros estrangeiros mandam mais aqui do que nós, que votamos no Lula. Eles têm um poder real, têm a capacidade de promover um surto credibilidade, e ao final o Brasil não controla sua economia. Temos que ter mecanismos de controle político da economia, temos que impor controle de capitais”.
Aprofundando mais o aspecto político e ideológico do debate, Juarez Guimarães avaliou os impactos do neoliberalismo e seus adereços sobre a vida política brasileira, defendendo prioritariamente um “sistema financeiro público para o financiamento do investimento de longo prazo capaz de dotar a democracia brasileira de capacidade de definir os rumos e prioridades do desenvolvimento”.
“O desafio do futuro ou da imaginação deve responder ao argumento neoliberal da ineficiência do estado e da inevitável dependência tecnológica frente à inovação do capitalismo mundial”, diz Guimarães.
Marco Aurélio Garcia concorda. “O governo tem compromissos sobretudo em relação ao déficit social. Para não repetir a má experiência do “nacional-desenvolvimentismo” da década de 70 (substituído pelo neoliberalismo, que tratou de tirar o Estado da administração da coisa pública no afã privatista), o crescimento, que é urgente, tem que ser decorrente da distribuição de renda. Na lógica de que, para que o bolo cresça, tem que ser distribuído antes. O incômodo que há com [o presidente venezuelano Hugo] Chávez é simples: durante 50 ano, a Venezuela deu o excedente petroleiro para as elites. Agora estes recursos estão indo para as classes de baixo, para políticas sociais”.
Ética e responsabilidade
Se na questão econômica o seminário não entrou no mérito da necessidade ou não de mudanças estruturais do modelo atual, no aspecto ético a sacudida dada pelas inúmeras denúncias de corrupção dentro do partido parece, pelo menos no campo das intenções, ter acordado os petistas. Ao se proporem responder a pergunta “os fins justificam os meios?”, todos foram enfáticos ao dizer que não.
Na visão do deputado federal José Eduardo Cardozo, que tem sido um dos maiores críticos internos ao PT apesar de historicamente ser ligado ao campo majoritário, há petistas que julgam agir “messianicamente” em sua apropriação dos recursos públicos.
“Há aqueles que, partindo do princípio de que a sociedade não está pronta para um choque ético e se julgando “conhecedores do caminho correto”, defendem que é possível se apropriar do público para atingir determinados fins”, disse Cardozo. “Outros dizem que a ética pública é impossível no Estado político burguês, porque neste Estado o público pertence à burguesia. Então pensam que, ao se apropriar do público, se estaria atingindo somente o Estado burguês. Mas na prática essa visão é anti-pedagógica; serve mais ao capitalismo do que ao socialismo”, afirmou.
Na opinião da socióloga Maria Victoria Benevides, outra debatedora do seminário, não há “corrupção do bem”. “Muitos acreditam que se é para fazer o bem, é possível usar de meios “não ortodoxos”. Mas corrupção é corrupção”, acredita. Ela defende que a questão da ética pública está diretamente relacionada à idéia que se tem de República. Dentro do Partido dos Trabalhadores, deveriam prevalecer, portanto, dois princípios “inarredáveis”: o do interesse público acima dos particulares e o da responsabilidade de governantes e dirigentes de prestarem contas, serem transparentes, e responsabilizados pelos seus atos e omissões.
“Mas infelizmente chego a essa idade canônica pra descobrir que não há maneiras de defender um projeto nacional republicano junto com a defesa de padrões rigorosos da ética pública no atual contexto”, lamentou.
O que ficou claro, no entanto, é a urgência do PT mergulhar fundo neste debate em seu processo de “refundação”. Falou-se da necessidade de se criar mecanismos partidários para atacar distorções de forma “justa e rigorosa”, e de se buscar uma resposta partidária afirmativa e não pressuposta.
“Faz tempo que estamos empurrando isso com a barriga. Isso tem que ser enfrentado com centralidade. Vai significar uma disputa interna no partido, mas vamos fazê-la com fraternidade. Temos que ser implacáveis com transgressões e enfrentar isso doa a quem doer”, disse José Eduardo Cardozo. “Precisamos fazer do nosso discurso uma realidade. E garantir que os dirigentes que não o respeitem, que não fiquem no partido. Não podemos aceitar no PT pessoas que falam uma coisa e fazem outra”, concluiu.
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