Qual é o valor do vento e da luz do sol?

Estefane Maria

O conflito capital versus vida e outra possibilidade de transição energética com a vida no centro

A decadência do imperialismo estadunidense inaugura a face mais cruel de um sistema falido, disposto a explorar e dominar territórios através dos meios mais brutais para se manter de pé. A conjuntura geopolítica atual nos coloca frente à queda da força unipolar para dar lugar a uma nova ordem mundial: a multipolaridade. Nesse processo, dois países são agentes definitivos: os Estados Unidos em crise e a China em ascendência. Esse cenário se reflete nas relações econômicas, na disputa por parceiros diplomáticos e comerciais, na capacidade de produção nacional, entre outros fatores.

Diante do esgotamento de suas alternativas, o império norte-americano busca se sustentar pela via da militarização. Hoje, os Estados Unidos mantêm cerca de 800 bases militares espalhadas por 80 países. Essa presença sustenta guerras psicológicas e ameaças de intervenções em países estratégicos, como a Venezuela, que detém a maior reserva de petróleo do mundo e vive sob constante ameaças de ataques. A instalação de bases militares nos territórios intensifica também a exploração das mulheres, seja  pelo trabalho precarizado, seja na exploração dos corpos,. A militarização segue sendo a ferramenta que sustenta diversas dimensões de violência.

Não podemos perder de vista o que estrutura esse domínio: o sistema capitalista patriarcal. Ele define o valor das coisas, da vida e dos bens comuns com base no acúmulo de riquezas e benefício de poucos, aprofundando desigualdades. O capital organiza sua lógica de exploração e extrativismo sobre os bens comuns e atribui valor segundo a dinâmica da comercialização e acumulação de riquezas. No contexto imperialista, isso também se traduz no extrativismo de mineiras críticos – presentes em países do sul global e – mais recentemente, nas chamadas energias renováveis. Sob o discurso de “energia limpa”, o capital inaugura uma nova mercantilização: atribui valor ao vento e à luz do sol, em muitos casos até maior que o valor da própria vida. O que está por trás disso?

Essa é a armadilha do capitalismo. A partir da invasão das transnacionais nos territórios, se organiza em termos similares ao que chamamos de maquiagem lilás: o capital se apropria de pautas essencialmente construídas pelos movimentos sociais e populares e as reorganiza com base nos seus interesses. O atual modelo de energia eólica e solar se estrutura a partir do conceito de desenvolvimento, da ideia de tecnologia, sem exploração de “recursos” esgotáveis, que ajudam na preservação do meio ambiente, como o único modelo de transição energética possível. O que há por trás da maquiagem? A face do conflito capital versus vida se expressa na desertificação dos territórios, nas turbinas como parte da vida cotidiana, na extinção da agricultura familiar, na exploração das mulheres das comunidades e na perda de biomas. Esse é um retrato da crise do sistema capitalista que, ao se perceber em estado de decadência, se vale da superexploração para se manter de pé, lucrando.

Contra esse avanço do capital sobre nossas vidas, há a resistência das mulheres organizadas nos territórios que reivindicam um outro modelo de energia renovável, sem desertificação de milhares de hectares de solo produtivo, sem violentar nossos corpos, sem invadir nossas vidas ou sequestrar nossos direitos. A Marcha Mundial das Mulheres, denuncia, há anos, esse modelo de transição energética centrado nos interesses do capital em detrimento dos direitos dos povos daqueles territórios, que têm origem, agricultura familiar, direito à terra, bem-viver. Nos territórios afetados, acumulam-se relatos de crise de ansiedade, perda auditiva e problemas respiratórios, além do aumento da violência e exploração pela militarização das áreas. Tudo isso para sustentar uma energia destinada, em grande medida, à exportação.

As mulheres apresentam alternativas. Entre elas, a responsabilização do Estado pela produção de energia verdadeiramente limpa, como a criação de um programa de tetos solares populares que democratize o acesso à energia solar sem desmatamento, bem como a instalação de painéis em prédios públicos e universidades. Trata-se de propostas que viabilizam uma transição energética que não rife nossas vidas e direitos. Essa também é uma denúncia frente à organização da COP 30, que acontecerá em novembro deste ano, em Belém do Pará, e contará com a presença massiva do capital privado em busca de “investimentos”,  flexibilização regulatória e expansão do mercado de crédito de carbono, que podemos aprofundar em outro editorial.

Nesse horizonte de resistência, a Marcha Mundial das Mulheres caminha para o encerramento da 6ª Ação Internacional, iniciada emo 8 de março de 2025 e terá suas atividades finais em 17 de outubro. Sob o lema “Marchamos contra as guerras e o capital, defendemos a soberania dos povos e o bem viver!”, a ação coloca no centro do debate a luta contra as transnacionais, a defesa por um outro modelo de energia renovável e a auto-organização das mulheres como a principal forma de resistência. Serão duas grandes atividades, uma em São Paulo, reunindo mulheres da região, e outra em Mossoró, no Rio Grande do Norte, que prevê a participação de mais de mil mulheres do Nordeste.

Que não percamos de vista o horizonte pelo qual vale a pena lutar – um horizonte construído no cotidiano da vida das mulheres e que aponta para um futuro de soberania, justiça e bem viver. Seguiremos em marcha!

Estefane Maria é comunicadora popular e militante da Marcha Mundial das Mulheres

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